Chapelwaite (2021)

4.9
(10)

Chapelwaite
Original:Chapelwaite
Ano:2021•País:EUA
Direção:David Frazee, Rachel Leiterman, Michael Nankin, Jeff Renfroe, Burr Steers
Roteiro:Jason Filardi, Peter Filardi, Scott Kosar, Declan De Barra, Stephen King
Produção:Michael Mahoney
Elenco:Adrien Brody, Emily Hampshire, Jennifer Ens, Sirena Gulamgaus, Ian Ho, Hugh Thompson, Gord Rand, Genevieve DeGraves, Trina Corkum, Devante Senior, Allegra Fulton, Michael Hough, Jennie Raymond, Dean Armstrong, Steven McCarthy, Eric Peterson, Christopher Heyerdahl, Gabrielle Rose, Julian Richings

“Talvez existam fantasmas. Mas aquilo nas paredes não são fantasmas. Não são fantasmas quem chora e balbucia como os condenados ao inferno, tropeçando e esbarrando na escuridão.”
(Sra. Cloris, da obra Jerusalém´s Lot)

Uma das antologias mais férteis de Stephen King foi lançada em 1978. Serviu basicamente como cartão de visitas de um escritor que iniciou sua jornada com a publicação de contos em revistas e folhetins universitários até se destacar com o romance Carrie. O livro Sombras da Noite alimentou pesadelos, e inspirou adaptações e franquias numerosas como Mangler, Colheita Maldita e Às Vezes Eles Voltam, em uma fase de um King mais descritivo e frio, mais próximo de autores como Edgar Allan Poe e Lovecraft. Foi nessa grandiosa obra que Stephen King deu sua contribuição ao subgênero dos vampiros, com a publicação do conto “Jerusalem´s Lot“, rascunhado pelo autor na época da faculdade. Depois o conto ampliaria o universo macabro em seu romance favorito, Salem´s Lot, lançado em 1975. Este teve duas adaptações em formato minissérie: Os Vampiros de Salem´s Lot, em 1979, e A Mansão Marsten, de 2004, e terá uma nova em 2022. Faltava realmente uma adaptação para o conto.

Inspirado na escrita de Bram Stoker na construção de Drácula, Jerusalém´s Lot é um conto epistolar moldado em cartas e trechos de diário, e que basicamente não se trata de uma história de vampiros como o subgênero definiu essas criaturas da noite. É sobre relação de sangue, de heranças em forma de pesadelo e culto ao Verme, traz mortos-vivos, a maldição de uma cidade fantasma e um monstro gigante. No enredo, ambientado em 1850, Charles Boone escreve para o amigo Bones sobre sua estadia na mansão Chapelwaite com o companheiro Calvin. Incomodado pelos constantes sons nas paredes e sofrendo preconceito dos moradores da cidade de Preacher’s Corners, ele fica sabendo da existência de um vilarejo conhecido como Jerusalém´s Lot, de onde seus antepassados tinham vindo.

Na visita ao local assombrado, ele encontra uma capela com símbolos hereges e um púlpito que oferece o livro “De Vermis Mysteriis“, escrito em latim e contendo referências à cultura druida. Com a ajuda da Sra. Cloris, ele descobre que o local foi construído pelo líder religioso James Boon, que mantinha relações com mulheres da região e propunha relacionamentos incestuosos; e dali teriam partidos seus descendentes, como Philip e Robert Boone, que brigaram pela posse do livro, e que este trouxe desgraça à família. Indo mais a fundo, Charles se vê envolvido no culto a uma antiga criatura e aos mortos-vivos que habitam as paredes de sua mansão, exigindo uma ação dele e de Calvin para tentar cessar a maldição e evitar que ela perpetue a outros Boones.

Bem escrito e com uma narrativa instigante, Jerusalém´s Lot traz um final sinistro e bastante incômodo, e que diferencia de muitas conclusões consideradas insatisfatórias de Stephen King. A cidade fictícia de Jerusalem´s Lot foi inspirada em Durham, no Maine, por possuir uma ambientação bastante similar em uma estrutura de vila antiga com uma igreja central, conforme o autor justificou em sua biografia Dança Macabra. E o fato do personagem principal ser um escritor, auxilia nas descrições caprichadas da seita de James Boon, que culmina em sua possessão para a invocação do Verme. Realmente é um conto que parece não dar pano para uma adaptação que não traga diferenças significativas. É um terreno arriscado, pisado pelos criadores Jason Filardi e Peter Filardi, na construção da minissérie Chapelwaite, que teve sua première pela plataforma Epix no dia 22 de agosto.

