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Immortality
Original:Immortality
Ano:2022•País:EUA
Desenvolvedora:Sam Barlow•Distribuidora: Half Mermaid Productions e Netflix

Quando pessoas adultas envolvidas com o mundo dos jogos eletrônicos tentam mostrar a importância real deste segmento para quem está de fora, uma típica frase é geralmente proferida: “O mercado dos games movimenta mais dinheiro que o cinema”. Embora esse seja realmente um fato há muito tempo, eu prefiro uma outra abordagem, a de que, dentro da cultura pop, o mundo dos games é talvez hoje o espaço de maior inventividade nas artes. De fato, posso passar horas falando sobre exemplos dessa ousada afirmação, mas hoje, precisaria obrigatoriamente colocar Immortality nesta lista.

Da cabeça de Sam Barlow, criador dos aclamados Her Story e Telling Lies, o jogo Immortality chega no que é chamado o estilo Full-Motion, que é basicamente um filme interativo, um estilo muito criticado por boa parte dos gamers por muitos dos títulos não serem nem filmes que prestam, nem interativos o suficiente para serem considerados um game.

Em entrevistas sobre seu novo projeto, Sam Barlow disse que o sucesso dos dois jogos anteriores abriu a porta para trabalhar em estúdios de cinema. Num desses estúdios, em um galpão de arquivos, ele encontrou uma caixa com os projetos inacabados de três filmes, curiosamente protagonizados por uma mesma atriz e que nunca foram lançados por motivos bastante conturbados de seus bastidores. Como forma de homenagear todo o trabalho feito e nunca visto, tudo que foi gravado dos três filmes, além de material de making of, entrevistas, acervos pessoais e vídeos de testes de elenco foram compactados em um programa de computador, onde o usuário não só poderia finalmente ver tudo relacionado às três obras, como se fazer e procurar responder uma importante pergunta: O que afinal de contas aconteceu com a atriz Marissa Marcel?

Assim, ao abrir o jogo pela primeira vez, vemos já de cara todo o mosaico de cenas disponíveis, mas, ao clicar em qualquer uma delas, seremos enviados para a única entrevista que Marissa deu a um talk show, onde fala sobre o primeiro filme de sua vida, ainda em produção, lá pelo final dos anos 70, chamado Ambrosio, enquanto já engata um novo projeto, que não só protagonizará, como é colaboradora do roteiro, o suspense noir Minsky. Bela, cheia de talento, personalidade e respirando a paixão pelo cinema, vemos Marissa ser mal abordada e até mesmo subestimada pelo apresentador ao ficar surpreso em ver que ela é mais que um rostinho bonito. É ao fim dessa cena que Immortality começa de verdade. Pois o mosaico vai deixar de existir e será você que precisará montá-lo.

No fim das contas, Immortality é um quebra-cabeças interativo. Em qualquer cena (e raramente uma terá mais de três minutos), você poderá avançar, retroceder, movimentar quadro a quadro e, principalmente, usando o cursor, selecionar objetos e rostos na cena que, quando clicados, abrem uma nova cena. E é aí que a obsessão começa. Navegando pelos três filmes de forma completamente aleatória, o desejo por saber tanto o que se passa na história das obras, como por que elas não foram lançadas e, afinal de contas, qual foi o destino de Marissa, toma conta do jogador.

De fato, os três filmes por si só são de um interesse gigantesco. Ambrosio é um filme italiano de um aclamado diretor que quer uma obra clássica com doses cavalares de misticismo e erotismo. Minsky é um jogo de gato e rato, onde um detetive tenta desvendar o homicídio de um grande artista plástico, ao mesmo tempo em que se apaixona pela principal suspeita. E Um Par Para Tudo conta a história de uma cantora pop consagrada que tem uma dublê secreta para praticamente todos os seus trabalhos, até que um projeto específico mudará a vida das duas.

Com essa proposta e trabalhando com atores e gravações reais, é chocante o quanto Immortality é gigantescamente bem produzido. A quantidade de detalhes, cenários e produção dedicados a cada um dos filmes é assombrosa. Claro, muitas cenas são resumidas a ensaios e leituras de roteiro, mas até isso é bem feito a ponto de não fazer falta nas finalizadas.

E, claro, não dá para não falar do elenco. Marissa Marcel está sempre em suas cenas se apresentando de forma tão expressiva e envolvente, que é difícil não mergulhar em como ela é capaz de passar tantas camadas de emoções ao mesmo tempo. Outros nomes, como o diretor John Durick, o galã Carl Goodman, a estonteante Sofia Morgana e a enigmática Amy Archer também vão lhe marcar bastante pela trajetória que vão demonstrar. Mas é justamente quando o jogo está finalmente andando e algumas respostas ao grande mistério começam a ser dadas, que Immortality vira outra coisa, vira algo surpreendentemente ainda maior…

Não convém falar muito para que surpresas não sejam estragadas, mas a grande verdade é que o mistério até então apresentado se transforma em outro, a ponto da própria linguagem visual ser modificada. A ideia de analisar as obras de forma cronológica ainda se mantém, mas ficar atento aos sinais, sejam sons, sombras e até mesmo vibrações no controle, lhe transportam para um mundo de metalinguagem e que se converge entre vários gêneros, até mesmo o horror, onde a história por trás da história está sendo contada de verdade.

E é como se a obsessão duplicasse!

Immortality é um título que, quando analisado depois de terminado, possui diversos significados, mas é impossível não pensar na ideia de que ele esteja voltado para uma interpretação dentro da própria arte. A ideia de que a arte é capaz de imortalizar pessoas e seus pensamentos por meio de uma obra é talvez a maior das mensagens.

Sam Barlow vai além e, numa tacada só, é capaz de criar uma obra que mistura a imortalidade até então apresentada pela arte cinematográfica, com a inventividade que apenas o mundo dos games é capaz de proporcionar, num jogo simplesmente com poucos precedentes dentro desta indústria.

Tudo isso junto a um mix de emoções. É difícil se manter apático em Immortality quando tudo é tão expressivo, inclusive com avisos de gatilhos, onde seremos colocados frente a frente com situações de assédio, nudez, violência física e psicológica e um terror muito próprio e particular, que chega a ser arrepiante para nós, que estamos acompanhando, mas que é da natureza de parte do universo que se apresenta ali.

É quando a cena final se revela e uma única frase é dita antes dos créditos subirem que Immortality, mais do que em qualquer momento anterior, se mostra ousado e até mesmo presunçoso em seu objetivo junto ao jogador. Ainda assim, um objetivo que é totalmente alcançado dentro daqueles que chegaram ao seu final. Afinal, a arte é mesmo o caminho para a imortalidade, mesmo que esta eternidade possa existir de diversas formas, inclusive finitas.

Immortality está disponível para Xbox Series e PC, e em breve entrará na Netflix Games.

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