Terror em Nanquim
Original:Terror em Nanquim Ano:2022•País:Brasil Páginas:144• Autor:Mhorgana Alessandra, Leander Moura, Alison Morais, Rick Troula, Bruno Sorc, Rafael Danesin, Nicolas Santos, Marlos Quintanilha, Marília Aguiar, Henrique Santos, Everton diAlmeida, Felipe Tazzo, Anna Benevides, Humberto Lima, Rodrigo Ortiz, Eder Modanez, Immigrant, Edson Bortolotte•Editora: Independente |
Algo muito falado aqui no Boca do Inferno quando o assunto é sobre produções nacionais é o quanto a nossa cultura é rica, vasta e, infelizmente, pouco explorada. Por isso, temos a missão de sempre trazer para vocês, Infernautas, dicas de autores independentes que não apenas nos ajudam a espalhar a palavra do fantástico e do horror em solo brasileiro, como também resgatam nosso folclore e transformam isso em assustadoras e incríveis histórias que merecem ser lidas e compartilhadas.
Com isso em mente, a autora e organizadora do projeto Mhorgana Alessandra chamou 18 autores para enaltecer nossa cultura em 13 contos em quadrinhos, unindo o místico e o macabro, pegando lendas do norte ao sul do país, do cerrado aos pampas, e dando vida ao quadrinho Terror em Nanquim.
Na obra, que é inteiramente em preto e branco (como deve-se imaginar pelo nome), encontramos de fato os mais diversos mitos que têm morada nos cantos mais sombrios do Brasil, explorando com muita qualidade o melhor do terror que existe em cada fábula, os mistérios de cada tradição, o que há de sobrenatural por trás de cada ritual. A obra ainda conta com prefácio de Oscar Nestarez e posfácio de Márcio Benjamin.
Abrindo a edição, a primeira história é da idealizadora, Mhorgana Alessandra, com ilustrações de Leander Moura. Intitulada A Noiva, conta a história de uma mulher que foi deixada no altar no dia de seu casamento e, ao se suicidar, jurou vingança contra todos os homens. A lenda tomou força em Belo Horizonte onde, dizem, o fantasma da noiva vaga pela região seduzindo homens, levando-os ao cemitério para poder dilacerar seus corpos. Aqui, mostra-se a noiva nos dias atuais, dando continuidade à sua matança até mesmo com motoristas de aplicativos. Os traços de Leander são fortes e marcantes, reproduzindo com maestria olhares e expressões tanto de sadismo quanto de horror.
Ainda na linha de mitos com mulheres, as duas histórias seguintes falam sobre “bruxas”. Em O Balanço das Bruxas, de Alison Morais, um homem procura espaço para fazer uma plantação na floresta da Lagoa da Conceição, em Florianópolis. Ao encontrar o lugar ideal, seus esforços são destruídos e ele percebe um cipó em forma de balanço ali. Determinado, resolve vigiar o local e se depara com uma mulher balançando e rindo. Assustado, é perseguido pela mulher e, posteriormente, picado por uma cobra. O homem fica eternamente marcado e amaldiçoado, assombrado por aquela bruxa no balanço até seus últimos dias. Em BR-116, de Bruno Sorc e Rick Troula, outra mulher tida como bruxa é Matinta. Ela exige oferendas para que os motoristas possam seguir em segurança, porém, seu preço é mais alto do que se imagina. Caso não seja de seu agrado, a rodovia será a última morada de quem cruzar seu caminho. Há ainda uma história sobre as rezadeiras nordestinas. Em Agnus Del, de Anna Benevides, as garras do horror ganham forma graças ao pecado de um padre e uma rezadeira. Sua luxúria faz com que as crianças da vila paguem o preço implacavelmente, até que alguém decide acabar de uma vez por todas com isso.
Já as histórias Expiação (Everton diAlmeida e Henrique Santos), Hoje à Noite eu não Estarei lá (Ed Bortolotte) e Arapuca (Éder Modanez e Rodrigo Ortiz) abordam os temas rituais e maldições. Na primeira, um homem sacrifica um bode para poder se vingar daquele que sujou sua honra; na de Ed Bortolotte, algo de conhecimento popular como amarrar o nome na boca de um sapo para amaldiçoar alguém mostra que tudo de ruim que você deseja para alguém, poderá voltar ainda pior; em Arapuca, um homem realiza estranhos rituais para tentar aprisionar a Pisadeira, lenda do interior de São Paulo e Minas Gerais. Sua vaidade em tentar capturar uma poderosa figura lendária trará terríveis consequências. Em Percepções, de Immigrant, não é exatamente um ritual que é realizado, e sim algo que deve ser enfrentado. Atormentado por manifestações do além, um homem é aconselhado a encarar de uma vez por todas esse monstro que não o deixa em paz. É uma história que traz uma boa e necessária reflexão.
Figuras mais monstruosas também estão presentes na HQ Terror em Nanquim. Em Caverna Profana, de Rafael Danesin e Nicolas Santos, um monstro da floresta amazônica – o Mapinguari – faz sua aparição em uma história macabra. Já no conto de Marlos Quintanilha e Marília Aguiar, é a vez da Lenda do Cavaleiro sem Cabeça ganhar as páginas com belos e sombrios traços. O Chupa-Cabras, famosa criatura que ganhou a mídia e a imaginação popular nos anos 90, também não fica de fora. A história de Rafael Danesin e Felipe Tazzo é cheia de criatividade e uma das mais divertidas de se ler da coletânea. Em Caçada na Floresta, de Humberto Lima, o conhecido Curupira dá as caras e cumpre seu papel de protetor das florestas de forma brutal e implacável.
A edição se encerra com uma história sobre Iara. Mãe d’água, de Mhorgana Alessandra e Marília Aguiar, mostra toda a fúria da indígena injustiçada em quadrinhos banhados de ódio e sangue, fechando com chave de ouro essa fantástica obra.
Terror em Nanquim é um projeto planejado com todo o cuidado e de uma riqueza ímpar, juntando diversos autores nacionais reunidos com o propósito de resgatar diversas lendas, mitos, rituais e folclore que habita esse país, mostrando que o Brasil tem sim sua cota de horror passando por nosso solo, rios, matas, cidades e casas. Cada região com suas histórias, e cada história com seus mistérios e terrores sempre ali, espreitando. E cada uma delas merece respeito e reconhecimento. Mhorgana Alessandra traz a HQ com o objetivo de jamais esquecermos nossas raízes, de onde viemos e de não deixar jamais a existência dessas figuras misteriosas e sombrias serem esquecidas ou apagadas. Quem sabe não exista uma noiva abandonada procurando por vingança aí na sua cidade, ou um ser que exige sacrifícios para que possa prosseguir viagem de forma segura. Talvez alguém já tenha pagado o preço por costurar seu nome na boca de um sapo, mas nunca se esqueça que não se deve aprisionar figuras mitológicas a seu bel-prazer.
Com este quadrinho, mais uma vez, os autores brasileiros mostram toda a potência e excelência do folclore e horror nacionais.
A obra Terror em Nanquim pode ser adquirida aqui!