Cordeiro (2021)

4.6
(12)

Cordeiro
Original:Lamb
Ano:2021•País:Islândia, Suécia, Polônia
Direção:Valdimar Jóhannsson
Roteiro:Valdimar Jóhannsson, Sjón
Produção:Piodor Gustafsson, Hrönn Kristinsdóttir, Sara Nassim, Jan Naszewski, Erik Rydell, Klaudia Smieja
Elenco:Noomi Rapace, Hilmir Snær Guðnason, Björn Hlynur Haraldsson, Ingvar Sigurdsson, Arnþruður Dögg Sigurðardóttir

A A24 se estabeleceu como uma produtora e distribuidora de filmes que exigem um paladar refinado. Não é qualquer fome que será saciada com sereias, cultos religiosos e maldição familiar em narrativas mais lentas e de poucos diálogos. Essa característica artística associada ao Horror – no conceito ceifado por Lovecraft – deu rótulos ao gênero e cultivou um pesadelo moldado pelo estranho. Tamanha foi a audácia de seus realizadores que até premissas que poderiam estampar as manchetes do Notícias Populares já se tornam alvo de desejo e apreciação. A questão é saber até aonde uma narrativa envolvendo uma criança-cordeiro poderia chegar no desenvolvimento de algo além de seus elogiosos aspectos técnicos.

Trata-se de uma abordagem minimalista na construção de uma trama com teor folclórico sobre um casal rural que resolve adotar uma criança com cabeça e pata de cordeiro, depois de uma traumática perda. Em dado momento de uma rotina sonolenta de cuidado de um rebanho, o parto de um animal surpreende os dois pela condição absurda de seu resultado – algo que a câmera tímida de Valdimar Jóhannsson irá esconder por mais de quarenta minutos, talvez para que a aceitação seja progressiva. Sem sequer conversar a respeito, e nem questionar a natureza da criatura (poderia especular até mesmo uma diversão esquisita do marido, uma vez que não anda tendo mais contato físico com a esposa), María (Noomi Rapace) e Ingvar (Hilmir Snaer Gudnason) recebem com carinho o recém-nascido como membro da família.

Com o passar do tempo – com a noção permitida pela evolução da criança chamada de Ada, em homenagem à falecida filha -, o núcleo familiar agradável é afetado pela chegada do irmão de Ingvar, Pétur (Björn Hlynur Haraldsson), que como o espectador diante da premissa esdrúxula reage com um natural “que porra é essa?“. A presença de um personagem alheio à realidade do casal reflete, com sua indignação, a visão de uma sociedade que não permite o diferente, acostumada a moldes e padrões. Ainda que a mensagem possa ser bem aceita numa leitura mais profunda, ela não esconde o abismo entre sua força moral e a ausência de conteúdo. E simplesmente não há muito além do que se esconde nas névoas gélidas da Islândia como justificativa para que Lamb segure seu enredo por 106 minutos, sem despertar bocejos do público.

Assim, Lamb constrói seus méritos pelas qualidades técnicas como a fotografia fria de Eli Arenson, e os excelentes efeitos visuais que não permitem que se percebam na criança sua condição artificial. Todavia não se pode reservar os mesmos elogios à atuação desmotivada de Noomi Rapace, que, tal qual a criança-carneiro, parece estar em um ambiente ao qual não lhe pertence. Talvez seja esse o propósito, na simbologia dos cavalos na neve no prólogo como tradução do improvável, do deslocado. O problema é que Lamb não consegue avançar além disso. E despeja sequências que não levam a lugar algum como ironicamente se nota no trator com problemas mecânicos, na característica provocativa de Pétur ou no tardio desaparecimento percebido do cachorro. Tudo se desenvolve com as mesmas deformidades da cria.

Com a marca A24 de destacar famílias problemáticas em enredos que mesclam o horror à arte, desta vez passou distante de sua curiosa filmografia – já havia falhado com O Farol. Ainda assim, pode se recomendar uma vista à residência rural de Maria para conhecer sua tragédia e tentativa de recomeço, enquanto folheia outras notícias sobre um padre que desenvolveu asas e o bebê demônio.

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Marcelo Milici

Professor e crítico de cinema há vinte anos, fundou o site Boca do Inferno, uma das principais referências do gênero fantástico no Brasil. Foi colunista do site Omelete, articulista da revista Amazing e jurado dos festivais Cinefantasy, Espantomania, SP Terror e do sarau da Casa das Rosas. Possui publicações em diversas antologias como “Terra Morta”, Arquivos do Mal”, “Galáxias Ocultas”, “A Hora Morta” e “Insanidade”, além de composições poéticas no livro “A Sociedade dos Poetas Vivos”. É um dos autores da enciclopédia “Medo de Palhaço”, lançado pela editora Évora.

7 thoughts on “Cordeiro (2021)

  • 15/12/2022 em 13:41
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    Que análise bosta. Diversão do pai por estar sem contato físico com a esposa? Você passou batido na cena em que a mulher claramente se masturba? Não é só o pai que está sentindo a ausência do contato. A cena inicial dos cavalos na neve seria algo estranho, por quê? É óbvio que tem cavalo em ambiente com neve, você é ignorante ou muito mal informado. “A visão de uma sociedade”… sério isso? O filme é sobre luto, não tem um caralho sobre visão de sociedade em lugar algum, que interpretação louca é essa? Eu nunca li uma análise de filme tão vazia (que ironia, justamente o adjetivo que é dado ao filme) e que não contribui em nada pra entender o enredo.

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      15/12/2022 em 17:23
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      Gosto assim, desses comentários construtivos, simpáticos, com jeitinho. Tão bons que a pessoa que manda não tem nem a coragem de assinar o próprio nome.

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      16/12/2022 em 09:12
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      Nunca vi um comentário sobre uma crítica tão vazio. Nem sequer entendeu o que eu escrevi. Não disse sobre não existir cavalo na neve. Não sei onde você leu isso. Também não disse que o filme aborda uma visão da sociedade, mas que expressa em uma singularidade como a sociedade lida com o diferente.

      Abs

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  • 24/11/2021 em 11:52
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    Filme maravilhoso para fãs de suspense e mistério, o problema foi ele ser vendido como terror, recomendo.

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  • 21/11/2021 em 13:27
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    Não vi o filme ainda para dizer se é ruim ou não mas eu não tenho como levar a sério alguém que critica O Farol

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    • 22/11/2021 em 14:46
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      Comecei a assistir, não consegui terminar. Mais da metade do filme sem história. E ao matarem a mãe de Ada. Não deu mais.

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