![]() Mistério no Ártico
Original:Blood and Snow
Ano:2023•País:Canadá Direção:Jesse Palangio Roteiro:Simon Phillips, Rossa McPhillips Produção:Mem Ferda Elenco:Anne-Carolyne Binette, Michael Swatton, Vernon Wells, Simon Phillips, Paul Whitney, Prosper Junior, Adam Huel Potter, Blake Canning, Brooke Chamberlain, Brianna Ripley |
Em O Enigma de Outro Mundo (The Thing, 1982), de John Carpenter, baseado no livro Who Goes There?, de John W. Campbell Jr., escrito em 1938, a estação Garry é ameaçada por uma presença alienígena descoberta nas profundezas geladas, e que tem como modus operandi a capacidade de “imitar” outra espécie como forma de sobrevivência e propagação. O conceito do livro foi ironicamente “imitado” por diversas produções do cinema fantástico com destaque para Invasores de Corpos (Invasion of the Body Snatchers, 1978), inspirado na obra “Invasores de Corpos“, de Jack Finney, lançada em 1955. Nessa seara de subprodutos, Mistério no Ártico (Blood and Snow, 2023) é apenas mais um filme invadido por uma criatura alienígena que tentou imitar uma das obras-primas de Carpenter, mas se mostrou disforme e completamente descaracterizado.
Não basta simplesmente colocar um grupo de trabalhadores de uma zona gélida às voltas com um ser de outro mundo. Quem viu Contaminação (The Thaw, 2009), estrelado por Val Kilmer, ou o austríaco Geleira Sangrenta (Blutgletscher, 2013), deve ter visto algumas tentativas aceitáveis de misturar neve e sangue. Se a intenção é tentar se aproximar do original, ainda que você não tenha recursos e boas ideias, é preciso pelo menos produzir algo divertido, um genérico envolto em suspense e claustrofobia. Não é o que acontece com o longa de Jesse Palangio, resultando em algo penoso (tem quase duas horas) e irritante.
Numa zona fria de lugar nenhum, Marie (Anne-Carolyne Binette) e Marcus (Stéphane Tremblay) parecem estar trabalhando com máquinas de perfuração no gelo, quando o sistema apresenta falhas. Ele é atacado por algo que parece ser monstruoso – com urros de um Godzilla -, sendo testemunhado pela moça que acaba sendo arrastada, no clichê de começo e fim de centenas de milhares de filmes. Ela é encontrada viva pelos companheiros Luke (Simon Phillips, um dos responsáveis pelo roteiro) e Sebastian (Michael Swatton), entre desperdícios de tempo com falas sobre relacionamento. Conduzida catatônica à estação principal, visando um atendimento médico, Marie é recebida pelos demais, Robert (Prosper Junior), que passa o dia jogando videogame e tem a função de alimentar o grupo; Gill (Paul Whitney); William (Blake Canning), o técnico de comunicação que forjou o certificado para estar ali; e O Professor (Vernon Wells), que está em estado terminal de câncer e se afastou da família para não trazer dores e tristeza.
Enquanto ela é levemente examinada e a estação não consegue comunicação com outros locais para pedir ajuda, Sebastian tem recordações do passado, quando a francesa chegou ao local e gerou um interesse mútuo. Longas discussões sobre o que teria decapitado Marcus trazem desconfiança na equipe, uma vez que o affair da moça tenta convencer os demais de sua inocência. Exames preliminares indicam que o rapaz morto não foi atacado por animal nenhum – aquele som do começo dá indícios que o Godzilla usou um facão -, e somente Marie pode relatar o que enfrentou, mesmo ela não sabendo se comunicar em inglês. Quando uma forte nevasca – através de um filtro horrorosamente artificial de sobreposição na fotografia – impede locomoções, eles devem lidar com o despertar da garota alienígena que, como Natasha Henstridge, tem o interesse de se propagar.
E é isso. O enredo de Phillips e Rossa McPhillips traz apenas a antagonista andando de um lado para outro com cara de sonsa, querendo aprender, matar Gill e se alimentar. Não tem uma sequência sequer de horror nas ações de Marie-alienígena, deixando apenas os olhos vermelhos, com efeitos digitais, para indicação de uma possível possessão. “Ela não é Marie, pois está falando inglês.“, é o tipo de artifício “inteligente” do roteiro para indicar que a moça não é a mesma. Entre discussões vazias, idas de um lado para outro, quase nada acontece. E quando acontece vem com uma dose altíssima de idiotice: em dado momento, Luke encontra uma câmera de mão que traz evidências da morte de Marcus, sem que o que ele viu seja mostrado ao público. Ao ver a tal revelação, o que o rapaz faz? 1. Corre para mostrar aos demais? 2. Tenta enfrentar a alienígena voraz? 3. Tenta outros meios de comunicação? 4. Foge da estação? Não, ele enche a cara e dorme, somente para Marie se aproximar dele durante o cochilo e apagar o conteúdo. Ge-ni-al!
As longas sequências em que nada acontece envolvem planos de contenção da moça ou eliminação. É claro que O Professor vai ter intenções de estudá-la, apenas para ouvir alguém dizer a ele: “São pessoas como você que constroem bombas.” Sim, esse é o tipo de diálogo que você encontrará por aqui. Não espere a aparição de monstros, cabeças andando com patas de aranha ou se abrindo. Não espere um combate direto com a criatura, uma vez que esta pode ser facilmente morta, mas ninguém tem a ideia de fazer isso. Alguém aponta uma arma pra ela, e, no corte da edição, é mostrado esse alguém sendo jogado pela porta, sem mostrar o combate em si.
Feito com orçamento irrisório – o que não é desculpa, pois muitos cineastas independentes conseguem fazer bons filmes sem recursos -, Mistério no Ártico devia ser mantido enterrado no gelo numa profundidade que impeça que seu conteúdo seja propagado por aí. Nem o final “quero referenciar o longa de Carpenter, sugerindo um spinoff” justica o interesse de qualquer pessoa pelo que acontece naquela estação. E nem a sua longa duração! Se quer fazer bom uso de seu tempo, recomendo que evite descobrir o tal “mistério no Ártico” preferindo produções melhores sobre a mesma temática.