Horizonte Perdido
Original:Lost Horizon
Ano:1937•País:EUA Direção:Frank Capra Roteiro:Robert Riskin, James Hilton, Sidney Buchman Produção:Frank Capra Elenco:Ronald Colman, Jane Wyatt, Edward Everett Horton, John Howard, Thomas Mitchell, Margo, Isabel Jewell, H.B. Warner |
O cineasta Frank Capra construiu boa parte da sua carreira em cima de uma visão utópica de sociedade. Não era incomum que seus filmes narrassem histórias de superação, nas quais as pessoas se uniam em prol do bem comum – ou em prol de um indivíduo que representava essa bondade. Apesar de todas as dificuldades ao longo da jornada, o bem acabava prevalecendo e, com isso, o mundo parecia um lugar um pouco melhor.
O clássico Horizonte Perdido (Lost Horizon, 1937) explora muitas destas temáticas comuns à carreira do realizador, mas também apresenta algumas diferenças significativas. Escrito por Robert Riskin (Aconteceu Naquela Noite) com base no livro de James Hilton, o roteiro acompanha um grupo de pessoas, liderado pelo diplomata Robert Conway (interpretado por Ronald Colman), resgatado da China em meio a um conflito. Antes de saírem da batalha, o avião deles é sequestrado e eles são levados até uma terra distante, onde se deparam com uma sociedade utópica chamada Shangri-la.
Inexistente aos olhos do resto do mundo, aquele lugar carrega consigo um aspecto sobrenatural. Os seus habitantes vivem em eterna harmonia e a vida se estende – aparentemente – ao infinito. Ou seja, a utopia, que serve de destino à maioria dos filmes de Capra, aqui é usada como ponto de partida. E tal inversão revela os problemas inerentes ao (não) funcionamento daquele local. A sociedade, em si, é perfeita. Mas os homens não parecem prontos para vivenciar a perfeição. Eles não acreditam no que veem. Não aceitam se submeter às regras. E, mesmo diante dos avisos de perigo, tentam fugir de lá.
A menção anterior a “os homens” é tanto metafórica quanto literal. Existe aqui um machismo inerente à época, machismo este que o filme sequer tenta se esquivar. Em determinado momento, por exemplo, é explicado o funcionamento da sociedade de Shangri-la para o protagonista. Conway não consegue compreender a possibilidade de não haver conflitos naquele lugar. Ele pergunta o que acontece se um homem se apaixonar pela mulher de outro. E o chinês Chang (interpretado pelo britânico H.B. Warner, outro problema do longa) explica que, nesse caso, o marido precisaria ceder a esposa, para evitar conflitos. A opinião da mulher não é mencionada.
Outro problema da época, ainda que externo, é a deterioração da película. Apesar do extenso trabalho de recuperação do material bruto, existe uma discrepância grande entre as cenas. Algumas são cristalinas, outras são poluídas. Outras se perderam por completo, restando apenas o som original. Nesses casos, a solução encontrada foi usar imagens estáticas, nas quais podemos escutar o som da cena, sem o movimento da imagem para acompanhá-las. Curiosamente, isso dá um aspecto onírico a tais sequências, combinando com a proposta do longa-metragem.
Mesmo com a variação de qualidade, é visível a beleza das imagens captadas na época da produção. Shangri-la é mostrada como uma cidade monumental, repleta de belezas naturais e artificiais. Igualmente notável é a maneira como a obra parece transitar por diferentes gêneros, passando da aventura para o drama, depois para o romance e até para o terror (a cena em que os personagens descobrem a verdade acerca da impossibilidade de sair de Shangri-la é impactante).
Porém, o mais impressionante é perceber como o filme prevê muitos dos conflitos que viriam a acontecer nos anos seguintes. Vale destacar que, sendo esta uma produção lançada em 1937, ela foi realizada antes do início da guerra. E é isso que mais diferencia Horizonte Perdido das demais obras do seu diretor. Afinal, ao contrário dos outros filmes de Capra, no qual ele queria que a sua visão utópica se espalhasse pelo mundo, aqui ele usa a utopia como uma caixa preta, uma lembrança do mundo antes do seu colapso.