Como a pandemia está afetando o cinema de horror independente?

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Trabalhar em uma produção cinematográfica nos tempos atuais, em que uma pandemia está praticamente isolando os brasileiros, pode deixá-lo “sem saída“. Como realizar ensaios, visitar os sets, conquistar patrocinadores e agendar uma data para o desenvolvimento da fotografia principal, se uma doença assola o mundo? Realizadores têm optado por reuniões virtuais, ampliação na pré-produção e muito diálogo, ainda que o fim dessa crise seja bastante obscuro.

A diretora Fabiana Servilha (dos excelentes Estrela Radiante e Vontade), por exemplo, estava prestes a realizar seu curta Sem Saída, como parte da antologia Histórias Estranhas 2, já agendado com o elenco, como a atriz Luciana Vendramini, além do produtor Beto Perocini e o diretor de fotografia André Schutz, quando o Covid-19 se tornou uma triste realidade.

O Jornal do Comércio bateu um papo com a diretora e ainda obteve a opinião de outros envolvidos no curta para tentar entender como a crise atingiu os realizadores independentes. Acompanhe a entrevista e, no final, veja uma maneira de colaborar com a produção e ajudar o cinema de horror a se manter vivo.

Quantos anos você tem, onde reside atualmente. Há quanto tempo trabalha com cinema? Sempre trabalhou com terror?

Fabiana: 33 anos e moro na cidade de São Paulo. Eu comecei a fazer filmes em 2009, quando tive a oportunidade de estudar cinema de fato e ter acesso a câmeras, mas já era o que eu queria fazer desde muito cedo e especialmente para o gênero Horror/Terror, pois eu achava e ainda acho, que são os filmes mais divertidos de se fazer/estar. Rodei alguns países com o meu TCC de ficção científica com terror. Pisquei os olhos e eu já estava morando na Califórnia, onde fiz alguns filmes por lá. Sim, todos eram de terror. Risos.

Como você chegou até o Histórias Estranhas 2?

Fabiana: Eu já estava no Brasil e participei da pré-estreia de Histórias Estranhas 1, curiosa em saber o que os cineastas de gênero estavam aprontando por esses tempos e fui conferir o filme. Depois de quatro dias recebo um convite do sul, do Ricardo Ghiorzi, perguntando se eu gostaria de participar do Histórias Estranhas 2. Achei uma boa forma de voltar a me envolver com isso no Brasil. Achei uma bela iniciativa em unir trabalhos e ganharmos força. Coisa que eu já reclamava anos atrás.

Pode nos dar uma rápida sinopse sobre o seu curta, presente na antologia?

Fabiana: Chama-se Sem Saída. Na roda de terapia não há julgamentos. Vamos conhecer a horripilante história de Ana, uma mulher que sempre teve altos e baixos em relacionamentos amorosos.

Estava se dedicando exclusivamente para o projeto esse ano? Conta com algum tipo de financiamento ou apoio financeiro para a realização do curta?

Fabiana: Em relação a produção de filme, tenho apenas este para 2020. Também dedico meu tempo para outros trabalhos terapêuticos e de desenvolvimento pessoal. Mas muita coisa foi interrompida pelo covid-19. Infelizmente quase tudo que eu faço envolve grupos de pessoas, e está tudo congelado agora.

Eu conto com todos os tipos de apoios…. inimagináveis! Desta vez o recurso financeiro até o momento vem de mim mesma que, há alguns anos, me aventurei em investimentos. Contudo, em breve, como apoio extra, teremos outras fontes que virão de merchandisings do próprio filme. Costumo reunir um bom montante de pessoas dedicadas a fazer algo acontecer e produtoras parceiras sendo co-produtoras, que acreditam no projeto apoiando com equipamentos, outros com o seu trabalho e por ai vai. A meta é levar isso o mais para frente possível. Cada vez vai ficando mais fácil de fazer o próximo se houver comprometimento, e fazer o filme trazer retornos cada vez maiores para aqueles que botaram fé agora.

Pode falar sobre qual etapa de trabalho você estava?

Fabiana: Já iriam começar os ensaios com os atores e estávamos com a data marcada para gravar o filme de terror durante a semana santa . Risos. É um desafio fazer filme independente e conseguir reunir e alinhar as datas de todos sem atrapalhar outros compromissos e trabalhos do pessoal. E isso já estava tudo certo e confirmado. Estamos falando de mais de 50 pessoas envolvidas entre elenco e equipe ! Lembro de estar na casa da atriz principal Luciana Vendramini em um pré ensaio e nós duas estarmos gripadas e o surto do vírus já rolando solto no Brasil. Eu calculei a velocidade do vírus e pensei me baseando na época pela Espanha: ” vai dar tempo”, “vai dar tempo”. Até fazer o filme não estaríamos de quarentena quando… não deu tempo! Uma das locações envolve um restaurante em São Paulo e eles já estavam para fechar as portas, a liberação de autorização para gravar uma das cenas em rua pública não iria acontecer…

Atores acima de 60 anos do filme já estavam amedrontados, e as exigências dadas por exemplo de manter um metro de distância no set de filmagem era algo absurdo para minha cabeça de conseguir fazer. Como o maquiador iria ficar um metro longe? E os atores? Aí não tivemos escolha. Mas eu sempre acredito que há ganhos em todas as “perdas“, e este atraso será usado para deixar melhor ainda o que já estava. Pensar mais, começar com ensaios de compreensão dos personagens online… deixar tudo alinhado e no gatilho para voltarmos todos bem e com saúde para fazer nosso filme e não com um clima de preocupação em volta… Esse tipo de energia não é bacana. Nossa saúde e segurança vêm primeiro e espero que o mundo melhore logo.

