4.6
(7)

Amor e Monstros
Original:Love and Monsters
Ano:2020•País:EUA
Direção:Michael Matthews
Roteiro:Brian Duffield e Matthew Robinson
Produção:Dan Cohen e Shawn Levy
Elenco:Dylan O'Brien, Jessica Henwick, Michael Rooker, Dan Ewing, Ariana Greenblatt

Para evitar que um gigantesco asteroide chamado Aghata 616 atinja a Terra e cause a extinção da humanidade, as nações mais poderosas se unem e disparam foguetes em direção ao corpo celeste. A estratégia tem sucesso e o objeto rochoso é destruído, mas os componentes químicos liberados pelos mísseis bombardeiam o planeta, transformando todas as criaturas de sangue-frio – formigas, traças, lagartos, baratas, crocodilos, entre outros – em enormes monstros mutantes. Os militares se organizam para combater as criaturas, mas no fim das contas 95% dos humanos acabam mortos em menos de um ano. Os sobreviventes se escondem onde podem: quartos do pânico, antigos abrigos ou cavernas.

Sete anos após o “fim do mundo”, o atormentado Joel Dawson (Dylan O’Brien) permanece escondido em um bunker subterrâneo com seus amigos. No grupo, todos têm funções nobres, como defender o local dos monstros ou se arriscar na superfície em busca de alimentos – com exceção de Joel, que é apenas o cozinheiro. Esta situação lhe traz uma melancólica sensação de inferioridade, mesmo que todos lhe tratem muito bem. Além disso, o jovem é acometido por outra angústia: ele é o único solteiro da pequena comunidade.

Porém, este cenário muda quando o rapaz descobre que sua antiga namorada dos tempos pré-fim-do-mundo e por quem era apaixonado, Aimee (Jessica Henwick), está vivinha da silva e morando em outra comunidade no litoral. Pouco mais de 130 km – e algumas criaturas mortais devoradoras de seres humanos, apaixonados ou não – os separam. Ele decide que encontrá-la pode dar novamente algum sentido à sua vida, apesar de toda adversidade e perigo que esta aventura possa lhe afligir. Assim começa a jornada de um improvável herói, em busca de uma antiga paixão e quem sabe de seu lugar neste pouco amistoso novo mundo.

As limitações impostas pela pandemia de COVID-19 impediu que Amor e Monstros (Love and Monsters) fosse distribuído nos cinemas em 2020, como havia planejado a Paramount Pictures – a alternativa foi o lançamento direto em On Demmand e apenas nos Estados Unidos. No ano seguinte, a Netflix adquiriu os direitos internacionais de exclusividade na exibição do longa-metragem, que entrou no catálogo da plataforma de streaming em meados de março de 2021.

Conhecido inicialmente em Terras Brasilis como Problemas Monstruosos, Amor e Monstros é o primeiro trabalho de maior evidência do cineasta sul-africano Michael Matthews;  que até então trazia em seu curriculum apenas um longa, o suspense regional Guerreiros de Marselha (2017). Já a produção é assinada pela dupla Dan Cohen e Shawn Levy, parte do time responsável por um dos maiores sucessos da Netflix, a série Stranger Things (2016). O roteiro é de autoria de Brian Duffield, que já havia escrito algumas tramas bem extravagantes como A Babá (2017) e Espontânea (2020) e Matthew Robinson (de Dora e a Cidade Perdida, 2019). E apesar de não esbanjar muita inventividade, o resultado alcançado por este time é um grande acerto: o filme obteve ótimas e merecidas críticas e foi muito bem recebido pelo público, que aprovou a dinâmica da produção e a proposta inocente e despretensiosa do enredo.

