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A Garota de Neve
Original:La Chica de Nieve
Ano:2024•País:Espanha
Autor:Javier Castillo•Editora: Suma

Os casos de crianças desaparecidas no mundo são preocupantes. Estima-se que 8 milhões de crianças desaparecem por ano no mundo e, liderando esse alarmante ranking, temos os Estados Unidos. Lá, por volta de 2 mil crianças por dia desaparecem, totalizando 800 mil por ano, enquanto que no Brasil os números estão por volta de 40 mil/ano, número semelhante ao do Canadá. E esses são apenas os casos registrados em boletins de ocorrência.  É absurda a quantidade, e pelos mais variados motivos, indo desde tráfico humano a adoções ilegais, que é algo mais comum do que se imagina. Em geral, os sequestradores – que podem ser pessoas absolutamente comuns, normalmente carismáticas e simpáticas – se aproveitam de lugares lotados, como festividades, para sequestrar alguma criança que solta da mão dos pais por alguns segundos que seja, e isso é o suficiente para nunca mais serem encontradas. Em A Garota da Neve, thriller escrito pelo autor espanhol Javier Castillo, conheceremos um pouco do desespero e angústia de pais que tiveram sua filha cruelmente tirada de seus braços.

O desfile de ação de graças da Macy’s é um dos momentos mais esperados pelas famílias de Nova York, onde é oficialmente anunciada a abertura da temporada de natal, com o Papai Noel chegando com suas renas e duendes, diversos personagens queridos acenando, uma verdadeira festa cheia de magia e alegria. Desfrutando deste momento está a pequena Kiera, que completará 3 anos no dia seguinte, com seus pais Aaron e Grace. Kiera avista uma moça vestida de Mary Poppins distribuindo balões, e é claro que não vão negar esse pequeno mimo para a filha. Enquanto o pai coloca a filha nos ombros, para não a perder na multidão, Grace guarda seus lugares para verem a tão esperada chegada do Papai Noel. Assim que alcançam a simpática Mary Poppins, Kiera desce e vai pedir seu balão para a moça, porém, uma pequena confusão faz Aaron ser empurrado e perder a filha, que estava logo ali a seu lado, de vista. Desesperado, começa a chamá-la, mas não a vê em lugar algum. A polícia é acionada, todas as pessoas nos arredores começam a ajudar, mas ninguém encontra a pequena. O desaparecimento de Kiera para momentaneamente o país, especialmente por ter ocorrido em uma época de celebração. O que era para ser uma doce lembrança vira o pior pesadelo daquela família. Os esforços policiais são enormes, porém inúteis. A garota parece simplesmente ter evaporado sem deixar rastros. Paralelamente a essa desgraça, somos apresentados a Miren, estudante de jornalismo. O caso Kiera chama sua atenção, e a universitária decide que fará seu trabalho acadêmico sobre ela e, quem sabe, encontrá-la. O caso vira uma prioridade para Miren, que se vê dentro de um mistério aparentemente sem solução, mas determinada a resolvê-lo, assim como pretende lidar de uma vez por todas com traumas antigos.

A narrativa é construída a partir de duas linhas do tempo distintas: o passado, como foi o desenrolar dos eventos imediatamente após o desaparecimento de Kiera, e os dias mais atuais, onde novas pistas surgem anos após o trágico acontecimento. Em um primeiro momento, temos o ponto de vista de Miren como estudante e os esforços para encontrar a criança que acabou de desaparecer e o ponto de vista de Aaron, o pai, alguns anos depois. Porém, logo isso se abre para ainda mais histórias paralelas em distintos períodos de tempo, o que deixa a leitura um pouco confusa de início, até nos acostumarmos com esses diversos pulos temporais de diferentes personagens. Temos capítulos de variados momentos de vida de Miren (o momento do desaparecimento, de um ano antes, de 5 anos depois, 10 anos depois), assim como de Aaron. E, de repente… dos sequestradores. Sim, temos capítulos com o ponto de vista deles também. Ou seja, o mistério todo não é sobre quem raptou a filhinha de Aaron e Grace no fatídico dia de Ação de Graças, e sim quando e se a pequena será encontrada.

Logo na capa do livro nos deparamos com a seguinte frase, propositalmente chamativa, sobre o autor: “O Stephen King espanhol”. Particularmente, discordo. Se aproxima muito mais do estilo de Harlan Coben do que de Stephen King, se é para comparamos com algum autor norte-americano. As reviravoltas, o suspense mantido no ar até as últimas páginas, o modo como a trama nos leva para um caminho, mas se revela outro – até mesmo mais simples -, o jeito que temos uma pista fundamental para desvendar tudo logo ali no começo, mas é algo tão ordinário que ninguém presta a devida atenção.

Para além de todo a névoa que envolve o desaparecimento da menina e a busca implacável de Miren, A Garota da Neve é um thriller que aborda de um jeito muito realista a culpa dos pais, os caminhos que a desesperança nos leva (por mais obscuros que sejam), a fragilidade de uma relação que começa a ruir pelo acontecido, um apontando o dedo para o outro, não conseguindo seguir em frente, e também o trauma eterno que certas coisas deixam em nossa alma – no caso deste livro, os traumas abordados vão além de perder uma filha e a agonia constante de não saber se ela está viva ou morta.

A escrita de Javier prende a atenção, de modo que o autor encerra capítulos em momentos chave, deixando o leitor com aquela constante sensação de expectativa, de precisar saber o que aconteceu. Por isso mesmo, a linha do tempo quebrada intercalando os capítulos quebra um pouco o ritmo dessa fluidez, mas também é eficaz no panorama geral. O senso de urgência e o desespero, juntamente de problemas pessoais dos protagonistas, faz com que a ambientação seja tensa a todo instante. Todos os personagens são complexos e têm seus aspectos psicológicos muito bem trabalhados justamente por causa desse método narrativo, o que torna mais fácil nos identificarmos com os mesmos e sentir empatia. Por exemplo, o passado de Miren, que lida com seus próprios demônios enquanto investiga, só vem à tona no momento certo, assim como a situação de Aaron pós sequestro é mostrada aos poucos, e como a vida da jornalista e da criança desaparecida acabam se entrelaçando de um jeito irreversível.

Apesar de possuir uma trama que já foi muito explorada, Castillo consegue manter o suspense no ar, mesmo que já saibamos quem são os culpados. Como dito antes, isso deixa de ser relevante. Os porquês, os comos e os se são o que fazem A Garota de Neve um mistério tão envolvente até a última linha.

A Garota de Neve é um dos mais recentes lançamentos da editora Suma e já está disponível em todas as livrarias e no site da editora Companhia das Letras. Também está disponível em formato tanto físico quanto digital na Amazon e outras plataformas.

O livro foi adaptado pela Netflix em 2023, em uma minissérie espanhola de 6 episódios intitulada A Garota na Fita.

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