4
(4)

E co’a taça na mão e o fel nos lábios zombaremos do mundo! – Álvares de Azevedo

Lord Byron é, hoje, uma lenda remota que muito pouco é lembrada nos meios acadêmicos da Literatura e da História, e sua vasta obra dificilmente será encontrada à venda nas livrarias de qualquer lugar do Brasil, sendo que o pouco que se encontra estará na maioria das vezes escrito no inglês original ou francês, dificultando assim ao interessado que não domine outros idiomas de aprofundar-se em seus escritos.

Com muito custo e às vezes por acaso, encontramos algum material de sua autoria, então através desses fragmentos vamos juntando todas as peças que compõem o “quebra-cabeça”…
Após um longo tempo de estudo e pesquisa desta figura curiosa, vejo surgir então o seu vulto espectral de perfil apolíneo que está por trás de todo o mito de terror, em destaque “Drácula” e “Frankenstein”.

Byron foi um testemunho vivo do nascimento da imortal obra de Mary Shelley intitulada “Prometeu Moderno” ou “Frankenstein”, e tudo parece ter começado por volta do ano de 1816 quando o poeta reunia-se com seus amigos numa bela mansão ao lado do lago Lemano, em Genebra.

Entre estes ilustres amigos destacam-se nomes que também garantiram popularidade no mundo das letras como Polidori, Percy Shelley, Mary Shelley e Lewis, os quais discutiam como intelectuais que eram, os mais variados assuntos ligados à literatura e às artes em geral, em especial o assunto voltado para o medo e o terror.

Byron lia fervorosamente um raro volume de literatura alemã intitulada “Fantasmagoriana”, que entusiasmou deliberadamente seus amigos ouvintes a ponto de os mesmos promoverem uma espécie de concurso para avaliar, dentre eles, quem seria o melhor a produzir um conto de terror ou uma obra qualquer no gênero que alcançasse tamanha grandeza.

Então este grupo incomum de indivíduos puseram as suas inspirações no papel num cenário perfeito para um conto de terror, pois as fortes tempestades das últimas noites e as ventanias agitavam as ondas do lago e os trovões estremeciam os arvoredos próximos à casa do poeta Shelley, amante de Mary Shelley.

E foi Shelley o primeiro a escrever um relato de terror intitulado Anatomia, inspirado em suas lembranças de infância. Polidori compôs uma história de horror onde uma sinistra mulher com rosto de caveira surgia da escuridão para fazer o mal. Mary Shelley superou todos os seus amigos produzindo o primeiro esboço de sua obra “Frankenstein”, que seria publicado no ano de 1818. E por fim, Lord Byron escreveu uma história de vampiros…

Aqui começa definitivamente um dos mais terríveis pesadelos que tomaria ainda maior força ao serem absorvidas quase todas estas ideias somadas, é claro, à genialidade e outras fontes históricas, como Bram Stoker para a elaboração de seu “Drácula”, que seria publicado por volta de 1897.

Vê-se aqui que, sobre os auspícios de Lord Byron, dois grandes mitos do horror vêem à luz de quase uma só vez. Monstros e vampiros assim vão tomando gradualmente a verdadeira forma sob lúgubre atmosfera gótica daquelas reuniões em noites de tempestade na casa do poeta Shelley, em Genebra, na Suíça…

Byron, fascinado com o mito do vampirismo, escreveu os seguintes versos do qual eu extraí alguns fragmentos significativos. Observem como a presença de um vampiro é explicitamente evocada de forma quase absoluta:

“Primeiro, o vampiro na terra da cova teu cadáver será arrancado. Perseguido terrivelmente, vagarás sugando o sangue de toda a tua raça. De sua filha, sua irmã e mulher. À meia-noite a fonte de vida secarás, embora repugnado o banquete que necessariamente alimenta teu vivo cadáver. Tuas vítimas são as que vão espiar e conhecer o demônio como mestre, rogando muitas pragas a ti e ti a eles. As flores murcharão nas tuas hastes…”

Aqui vai uma nota de grande relevância: o poema parece ter sido publicado em 1813, provando que o tema sobre “vampiros” já há muito povoava a mente do poeta. Quanto à história sobre vampiro por ele produzida, naquelas noites do ano de 1816, parece que o assunto só foi retomado mais uma vez por se tratar de forte impacto sobrenatural, causando no espectador um envolvimento direto com o tema lúgubre do vampirismo. Provavelmente, anos mais tarde o amigo de Byron, Polidori, escreveu e publicou um conto sobre vampirismo baseado nas anotações da história contada por Lord Byron, daquelas reuniões em noites de tempestade.