Por conta da paralisação e do isolamento social sem previsão de encerramento, você consegue avaliar quais são os prejuízos financeiros que você está tendo por conta de todos os cancelamentos e reagendamentos?

Fabiana: Prejuízos financeiros são bem poucos ainda bem. É um trabalho colaborativo e eu sou muito grata por estas pessoas incríveis que estão envolvidas no filme porque acreditam e querem estar no projeto em primeiro lugar. É mais algumas coisas que ficam emperradas por todos estarem em quarentena. A diretora de arte, Karen Furbino, é ótima e está agilizando a maior parte das coisas na própria casa, mas tem algumas coisas que não estamos conseguindo concluir com os artistas de efeitos especiais, figurino e alguns objetos também porque eles não podem sair de suas casas… ou as lojas estão fechadas ou a parte por exemplo de material gráfico do filme que não consegue avançar; as entregas também estão lentas. Os artistas de efeitos especiais do filme seguem com os testes, mas tem coisas atrasadas como por exemplo a compra de explosivos que serão usados no filme também por causa do vírus. Estamos também organizando áudios do filme. A trilha sonora será do Rafael Laurenti, e a querida Dane Taranha conseguiu fazer sua parte de áudio e enviar pra gente mesmo sem estar na rádio 89 FM por conta do vírus. Germana Viana (Artista de Comic Books) me enviando parte gráfica, enfim…tem pessoas incríveis agregadas neste time e espero continuarmos firmes e fortes juntos quando isso acabar.

Pessoalmente, como vem lidando com o isolamento social? Está conseguindo dar andamento a algum dos processos do curta?

Fabiana: De primeira surtei, pois meus outros trabalhos que faço fora cinema também envolvem grupos de pessoas e tem que usar toda a criatividade que você tem e rachar a cabeça. Mas é aquele tipo de coisa que vai além de nós, então hoje me dedico de maneira online a um futuro projeto meu de TEDx Talks, que é um evento global, estudar marketing e finanças (sempre) e estou focando esse tempo para decupagem deste filme; pensar melhor nunca é demais, ter ensaios online e reuniões semanais com os cabeças de equipe… manter todos perto, motivados e empolgados que tudo isso vai passar e vamos continuar juntos até o final, pois alegrias virão também. Esse tempo extra vai servir para pensar em todas as partes do filme com mais calma, pensar também melhor sobre o merchandising, network, reunir futuras estratégias para onde o filme vai mundo afora. Ter um plano de ação em todas as áreas do filme.

Imagino que já havia uma equipe contratada para as filmagens e para todo o processo posterior. Sabe me dizer quantas pessoas ao todo já estavam envolvidas com trabalhos no seu curta e que tiveram que interromper a produção?

Fabiana: O maior receio meu é conseguir mais uma vez manter todos e reunir datas que todos possam, sem ninguém sair prejudicado em outros trabalhos, pois se trata de um filme independente. Muitos têm peças de teatro em cartaz, outro trabalha em novela da globo…. e é claro a saúde de todos até lá por isso a quarentena é tão necessária neste momento. Quando veio a notícia no Brasil, a primeira preocupação nossa era com os atores do grupo de risco acima dos 60 anos. As Filmagens são em São Paulo, tem cena em restaurante, em ruas, espaços terapêuticos etc

Sem Saída também para os envolvidos

Recebi o convite da diretora e roteirista Fabiana para fazer parte desse projeto lindo. Eu sempre quis fazer filme de suspense terror; é um gênero q me apaixonei quando morei em L.A. Lá conheci a fundo a obra do Mojica, “Zé do caixão”, e vi o quanto ele é adorado e respeitado pela indústria do cinema. Coincidentemente a Fabiana conheceu e conviveu com Mojica, e quero dedicar o filme pra ele. Estávamos a milhão com a produção, reunião, ensaios pra filmar em abril, e, de repente somos pegos pelo coronavírus, uma doença invisível, com muitas possibilidades de se contaminar. O mundo parou e nós também. Vamos nos auto exilar e esperar passar esse momento caótico e tão difícil de entender e aceitar. Nós do filme estamos confinados também, mas trabalhando no texto, assistindo filmes de referências; temos o grupo do filme no WhatsApp, e nos falamos sempre, mantendo a cabeça ocupada e deixando “os motores aquecidos” na fé que, em breve, vamos filmar….“, diz a atriz Luciana Vendramini.