Por questões contratuais de direito, eles não puderam fazer uso do nome Jerusalem´s Lot, devido à adaptação que está em produção, com direção de Gary Dauberman. Nada mais justo que a minissérie tenha alterado seu nome para Chapelwaite, uma vez que boa parte do terror proposto tem origem nessa mansão maldita. É nas proximidades de lá que o Capitão Charles Boone (Adrien Brody) e seus três filhos Tane (Ian Ho), Honor (Jennifer Ens) e Loa (Sirena Gulamgaus) ancoram após uma vida de viagens marítimas encerrada com a morte da esposa. Eles se estabelecem na casa, como herança do primo distante, Stephen (Steven McCarthy), e sentem já nos primeiros dias a hostilidade dos moradores de Preacher’s Corners.

Charles tem dificuldades para conseguir uma governanta, pelas lendas que envolvem a casa. Todavia, o cargo atrai o interesse da promissora escritora Rebecca (Emily Hampshire), personagem ausente no conto, e que se estabelece no local. Ruídos nas paredes e o pesadelo recorrente de uma ação insana de seu pai quando ele era criança – com a repetição da frase “Sangue atrai sangue” – fazem Charles perceber que sua estadia por lá será bastante complicada, e os locais não parecem se interessar pelas promessas dele de tornar a região atraente para a construção de barcos e navios, e disponibilidade de materiais náuticos.

Com a estrutura de um casarão gótico, repleto de quartos e sons sinistros, Chapelwaite também hospeda mortos-vivos. Na busca pelo passado, também com o auxílio da Sra.Cloris (Gabrielle Rose), intrigado pela irritante rejeição a sua família – e que traz momentos desagradáveis na escola e também no evento de Samhaim -, Charles passa a adentrar um submundo de culto a uma religião antiga, relacionada à publicação “De Vermis Mysteriis“, desaparecida há muitos anos. Ao mesmo tempo em que percebe que terá que visitar um hospício local e o próprio vilarejo mineiro de Jerusalém´s Lot, outros cidadãos de Preacher’s Corners abraçam o sobrenatural de maneira absoluta, como o pastor Burroughs (Gord Rand), cujo relacionamento adúltero dá vida a uma criança sem olhos, e o Condestável Dennison (Hugh Thompson), tendo uma descoberta desagradável na transformação de sua esposa. Aos poucos, monta-se uma equipe de caçadores de vampiros, preocupados com o líder absoluto Jakub (Christopher Heyerdahl), uma entidade antiga que venera o livro para estabelecer o apocalipse, e com a volta de Stephen e Phillip (Julian Richings), em confrontos intensos, principalmente na claustrofóbica Chapelwaite, exigindo a experiência de Charles com acessórios de caça marítimos.

Como se nota, há uma diferença imensa – e necessária – entre o conto e sua adaptação, com mais personagens, conflitos de crenças e o incômodo dos cidadãos-gado de Jakub, que oferecem seu sangue aos vampiros, principalmente Jakub, para uma oportuna transformação que lhe trará a condição da imortalidade. Dentre estes, destaca-se a sedutora “garota da maçã” (Genevieve DeGraves), pálida pelas constantes doações de sangue aos mortos-vivos. Também vale menção as violentas sequências de confrontos na cidade-fantasma e a transformação em vampira de uma ente conhecida, para criar confusões entre as crianças e facilitar o acesso ao que se procura.

Chapelwaite está entre as minisséries mais interessantes e atmosféricas do subgênero vampirismo de todos os tempos. Boa qualidade técnica, ambientações e a direção correta de David Frazee, Rachel Leiterman, Michael Nankin, Jeff Renfroe e Burr Steers permitem a boa apreciação, a partir de roteiros dinâmicos desenvolvidos por Jason Filardi, Peter Filardi, Scott Kosar e Declan De Barra. Mesmo os acréscimos no enredo e momentos mais lentos necessários para a construção de personagens não serviram para diminuir a intensidade da produção. Deve-se elogiar também a ótima atuação de Adrien Brody, como o patriarca da voz rouca, atormentado pelo passado e preocupado com o bem estar dos filhos e com a defesa de seu nome e sua morada.

Bem realizado tendo a apresentação de um líder dos vampiros que remete a Nosferatu, Chapelwaite merece a sua apreciação. Pode-se figurar o programa entre as boas exibições de 2021, sem desmerecer a obra original de Stephen King, que já trazia um final igualmente perturbador e triste. Agora é saber se a nova versão de Salem´s Lot também fará jus ao universo vampírico construído pelo Mestre do Terror.

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Marcelo Milici

Professor e crítico de cinema há vinte anos, fundou o site Boca do Inferno, uma das principais referências do gênero fantástico no Brasil. Foi colunista do site Omelete, articulista da revista Amazing e jurado dos festivais Cinefantasy, Espantomania, SP Terror e do sarau da Casa das Rosas. Possui publicações em diversas antologias como “Terra Morta”, Arquivos do Mal”, “Galáxias Ocultas”, “A Hora Morta” e “Insanidade”, além de composições poéticas no livro “A Sociedade dos Poetas Vivos”. É um dos autores da enciclopédia “Medo de Palhaço”, lançado pela editora Évora.

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