A Garota da Casa ao Lado
Original:The Girl Next Door Ano:2020•País:EUA Autor:Jack Ketchum•Editora: DarkSide Books |
Férias de verão, subúrbio de New Jersey, 1958. O típico bairro tranquilo, numa época tranquila, onde as crianças passavam o dia fora sem preocupações, todos se conhecem, ninguém tranca as portas ou tem medo de assaltantes e assassinos. Tudo perfeito.
A Garota da Casa ao Lado é um dos livros favoritos de Stephen King. O título remete a algo inocente, o clima de férias de verão é agradável, todos são bons amigos.
Preste atenção mais uma vez: não só é um dos livros favoritos de Stephen King, tem também a introdução feita pelo próprio. As coisas são mesmo tão ideais assim?
O jovem David está despreocupadamente caçando lagostins no riacho, quando alguém que ele não conhece se aproxima. Ora, isso é incomum. Todos se conhecem naquele bairro. A garota de cabelos ruivos e rosto radiante se chama Meg, e acabou de se mudar para a casa dos Chandler, vizinhos de David.
O motivo da mudança não é agradável. Os pais de Meg morreram em um acidente de carro e agora ela e a irmã mais nova, Susan, precisam viver com a tia Ruth e seus três filhos. Mas a garota é forte, não se deixa abalar por isso, afinal, precisa cuidar de sua irmã, que ficou com diversas sequelas devido ao acidente.
Imediatamente Meg e David se tornam amigos, mesmo a garota sendo dois anos mais velha, e começam a se encontrar com frequência. O parque está na cidade, todos estão de férias, a nova vizinha é incrível. Tudo ótimo, melhor verão possível.
Até que algo acontece.
Algo aparentemente inocente, besteiras de garotos pré-adolescentes. Enquanto acampavam no quintal de casa, David e seus amigos – incluindo dois dos três filhos de Ruth – começam a conversar sobre algo super interessante para eles: peitos. Conversa vai, conversa vem, e resolvem espiar a nova hóspede dos Chandler. Esperam ansiosamente que ela entre no quarto para se despir, porém, isso não acontece. E os garotos ficam ressentidos, até mesmo com raiva da vizinha que nem sabia estar sendo observada.
A partir daí, coisas estranhas começam a acontecer. Ruth é cruel com Meg, chegando até mesmo a bater na menina. Não a deixa comer, chama-a de nomes absurdos, ameaça Susan. Tudo isso na frente dos filhos e, em pouco tempo, na frente dos amigos dos filhos também, como se fosse uma grande atração para dizer “olha, não tem problema tratar pessoas como ela assim, é normal, estou apenas ensinando uma lição”.
Mas não era normal. Rapidamente os abusos psicológicos se tornaram físicos, e foram ficando cada vez piores, chegando ao ponto que até mesmo o filho mais novo de Ruth batia na jovem até que ela chorasse. E, o pior de tudo, achavam divertido. Torturar a nova hóspede se tornou o novo passatempo favorito da família. E David presenciou tudo. Presenciou seus melhores amigos socando, chutando, ameaçando e fazendo coisas cada vez mais repugnantes com a garota que ele tanto gostou de passar o tempo junto. E não contou absolutamente nada para ninguém. Nem mesmo quando a situação toda se tornou absurdamente macabra.
Nos anos 50, o pensamento das pessoas era de que cada um deveria resolver seus próprios problemas, e ninguém tinha nada com isso. Portanto, quando um casal brigava, pais batiam nos filhos ou basicamente qualquer outra coisa (literalmente, como nos mostra o livro) acontecia, ninguém falava nada em nome da moral e bons costumes. Provavelmente é por causa desse pensamento antigo, tão intrincado nas mentes, que até hoje as pessoas têm vergonha de denunciar assédios e outros abusos. O medo de não ser ouvido, de ser ridicularizado e ter seus problemas expostos e diminuídos ao ponto do ridículo, é maior. E foi exatamente assim que essas crianças pensaram.
