4.4
(25)

Chucky - 1ª Temporada
Original:Chucky - First Season
Ano:2021•País:EUA
Direção:Dermott Downs, Leslie Libman, Samir Rehem, Don Mancini, Jeff Renfroe
Roteiro:Don Macini, Sarah Acosta, Kim Garland, Nick Zigler, Harley Peyton, Mallory Westfall, Isabella Gutierrez, Rachael Paradis
Produção:Mallory Westfall, Mitch Engel
Elenco:Brad Dourif, Jennifer Tilly, Zackary Arthur, Teo Briones, Alyvia Alyn Lind, Björgvin Arnarson, Devon Sawa, Fiona Dourif

Quando estreou em 1988, o primeiro filme de Chucky – o brazuca Brinquedo Assassino – viria a se tornar um marco. De fato, o boneco mais aterrorizante da história do cinema teria seu próprio legado e seu próprio espaço no panteão dos maiores ícones dos filmes de terror. Mas a obra originalmente criada por Don Mancini também teve seus altos e baixos. Se o primeiro e segundo filme foram sucessos consideráveis, o terceiro deu uma desacelerada na franquia, fazendo a série ressurgir apenas com o ótimo A Noiva de Chucky, e mudando o tom de vez em O Filho de Chucky, o que o fez ter um razoável hiato até o mais ou menos A Maldição de Chucky e esfriar de vez com o sem graça O Culto de Chucky. Até em 2019 houve ainda a tentativa de um reboot, embora o fracasso tenha sido colossal. Mas Chucky não poderia ser deixado de lado. De fato, muito esforço seria necessário para trazer o legado do boneco de volta, dessa vez não mais em um filme, mas com o inédito produto de uma série, que mesmo deixando muita gente de nariz torcido pela ideia em si, conseguiu dar incrivelmente certo.

Sem muitas delongas, já no primeiro episódio de Chucky somos apresentados a Jake Wheeler, de 14 anos, um jovem pobre e incompreendido por um insensível pai, que vê em sua arte de criar esculturas a base de pedaços de bonecas uma válvula para sua frustrações. Jake, que é gay, é agredido psicologicamente pelo pai, não consegue lidar com seu crush pelo podcaster Devon, sofre com as comparações junto à família do atlético primo Junior e ainda recebe um bullying pesado da patricinha Lexy. Mas tudo vai mudar quando numa venda de garagem encontra um vintage Good Guy, perfeito para sua arte, se não estivesse amaldiçoado por Charles Lee Ray, o monstruoso serial killer que usou um ritual vodu para transferir sua alma para o boneco.

E, bem, só o primeiro episódio por si só já é impactante. Não se engane com a ideia de mais um produto de terror com elenco jovem. Primeiramente, porque aqui os adolescentes são adolescentes de verdade, e todos dão um show de atuação, sendo carismáticos e correspondendo bem às mudanças bruscas de emoções presentes.

Além disso, Chucky sempre foi um produto de opinião divisível no público geral, com pessoas que morriam de medo (principalmente crianças que assistiam “acidentalmente” os filmes no SBT) e outras que simplesmente o acham ridículo, com Don Mancini sempre usando isso muito bem a seu favor ao longo da saga, mudando o tom de obra em obra. Mas é na série que ele atinge seu auge de desempenho. O personagem Chucky é um manipulador, escroto, dotado de um humor sarcástico hilário e que ainda consegue ser aterrador simplesmente pela voz de seu dublador, Brad Dourif, e as expressões do animatronic.

Em sua primeira parte, a série se destaca por Chucky fazer da vida das crianças uma grande confusão de emoções junto às mortes em série, com o objetivo específico de tentar trazer Jake para seu lado. Afinal, nada como acabar com o bullying de forma definitiva do que com um assassinato. Além disso, conhecemos mais sobre a origem de Charles, com parte de sua infância e juventude sendo apresentada, em boas sequências no estilo “origem do mal”. Mas depois que as coisas não saem como o planejado para o brinquedo e ele se vê agora no objetivo de fazer da vida daqueles garotos um inferno, a série toma um novo rumo, onde toda a lore de Chucky vem de encontro à nova trama como dois caminhões em alta velocidade prontos para uma colisão.

