4.3
(3)

Os Observadores
Original:The Watchers
Ano:2024•País:EUA, Irlanda
Direção:Ishana Shyamalan
Roteiro:Ishana Shyamalan, A.M. Shine
Produção:Andrew Lowe, Nimitt Mankad, Ashwin Rajan, M. Night Shyamalan
Elenco:Dakota Fanning, Georgina Campbell, Olwen Fouéré, Oliver Finnegan, Alistair Brammer, John Lynch, Siobhan Hewlett, Hannah Dargan, Emily Dargan, Joel Figueroa

Sempre que os filhos de algum cineasta famoso resolvem seguir os passos dos pais, é impossível não fazer comparações entre os trabalhos dos dois – ainda mais quando o patriarca é alguém com um estilo muito próprio e característico. Recentemente tivemos o caso dos filhos de David Cronenberg (Crimes do Futuro), que emularam o patriarca tanto em estilo quanto em conteúdo. Do lado oposto, Nick Cassavetes se distanciou da estética documental pela qual seu pai, John Cassavetes, ficou mais conhecido. Ishana Night Shyamalan, filha de M. Night Shyamalan (Batem à Porta), é o mais novo nome a entrar nessa lista. E seu longa-metragem de estreia, Os Observadores, tem todas as características de uma obra que carrega a “marca” Shyamalan, tanto para o bem quanto para o mal.

Baseado no livro homônimo de A.M. Shine, a produção conta a história de Mina (interpretada por Dakota Fanning, de O Amigo Oculto), uma jovem americana que mora na Irlanda. Atormentada por um trauma do passado, ela passa os dias trabalhando em um pet shop, onde parece alheia a tudo que acontece à sua volta. Sua rotina também inclui vestir uma peruca durante as noites e frequentar os bares da cidade, fingindo ser outra pessoa. Certo dia, Mina recebe a missão de cruzar o país para entregar um pássaro a um cliente que mora numa região remota. Ao longo do percurso, ela precisa atravessar uma floresta, mas seu veículo falha no meio do caminho, deixando-a a pé. Perdida em meio à mata, Mina começa a escutar estranhos barulhos e logo percebe que pode estar em perigo.

É então que Mina se depara com Madeline (Olwen Fouéré, de O Tarô da Morte), uma mulher mais velha que a leva até uma residência construída no meio da floresta, onde ela vive ao lado de Ciara (Georgina Campbell, de Noites Brutais) e Daniel (Oliver Finnegan, da série Diário de Horrores). A tal habitação se resume a um único cômodo, contando com uma porta reforçada e uma enorme parede de vidro. Durante a sua primeira noite naquele local, Mina descobre o motivo daquele vidro: todos os dias, ao anoitecer, estranhas criaturas sobrenaturais que vivem na selva vêm até aquele ponto para observar os moradores. Os seres, conhecidos como “observadores”, não atacam os residentes, desde que estes sigam certas regras de convivência, como não sair de casa e não abrir a porta durante a noite. A desobediência a qualquer uma das regras pode resultar na morte dos moradores.

Tecnicamente, Os Observadores é muito bem-sucedido. O excelente design de som é responsável por narrar boa parte da história (pois raramente vemos as tais criaturas). Já a direção de arte se destaca pela construção da residência no meio da selva, cujo espaço aberto simula uma arquitetura contemporânea, como aquelas casas modernas cujo intuito é conectar o espaço interno com a natureza. Ao mesmo tempo, a construção se parece propositalmente com uma jaula onde seus residentes servem de exposição para o que quer que habita aquele lugar. E a direção de fotografia opta pelo uso de luzes amareladas no ambiente interno como forma de contrastar com a frieza do exterior. Ainda assim, essas luzes jamais trazem o conforto e o calor normalmente associados a elas, servindo apenas para realçar a falsa sensação de segurança daquele ambiente.

Porém, o grande destaque fica por conta da maneira como Ishana utiliza movimentos de câmera extensos e elaborados como forma de esconder do espectador algumas informações importantes (como alguns vultos que aparecem ao fundo e fora de foco), incentivando o público a procurar ativamente por alguma ameaça que pode – ou não – estar lá. Da mesma maneira, a diretora parece encantada com algumas possibilidades narrativas, como ao posicionar ou mover o aparato por lugares (aparentemente) impossíveis, como em frente a um espelho sem que o aparelho seja refletido. Tais movimentos de câmera não são necessariamente originais (filmes como O Ódio, Contato e Sucker Punch – Mundo Surreal já nos apresentaram a imagens similares), mas é inegável que tamanho apuro estético é, no mínimo, visualmente prazeroso.

Nada disso vem como uma surpresa, visto que o aspecto técnico e visual nunca foi um problema associado ao nome Shyamalan. Porém, existem questões que os críticos mais ferrenhos tendem a apontar nas obras do pai e que também se fazem presentes no trabalho da filha. Uma dessas questões diz respeito ao excesso de incongruências narrativas. Em certo momento de Os Observadores, é explicado que a residência onde os personagens estão fica localizada a quase um dia de caminhada das margens da floresta e que todo mundo que fica desprotegido durante a noite, morre. E, levando em consideração que o veículo da protagonista falhou durante o seu percurso, é possível supor que isso aconteceu com todos os automóveis que adentraram o local. Portanto, não há como uma estrutura como aquela ter sido construída se considerarmos o tempo de deslocamento dos materiais e o tempo gasto na construção. Em outras palavras, a pessoa que planejou e supervisionou a obra teria morrido na primeira noite, quando ainda não teria lugar para se esconder.

É importante destacar que o filme até tenta detalhar um pouco do processo de construção daquela residência, mas as explicações são vagas e não respondem a todas as nossas dúvidas (talvez o livro esclareça essa parte, e esse é um dos motivos pelos quais fiquei curioso para lê-lo). Outro problema narrativo se dá no terceiro ato, que soa arrastado demais uma vez que ele acontece após os principais conflitos do filme já terem sido resolvidos. Da mesma maneira, é questionável a escolha do roteiro de resolver o embate final entre a heroína e o vilão por meio de um diálogo de autorreflexão, autoconhecimento e auto reconhecimento. Tal escolha se mostra equivocada porque a relação entre esses dois personagens não foi bem estabelecida ao longo da narrativa. Nós até vemos que Mina é uma personagem deslocada, que gosta de fingir ser outra pessoa como forma de fugir de si mesma, mas isso não é suficiente para criar uma conexão entre ela e um ser sobrenatural que a ameaça. E por falar na ameaça, alguns fãs de terror podem torcer o nariz para a verdadeira identidade dos vilões, mas confesso que isso não me incomodou.

Em conclusão, a estreia de Ishana Night Shyamalan carrega muitas das características do cinema do seu pai: o apuro técnico e visual, a predisposição por histórias de cunho sobrenatural e algumas incongruências narrativas. Por conta disso, Os Observadores é um longa-metragem que deve agradar aos fãs dos Shyamalans e desagradar os seus detratores. Eu me incluo na primeira lista.

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