É uma narrativa pesada e, ao mesmo tempo, incitante. O leitor se coloca no lugar do observador e narrador, David, e não apenas entende, como sente tudo que o garoto sentiu ao presenciar tais atrocidades. Horror, curiosidade, frenesi, raiva, medo, repulsa. Tanto da situação quanto de si mesmo.
Jack Ketchum escreve de tal modo que desperta indignação a ponto de querer fechar o livro, mas também desperta uma mórbida curiosidade, intrínseca do ser humano, que faz o leitor – assim como o narrador – continuar avançando, continuar se perguntando o motivo de algo dessa magnitude acontecer com uma adolescente inocente e, especialmente, perceber que o perigo está em todos os lugares, até mesmo na casa ao lado ou, pior ainda, dentro da própria. Sua vizinha legal que sempre te dá uma Coca-Cola pode não ser uma pessoa tão boa assim, afinal.
A Garota da Casa ao Lado causa sentimentos diversos e controversos, não sendo recomendado para pessoas sensíveis. Ruth, a figura de autoridade, é a maior abusadora em questão, porém, normaliza isso de tal modo que molda seus filhos, que começam a fazer o mesmo e tratar como se fosse uma brincadeira, apesar de, lá no fundo, saberem que é errado. Crianças não nascem boas ou más, é o meio que as transforma, e isso fica absolutamente claro na obra. O sadismo presente nas ações de cada personagem é aterrorizante e fascinante. Queremos saber até onde essa violência descabida vai. Torcemos por Meg e, acima de tudo, nos identificamos com David.
O autor trata de um dos piores tipos do terror: o terror palpável, o horror causado pelo próprio ser humano. E, como se isso já não fosse ruim o bastante, ainda tem mais. A história é baseada em um caso real que ocorreu em Indiana, em 1965. Sylvia Likens foi torturada de formas inimagináveis pela própria vizinha, Gertrude. Tão inimagináveis que Ketchum preferiu ocultar certos detalhes para a obra não ficar tão pesada.
Em 2007, dois longas cinematográficos foram lançados baseados na história de Sylvia. A Garota da Porta ao Lado, que adapta o livro de Ketchum e é um dos filmes que King considera mais chocantes, e Um Crime Americano, que é uma adaptação do caso real.
Quando Stephen King diz que gostou de um livro, é bom prestar atenção. Se diz que o livro é um de seus favoritos, pode ter certeza que vai ser uma das coisas mais assustadoras que já leu. Nada, nem mesmo a introdução, te deixará minimamente preparado para o que acontece.
Possuo uma extensa coleção de livros de terror e nunca fiquei tão perturbado com uma leitura como em “A Garota da Casa ao Lado” de Jack Ketchum, me deixando até com dificuldades de dormir. Mais de uma vez pensei em interromper a leitura pelo incômodo e mal estar. De certa forma nós leitores também somos torturados. O fato de que sou pai de duas meninas pequenas muito provavelmente me deixou mais sensível aos abusos sofridos pelas duas meninas do livro, mas é impossível não se chocar com a violência gráfica contra crianças.
Boa noite Rubens!
Também tenho uma boa coleção de livros e de filmes de horror, mas confesso que quando assisti a adaptação desse livro para o cinema, pela primeira vez não conseguia dormir de tanto que ficava pensando que os fatos que tinha assistido foram baseados em fatos reais e que aquela menina deve ter sofrido coisas inimagináveis em seus últimos dias de vida. Tenho 56 anos e apesar disso ainda me incomoda o quanto o ser humano pode ser maldoso em suas ações.
Abraço!
Não li o livro ,mas assisti os dois filmes ambos disponível no YouTube bastando fazer uma simples pesquisa rápida acha fácil com imagem ótima e completo os dois filmes são revoltantes.🏠👍😎
Ótimo review mor. Senti o peso da obra só de ler sua análise!