Mas a ligação do vampirismo com Lord Byron se dará de forma mais explícita, quando bem mais tarde Bram Stoker, após pesquisar toda a literatura gótica de autores como Le Fanu, Walpole, Mary Shelley, Polidori e culminando ainda no medieval Shakespeare, faz uma ligação com o Drácula histórico da Romênia, antiga Transilvânia, com Vlad Tepes

O conde Drácula, de Bram Stoker, parece um descendente do conde Lara, de Lord Byron, pois o cenário onde passa-se todo o enredo assemelha-se muito em estilo. Ambos possuem uma atmosfera lúgubre de mistério e terror, um castelo incomum e a imagem da sensualidade feminina muito presente em ambas as obras.

Contudo, no caso de Drácula, a coisa toma um sentido muito mais profundo, diretamente ligado à questão do sangue, pois o sangue é vida e Drácula só sobreviverá se beber sangue humano, de preferência de belas mulheres… Esta relação de sedução, amor e sexo de um vampiro com sua vítima, também possui um perfil Byroniano, pois Lord Byron foi um grande sedutor que deflorou muitas mulheres e em “Don Juan” essa questão torna-se explícita!

O próprio Byron era um “Don Juan”…

Parece que por detrás de Drácula, de Bram Stoker, e Frankenstein, de Mary Shelley, a sombra irônica e zombeteira de Lord Byron levanta esvoaçando ao vento sua capa de lorde sombrio. Mas o mito Byroniano não fica tão somente preso a estes dois personagens, que são dois gigantes episódios da literatura fantástica e de horror. Pois vai muito mais além da nossa compreensão, talvez por abranger cenários ainda mais estranhos e distantes do entendimento comum dos mortais.

Na abadia onde vivia Lord Byron, corria-se a lenda que era assombrada e que fantasmas e espectros vagavam noite adentro. Dentre estes sinistros fantasmas, um deles destacava-se com seu capuz preto. Byron afirmava aos seus amigos e convidados que o visitavam, que diversas vezes já tinha visto o fantasma pelos corredores e pelas salas. No quintal da abadia existia um pequeno cemitério onde os antigos habitantes já mortos ali jaziam lado a lado.

Conta-se, segundo relatos da biografia do poeta, pesquisada e escrita pelo ilustríssimo André Mourais, da Academia de Letras da França, que não raras vezes, quando o jardineiro cavava para arrumar ou plantar alguma flor, encontravam-se alguns desses ossos. Certa vez, encontraram um crânio humano. Imediatamente os jardineiros levaram à Lord Byron, que riu ironicamente e em seguida mandou a um joalheiro com o intuito de transformar aquele crânio em uma taça macabra. A taça ficou idêntica a do Príncipe Cures dos Piezenigos, aquele que o Sr. Albino Forjaz Sampaio cita em seu texto sobre o ódio, onde o crânio de Suatislão transformou-se numa taça entalhada com a seguinte inscrição: “Perdeu o próprio buscando o alheio”. A taça de Lord Byron era muito semelhante a essa. Mas a inspiração central para o entalho da macabra taça vinha também dos costumes dos reis lombardos da Idade Média. A taça ficou sendo assim uma espécie de símbolo místico onde a imagem do próprio Byron transparecia como um pano de fundo. E nesta taça de crânio bebia-se conhaque e vinhos de boa safra. Inspirado nesta taça, Byron compôs um sinistro e horripilante poema que mais tarde, aqui no Brasil, o nosso também ilustre poeta Castro Alves traduziu ao seu modo para o português. Aqui vai o poema lúgubre de Byron:

À uma taça feita de crânio humano – de Byron, traduzido por Castro Alves

“Não recues! De mim não foi-se o espírito em mim verás – pobre caveira fria – único crânio que ao invés dos vivos só derrama alegria. Vivi! Amei! Bebi qual tu: na morte arrancaram da terra os ossos meus. Não me insultes! Empina-me!… Que a larva tem beijos mais sombrios do que os teus. Mais vale guardar o sumo da parreira do que ao verme do chão ser parto vil – taça – levar dos deuses à bebida que o pasto do réptil. Que este vaso, onde o espírito brilhava, vá nos outros o espírito acender. Ai! Quando um crânio já não tem mais celebro podeis de vinho encher! Bebe, enquanto ainda é tempo! Uma outra taça quando tu e os teus fordes nos fossos pode do abraço te livrar da terra. E ébria folgando profanar teus ossos. E por que não? Se no correr da vida tanto mal, tanta dor ali repousa? É bom, fugindo à podridão do lodo servir na morte enfim para alguma coisa!…”

Sejamos francos! É um tanto irônico e sinistro ao mesmo tempo, pois este poema é uma relíquia autêntica de Byron, inspirado no episódio da taça de crânio.