Sim, porque numa era em que ícones do terror recebem remakes ou continuações que fingem que parte da saga desenvolvida ali simplesmente não existe, Don Mancini mandou um “hold my beer” e enfiou todos os elementos da saga do brinquedo assassino na série, até mesmo apresentando-a como uma continuação direta de O Culto de Chucky, com o retorno da absurdamente azarada Nica Pierce (com Fiona Dourif brilhando em papel duplo onde também interpreta Charles em seu auge) e a icônica rainha de tantos corações sombrios, Tiffany, com Jennifer Tilly, que encanta estando absurdamente bem à vontade no papel.

Com a aparição desses elementos – inclusive um traumatizado Andy BarclayChucky passa a embarcar num enredo muito mais obscuro, realmente macabro, onde o perigo está ali para todos e não temos ideia de quem realmente vai vencer ou simplesmente sobreviver no final das contas.

Isso, claro, junto a momentos simplesmente maravilhosamente memoráveis como Chucky usando uma máscara da Hello Kitty no Halloween, um cotoco muito bem dado no hospital, o abraço caloroso do boneco em Tiffany e até mesmo uma pesada cena em que a música Trampoline, de Shaed, brilha.

Toda essa mistura de elementos faz de Chucky um grande feito. A série não teve medo de abraçar a tosquice e não teve medo em fazer com que todos os trens narrativos descarrilassem. São tantos elementos, incluindo inúmeros plot twists no final, que a história ganha uma densidade enorme, principalmente em seus momentos finais, com destinos traçados e ganchos para uma continuação.

Kill the twink!

“Eu tenho um filho queer”
“Você tem um filho?”
“Gênero-fluido”
“E você está bem com isso?”
“Eu não sou um monstro, Jake”

Além de toda a trama de horror envolvendo Chucky e seus planos que se revelam cada vez mais diabólicos, a série acaba conseguindo dedicar um bom espaço para o desenvolvimento de seus personagens. Em meio à matança do boneco, temos o sentimento dos jovens protagonistas que estão descobrindo sua sexualidade e novos valores, além de ter que lidar com o abandono e até mesmo o luto.

Mas é claro que com Jake no protagonismo, muito bem interpretado por Zackary Arthur, temos em Chucky uma história sobre amadurecimento com um óbvio final boy gay. Jake precisa sobreviver a Chucky, enquanto se apaixona por Devon e tem que lidar com todas suas fúrias internas e, consequentemente, o processo de aceitação, hilariamente representadas pelo próprio boneco em si.

Mancini, que é gay, já declarou que usou referências de sua própria vida na série, com elementos autobiográficos na história de Jake, desde a não aceitação pelo pai, até a ascensão romântica, num conflito originado na sua própria adolescência.

Assim, Chucky segue sendo um produto sobre metáforas. Se o primeiro filme tinha seu metatexto sobre o consumismo, agora temos aqui um importante e inédito ponto de discussão queer, inclusive já discutido em O Filho de Chucky, com a primeira aparição de Glen/Glenda, e que gerou o excelente (e viral) diálogo acima.

A série foi uma aposta ousada com o público geral, mas que funcionou muito bem, principalmente pela graciosa naturalidade que a condução da história teve. Jake não só é um marcante final boy gay, como na briga em que luta para sobreviver fisicamente e mentalmente, acaba vencendo em ambos os aspectos, ainda que Chucky seja como um cassino em Las Vegas, onde mesmo perdendo, a casa sempre ganha.

Vida longa ao brinquedo assassino e que continue a brilhar em sua já confirmada segunda temporada.

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4 Comentários

  1. Na minha opinião, começou bem, investindo no terror que marcou os primeiros filmes, depois descambou pra comédia exagerada típica dos piores filmes da franquia e se perdeu completamente. E discordo MUITO sobre a qualidade da atuação do protagonista. Ele é horrível e se destaca negativamente num dos piores elencos mirins que vi nos últimos tempos.

  2. A série até diverte, mas sinto falta do verdadeiro terror psicológico muito melhor trabalhado nos dois primeiros filmes originais. Hj, falar em Brinquedo Assassino já remete à comédias pastelão cheias de Gore. E quanto a mostrar as origens do Charles Lee Ray, achava essas partes um tédio total. Infelizmente é uma franquia q perdeu totalmente o rumo e não acredito mais na possibilidade de encontrar o caminho de “casa”.

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