V/H/S/85
Original:V/H/S/85
Ano:2023•País:EUA, México Direção:David Bruckner, Scott Derrickson, Natasha Kermani, Mike P. Nelson, Gigi Saul Guerrero Roteiro:C. Robert Cargill, Zoe Cooper, Scott Derrickson, Evan Dickson, Mike P. Nelson, Gigi Saul Guerrero Produção:Matt Bettinelli-Olpin, David Bruckner, Sherryl Clark, Tyler Gillett, Josh Goldbloom, Brad Miska, James Harris, Radio Silence, Chad Villella Elenco:Kelli Garner, James Ransone, Freddy Rodríguez, Gigi Saul Guerrero, Jordan Belfi, Chelsey Grant, Chivonne Michelle, Dani Deetté, Tyler Noble, Dashiell Derrickson, Anna Sundberg, Florencia Ríos, Alex Galick, Justen Jones, Mark Sipka, Toussaint Morrison, Gabriela Roel, Marcio Moreno, Felipe de Lara, Gerardo Oñate, Dana DeRuyck, Duffy McManus, Ari Gallegos, Andrew Ghai, Christopher Gasser, Eric Pierson, Brent Picha |
A série de antologias V/H/S é uma das boas e baratas ideias que cineastas de horror resolveram adotar. Sob o formato dos “found footages” e dos “mockumentaries” (falsos documentários), com câmeras em primeira pessoa, os segmentos seguem um enredo principal na condução de histórias sangrentas, explorando um horror sobrenatural, às vezes tecnológico e apocalíptico. Nem todas foram eficientes, como acontece em qualquer antologia, mas sempre resultam em produções pelo menos divertidas, assustadoras, macabras e até ousadas. Depois de um fraco V/H/S/99, sem o tom de virada de milênio e fim dos tempos como se esperava, o mais recente filme teve como ambientação o ano de 1985, um dos mais férteis da década de 80, quando surgiram filmes como A Hora do Espanto, Bala de Prata, A Volta dos Mortos Vivos, A Coisa, O Garoto do Futuro, A Hora do Terror e tantos outros. Foi também uma época de evolução do videocassete, do crescimento das locadoras e dos acessos a câmeras de vídeo pesadas, apoiadas no ombro.
As gravações das fitas caseiras de VHS vinham em qualidade bem inferior e por vezes eram atrapalhadas por regravações de trechos de filmes e comerciais, com constantes mensagens de correção do “tracking“, muitas vezes sendo preciso “limpar o cabeçote” do aparelho com álcool para conseguir assistir a alguma coisa. Isso quando a fita não travava dentro do aparelho! Quem viveu esse período – eu tinha nove anos – lembra das produções bagaceiras que chegavam à TV, com excesso de cores nos vestuários e dos cortes de cabelo de gosto duvidoso (eu tinha mullet, arrepiava os cabelos e usava um colete jeans). Ambientar pequenas narrativas de terror nesse ano deve ter essa bagagem em pauta, assim como o contexto político e social para que o filme seja realmente de 85 e não qualquer ano da década.
V/H/S/85 tem como história principal “Total Copy“, de David Bruckner (Hellraiser, 2022), a partir de um roteiro de Evan Dickson, mostrando um grupo de cientistas, supervisionados pelo Dr. Spratling (Jordan Belfi, de Nefarious, 2023), desenvolvendo um trabalho de pesquisa na Universidade de Stamer sobre uma coisa que muda de forma, chamada por eles de Rory. Mantido em uma sala, com uma TV mostrando um programa de ginástica e exercícios, a equipe procura formas de se comunicar até a situação fugir ao controle. Esse segmento é apresentado aos poucos, como interlúdios das demais histórias, e tem um final interessante e bem feito. A segunda gravação é intitulada “No Wake“, e tem direção e roteiro de Mike P. Nelson (Pânico na Floresta: A Fundação, 2021). Mostra sete amigos – o cameraman Rob (Alex Galick), sua irmã Anna (Anna Hashizume) e o namorado dela, Jared (Tom Reed), além de Drew (Toussaint Morrison); Robin (Anna Sundberg); Kevin (Tyler Noble); e Kelly (Chelsey Grant) – indo de R.V. até um lago para nadar e curtir um passeio de barco. No local, são vítimas de um atirador misterioso, mas sobrevivem ao massacre pelo contato com a água. Com algum gore, o segmento se conecta com “Ambrosia“, também dirigido por Mike P. Nelson, sobre as celebrações da família Wrigley à filha adolescente Ruth (Evie Bair), que completou o rito de passagem, assassinando sete pessoas.
“God of Death“, de Gigi Saul Guerrero (de Bingo Macabro, 2021), faz referência ao terremoto de 85 ocorrido na Cidade do México. Uma equipe de jornalistas de um programa de notícias locais é pega de surpresa por um forte terremoto, sobrevivendo apenas o cinegrafista Luis (Ari Gallegos). Enquanto tenta escapar dos escombros, ele é encontrado por uma equipe de resgate ineficiente, que o conduz a um local mantido escondido nos fundos do edifício, com um altar e culto ao deus asteca Mictlān. O episódio enrola um pouco para chegar nos melhores momentos, e há filmagem em excesso pela situação apresentada – você pensaria em sobreviver ou continuar filmando? -, porém o final é bem sangrento e visualmente insano.
“TKNOGD“, de Natasha Kermani, para um roteiro de Zoe Cooper, é o episódio tecnológico do longa, podendo fazer parte da série Black Mirror. Nele, a artista Ada Lovelace (Chivonne Michelle) grava seu show para uma plateia, com um discurso sobre a existência de um “deus da tecnologia” que vai conduzir o mundo ao colapso. Para tal, ela apresenta a grande novidade da época, um dispositivo de realidade virtual, com visor e luvas, permitindo a interação do usuário com uma dimensão alternativa. E é lá que ela vai descobrir que tem razão, culminando em uma crítica aos excessos na reação da plateia ao final do show. É curioso pensar que Ada critica a tecnologia, mas está fazendo sua apresentação para câmeras de vídeo.
A última história, “Dreamkill“, tem direção e roteiro de Scott Derrickson e C. Robert Cargill. Com aspectos de um snuff, mostra uma invasão domiciliar sob o ponto de vista do assassino. Logo o detetive Wayne (Freddy Rodríguez) vai perceber uma relação dos crimes com fitas de VHS que ele anda recebendo dias antes. As investigações chegam ao jovem Gunther (Dashiell Derrickson, filho do diretor), que revela ter sonhos premonitórios que são captados pela câmera de vídeo. Um episódio que lembra Derrickson de A Entidade, violento e cru, e ainda estabelece uma conexão com o filme O Telefone Preto, quando é revelado que a prima de Gunther, Gwen, também sofria disso e teve o irmão sequestrado. Um dos melhores da antologia por não poupar o espectador de momentos de violência e sadismo, além de trazer um argumento que poderia servir para um longa-metragem.
Intercalando segmentos com falhas técnicas e sobreposição de imagens, V/H/S/85 tem narrativas mais intensas que o anterior e pode ser considerado um dos melhores exemplares da franquia. Além do tom apocalíptico sempre bem-vindo, o longa envolveu elementos de vários subgêneros, com conteúdo relevante e violento, condizente com o ano das produções. Com produção do Bloody Disgusting e Shudder, mais uma vez V/H/S se mostra como a única antologia que resiste ao tempo, mesmo explorando o desgastado estilo “found footage“, e traz ótimos cineastas em histórias curtas e divertidas. E não terminará aqui: um sétimo filme já está em produção para lançamento em 2024, desta vez explorando elementos sci-fi.