4.8
(5)

Humane
Original:Humane
Ano:2024•País:Canadá
Direção:Caitlin Cronenberg
Roteiro:Michael Sparaga
Produção:Michael Sparaga
Elenco:Jay Baruchel, Emily Hampshire, Peter Gallagher, Enrico Colantoni, Sebastian Chacon, Alanna Bale, Sirena Gulamgaus, Uni Park, Martin Roach

Qualquer produção que tenha na direção alguém com o sobrenome Cronenberg é digna de nota. Pode-se esperar um horror inventivo, tons apocalípticos, distopia agressiva, crítica social e corpos sendo corrompidos. Não necessariamente o gore precisa estar presente, mas algum elemento de repulsa, algo que proporcione agonia. No caso desta produção de Caitlin Cronenberg, com mais trabalhos em áreas técnicas como fotografia, o body horror é mais discreto, apostando nas demais características do cinema de seu pai, incluindo a pancada na boca do estômago do espectador.

Nos primeiros minutos, o longa já situa o público em seu contexto: o mundo está sofrendo de uma crise ambiental severa, com escassez de alimentos, destruição de recursos naturais e descontrole do efeito estufa. As nações são convocadas a se unirem em um acordo que fecha as fronteiras – o que não deixa de ser irônico – e cumprir uma cota de diminuição populacional. Em outras palavras, campanhas estimulam sacrifícios pelo bem da humanidade. Assim, aqueles que quiserem ajudar e forem maiores de idade podem se alistar em um processo de eutanásia, adquirindo um bom dinheiro para seus familiares. Mais pé no chão do que promover “jogos vorazes“, né?

Em meio ao caos, o longa é ambientado na mansão da família York. O patriarca e ex-âncora de TV Charles York (o veterano Peter Gallagher) convoca seus quatro filhos para uma declaração contundente, ao lado de sua esposa, a reconhecida chef Dawn Kim (Uni Park). Chegam ao local a CEO farmacêutica Rachel York (Emily Hampshire) e sua filha Mia (Sirena Gulamgaus) – ambas da série Chapelwaite -, o antropólogo polêmico Jared York (Jay Baruchel), a atriz Ashley York (Alanna Bale) e o pianista e ex-viciado Noah York (Sebastian Chacon), o único adotado e que carrega consigo a culpa e cicatrizes por ter ocasionado a morte de uma moça em um acidente de trânsito.

Enquanto Noah pretende anunciar seu casamento com a ex-viciada Grace (Blessing Adedijo), Charles se antecipa para dizer que ele e a esposa se voluntariaram para o programa de eutanásia do Departamento de Estratégia Cidadã. A rejeição inicial não permite que a família perceba que Kim fugiu da residência para não participar do processo, no momento em que chega ao local Bob (Enrico Colantoni), com vários agentes do Departamento (a sigla DOCS), para efetivar a eliminação dos familiares. Após a realização com Charles, ao som do piano de Noah e raios solares com proteção ultravioleta nos vidros, Bob anuncia que precisa de um segundo corpo para findar o acordo, e que os quatro filhos terão que decidir entre eles quem sairá do local em um “saco de corpos“.

Argumento genial a cargo de Michael Sparaga, o que se segue ainda promete mais surpresas. Cada membro é deixado em um ambiente da casa com um dossiê que revela detalhes de sua vida miserável, e ainda há a informação que, se ninguém se oferecer ou for escolhido, o Departamento o fará pela sorte através de palitinhos. Posteriormente um novo detalhe atiça a próxima hora do filme: não necessariamente a pessoa precisa se voluntariar e participar do processo, podendo os familiares simplesmente entregar um corpo. Já se imaginam as acusações, situações mal resolvidas até culminar em violência física e tentativas de assassinato.

Humane funciona como um experimento social, mais até do que promover atos de violência. A premissa é melhor do que a execução em sua segunda metade, quando a família York decide concentrar seus esforços em apenas um membro – e o roteiro já mostra para quem devemos torcer. Poderia vir daí um jogo sangrento de correria pelos cômodos, com a utilização de utensílios domésticos como armas, mas os diálogos se sobressaem nas expectativas promovendo uma produção quase teatral, ainda que traga discussões pertinentes, como as diferenças sociais nas falas do intragável Jared: “Isso não deveria afetar pessoas como nós“. É claro que a diminuição populacional jamais envolveria os mais bem favorecidos e famosos, caindo sobre idosos, pessoas doentes e desempregados.

Caitlin Cronenberg conduz o longa de maneira bem eficiente, contando com o interessante elenco em atuações convincentes. Utiliza uma linguagem que flerta com o humor incidental pela diversão proposta, e explora adequadamente a profundidade de seu enredo. Poderia ser mais cronenbergiano, relembrando o cinema visceral de David e Brandon, mas não teria a autenticidade que se evidencia pela proposta claustrofóbica e inusitada. Humane é um interessante recorte da sociedade, cuja agressividade está mais em suas ideias do que na exposição de corpos destroçados.

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