Estamos todos esperançosos que, se mantivermos os cuidados, essa pandemia vai passar. Há uma forte sensação de impotência por grande parte das pessoas, mas acredito que se mantivermos focados e alerta, nossa sociedade se fortalecerá. Particularmente estou ansioso para voltar aos SETs de filmagem com o “Sem Saída“, voltando ao gênero de terror/horror em um convite especial da diretora Fabiana Servilha e a produtora Fernanda Denuzzo. Neste momento seguimos recolhidos para preservar nossos amigos e familiares, mas a preparação para o filme está a todo vapor. Aproveito a oportunidade e convido a todos para assistirem ao nosso novo filme “Atração de Risco“, que estará no dia 16 de abril nas plataformas digitais. ” diz o produtor Beto Perocini.

Na tua avaliação, há alguma questão que futuramente precisa ser repensada no mundo do audiovisual independente, que tenha surgido durante essa quarentena mundial?

Por se tratar de um curta “no budget” temos maior flexibilidade do que outras produções que tiveram que parar. Não temos compromissos com investidores ou com profissionais que dependessem deste trabalho para manter sua renda. Na volta isso provavelmente será uma questão, pois quando o mercado retomar as atividades, profissionais e fornecedores irão priorizar aquelas produções que possam lhes dar maior receita a fim de se recuperar da crise. Mas é tudo muito incerto, imprevisível, pois não sabemos por quanto tempo o mercado estará parado e em que contexto econômico e social estaremos ao final desse período. O fato é que as produções independentes, aquelas que funcionam fora da cadeia do mercado predominante, já trabalham sem recursos e na adversidade. Sem dúvida que os profissionais e empresas com experiência nesse tipo de produção estarão muito mais preparados para as incertezas e as mudanças de paradigma que nos aguardam. O mercado audiovisual já vem vivendo um período de adversidades há alguns anos. Principalmente com a redução nos orçamentos dos filmes publicitários. Longas e séries, graças ao FSA, se tornaram o principal motor da indústria audiovisual. Com isso, produções de curtas e videoclipes independentes passaram a poder contar com profissionais e empresas em tempo ocioso entre jobs de maior duração.

Os orçamentos de produções comerciais para a web, por exemplo, são tão reduzidos que muitas vezes não remuneram muito mais do que uma produção independente no estilo guerrilha. Ao final dessa crise pandêmica, inevitavelmente as grandes produtoras terão maior dificuldade de se adaptar do que os pequenos independentes. Ao que tudo indica sairemos dessa em um mundo e uma economia muito diferentes do que conhecemos hoje. Sem dúvida aqueles mais acostumados a escassez e a adversidade terão maior facilidade que se adaptar aos novos desafios da reconstrução pós-crise. Essa situação revela um problema antigo desse setor, a instabilidade e a informalidade. Principalmente no que se refere às relações trabalhistas. Tenho visto já há algum tempo colegas passando por muitas dificuldades, principalmente a medida que ficam mais velhos, ou mudando de carreira. Esse paralisação será extremamente dura principalmente para os técnicos. À medida que as produções param, as remunerações param. Alguns até têm algum reserva, pois diversas produtoras já vinham remunerando após 60, 90 ou até 120 dias. Essas relações inevitavelmente deverão ser revistas para o mundo pós 2020. Certamente perderemos mais bons profissionais que não levaram sua experiência aos novos que entram. E poucos irão se interessar pela carreira em posições de menor destaque.“, diz André Schutz, diretor de fotografia.

Como colaborar com o curta Sem Saída?

Para quem quiser apoiar o projeto, o Boca do Inferno em parceria com os realizadores do curta Sem Saída inicia uma pré venda de camisetas do filme, com possibilidades de compras online acontecendo a partir deste mês. As 100 primeiras camisetas adquiridas através do Boca do Inferno irão ganhar brindes extras do filme “Sem Saída“, que faz parte da antologia Histórias Estranhas 2.

Como adquirir? Entre em contato com a diretora Fabiana Servilha com o título: EU APOIO/BOCA DO INFERNO pelo email: fabiana.jobscontato@gmail.com.

Elas poderão ser adquiridas também através da principal loja de horror online do Brasil, a CoffinFang Store.

E há também outros meios de ajudar a produção, através dos contatos abaixo:

hellsBells.filmes@gmail.com
Instagram: Hells Bells Filmes
Facebook: Hells Bells Filmes

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Marcelo Milici

Professor e crítico de cinema há vinte anos, fundou o site Boca do Inferno, uma das principais referências do gênero fantástico no Brasil. Foi colunista do site Omelete, articulista da revista Amazing e jurado dos festivais Cinefantasy, Espantomania, SP Terror e do sarau da Casa das Rosas. Possui publicações em diversas antologias como “Terra Morta”, Arquivos do Mal”, “Galáxias Ocultas”, “A Hora Morta” e “Insanidade”, além de composições poéticas no livro “A Sociedade dos Poetas Vivos”. É um dos autores da enciclopédia “Medo de Palhaço”, lançado pela editora Évora.

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