Apesar de suas inquietações, Joel Dawson é um protagonista adorável: bem-humorado, otimista e apaixonado, mesmo com uma realidade tão contrastante. E o que ele anseia é espantoso por sua simplicidade: encontrar o amor e de quebra alguma relevância existencial – e não seriam estes os desejos mais básicos de qualquer homo sapiens? A maneira natural e entusiasmada como o versátil Dylan O’Brien (atual de queridinho da internet e astro da cinessérie igualmente apocalíptica Maze Runner, 2014) dá vida ao personagem é surpreendente e um dos pontos altos da produção. Somam-se ao elenco os ótimos Michael Rooker (o Yondu de Guardiões da Galaxia, 2014 e Henry – O Retrato de um Assassino, 1986) como Clyde, um sobrevivente casca-grossa da e a pequena Ariana Greenblatt (a garotinha de Awake, 2021) como a intensa (e apaixonante) Minnow, sua protegida. Estes dois personagens são tão formidáveis que por si só mereceriam um spin off – fica a dica aqui, Michael Matthews. E não menos importante, o espertíssimo e salvador cachorro Garoto, cuja interpretação foi compartilhada entre dois animais da raça kelpie australiano, chamados Hero e Dodge. Já a paixão idealizada de Joel é representada por Jessica Henwick (a Colleen Wing, da série Punho de Ferro, 2017). A performance do elenco é notável e a relação entre o protagonista e os personagens de apoio/coadjuvantes funciona de maneira excepcional, levando o espectador a torcer para que eles não se separem.

Entre vários pontos positivos da produção está o visual do mundo pós-apocalíptico:  ao contrário de outras produções mais sisudas do gênero, é um visual colorido, com as plantas encobrindo parcialmente os resquícios do que antes fora uma civilização. O design das criaturas – só pra citar mais algumas: formigas, sapos, vermes, caracóis e lacraias – é ao mesmo tempo, assustador e curioso: são seres também cheios de cor, olhos e tentáculos. Os bons efeitos das criaturas (a maior parte realizada por computação gráfica) renderam, além de cenas de ação decentes e “realistas”, uma indicação ao Oscar de Melhores Efeitos Visuais de 2021 (prêmio abocanhado posteriormente por Tenet, de Christopher Nolan).

Em alguns momentos, Amor e Monstros remete aos divertidos e despojados anos 80. Seja pela leveza da trama, pelas cores ou pelo elenco jovem. Há pelo menos duas referências diretas (propositais ou não) ao clássico Conta Comigo (1986): uma releitura da famosa cena das sanguessugas e a utilização da canção Stand by Me, interpretada por Ben. E. King. Em relação à trilha sonora, ela não é exagerada e traz alguns outros sucessos como Only the Lonely, na voz de  Roy Orbison e Keep the Car Running do Arcade Fire.

Para os entusiastas dos games, existem algumas coincidências em relação ao aclamado Last of Us: além do enredo “sobrevivendo ao apocalipse”, chama a atenção a utilização do mesmo nome para os protagonistas (ambos se chamam Joel) e a presença da dupla de coadjuvantes (um adulto e uma menina). Difícil afirmar se é coincidência, influência ou homenagem, mas não deixa de ser curioso.

  (o seguinte parágrafo contém SPOILERS)

O desfecho é de alguma maneira inesperado ao evitar (acertadamente, na opinião deste que vos escreve) o final romântico e tradicionalmente feliz. Ou seja, Joel e Amee não terminam juntos e o principal legado da jornada é o autoconhecimento e a transformação do cozinheiro em herói. A última batalha contra o boss, mesmo não sendo uma grande reviravolta em si, igualmente subverte o lugar-comum, pois o monstro não é realmente “o vilão” – na verdade, a criatura estava sendo manipulada pelo Rodrigo Hilbert do mal (vivido por Dan Ewing, o personagem é um galanteador bonitão capitão de um iate, sabe fazer churrasco e cerveja artesanal e esbanja méritos que a gente sabe que só existe no mundo ficcional – e que havia chegado há pouco tempo na comunidade de Amee prometendo levar todos para um lugar seguro). O encerramento (quando Joel volta sozinho para a sua comunidade original e motiva pelo rádio os sobreviventes de diversos grupos a retomarem a superfície do planeta enfrentando os monstros) deixa um gancho para uma continuação ou mesmo um spin-off. Ambas as opções são muito interessantes para os fãs do gênero, visto que o universo criado por Amor e Monstros e os personagens têm muito potencial para novas histórias e afinal, filmes com insetos gigantes são sempre uma boa pedida.

Em suma, Amor e Monstros é uma produção descompromissada, que apesar de não inovar, também não exagera nos clichês, equilibrando com o timing correto ficção científica, fantasia e aventura com algumas doses de romance. Efeitos e cenas de ação na medida certa fortalecem o seu maior mérito, que é ser competente ao que se propõe: divertir.

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