Para completar este horrendo quadro, alguns amigos do Lord, os que frequentavam a sua abadia, vestiam alguns deles túnicas e capuzes, e depois que todos bebiam em comunhão um bom vinho na mesma taça, divertiam-se com as belas raparigas que trabalhavam como empregadas na abadia e tudo acabava numa irreverente orgia, onde luxúria e prazer eram o pano de fundo do horror…

A imagem do Lord tornou-se um símbolo de culto por toda a Europa. Grandes personalidades ligadas ao mundo das artes passaram a admirar Byron não só por suas excelentes obras, mas também por sua postura superior de anti-herói satânico. Destacam-se Goethe, Henrrique Heine, Frans Liszt, Garret, Bocage, Beethoven, Schopenhauer, Nietzsche, e tantos outros!

Byron tornou-se uma espécie de luz no qual todos os grandes homens passaram a segui-lo, imitá-lo, por encontrar nele a resposta em relação à tragédia humana.Aqui no Brasil a coisa também foi fervorosa e sua influência “maléfica” alojou-se aqui na antiga Cidade de São Paulo.

Álvares de Azevedo foi seu maior representante além dos macabros Tibúrcio Craveiro e Fagundes Varela, entre Castro Alves e Aureliano Lessa. Por aqui estudantes mais excêntricos também faziam taças com crânios roubados do antigo cemitério da Consolação!
Bebiam conhaques e vinhos nestas taças, imitando a sinistra atitude do lorde sombrio, usando trajes típicos todos em preto, de luto da cabeça aos pés, como postura melancólica e rebelde de estar de luto pela vida toda em si mesma. Fumavam charutos e viviam com um sorriso cínico nos lábios, mas sempre na essência, tristes… Invocavam à Satã, o príncipe rebelde, como uma atitude em relação às crenças católicas da época. Assim descriam e zombavam do tirano Jeova ou Deus.

Uma das obras de Byron que o consagrou como poeta maldito foi aquela intitulada “Caím”.
O escultor Giovanni Dupré (1817-1882) foi um admirador de Byron e deixou-nos uma obra um tanto sinistra intitulada “Caím”. Provavelmente ele leu a obra homônima de Byron e fez um paralelo com a Bíblia… Os gestos de criminoso réprobo com um dos braços levantados sobre a testa como se desafiasse o próprio Deus matando sua criação… Esta escultura é um tanto pesada, nos dois sentidos…

No entanto, o universo Byroniano é ainda muito mais profundo que tudo isso que eu lhes disse, pois se constitui de dramas, intrigas, guerras, saques, amores e paixões por belas mulheres, vampiros, fantasmas, tempestades, solidão, oriente, poesia e profunda filosofia pessimista em relação à vida e à morte e em relação às mulheres, é claro, pois Byron conhecia profundamente o caráter volúvel e superficial de toda alma feminina! Amou muitas delas, mas nenhuma lhe falseou o princípio eterno e inamovível de que todas eram egoístas. Suas aventuras com elas ultrapassou os escândalos mais comuns da sua época. Praticou a bela arte de amar, como chamou Ovídio ao prazer sexual, até com sua meia-irmã, que gerou uma criança desta relação incestuosa.

No final da vida alistou-se no exército que lutaria em defesa da Grécia, que estava sobre o domínio Othomano. Então, por uma espécie de “casualidade do destino”, Byron morreu combatendo estes, como na Idade Média Vlad Tepes morreria também em combate aos Othomanos! Novamente a sinistra ligação de Byron com Drácula…

Viveu somente 36 anos, mas que lhe valeram uma vida de 100 anos, tal foi a maneira que o gênio soube preenchê-los, com amor, arte, aventura, poesia, sacrifício, e filosofia!Ele mesmo, em um de seus escritos diria que: “Poucos homens viveram mais do que eu, Lord Byron!

No filme da Universal, o clássico A Noiva de Frankenstein, logo no começo em uma das primeiras cenas, aparece Byron na janela da casa do casal Shelley… Ele observa os trovões da tempestade fumando um charuto, zombando de Jeova com suas “setas vingadoras”, os raios que estavam nos céus!…

Figura impressionante e sempre atual, Byron é o labarum da civilização. Talvez o seu nome ou título em si mesmo já esteja quase esquecido, devido, é claro, à degeneração cultural em que mergulha o mundo. Mas sua contribuição ao universo do terror, esta não poderá jamais passar desapercebida!…

NE. Esse artigo foi publicado originalmente no fanzine “Juvenatrix” # 38 (Outubro de 1999).,

O que você achou disso?

Clique nas estrelas

Média da classificação 4 / 5. Número de votos: 4

Nenhum voto até agora! Seja o primeiro a avaliar este post.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *