Delírios de um Anormal
Original:Delírios de um Anormal
Ano:1978•País:Brasil Direção:José Mojica Marins Roteiro:Rubens Francisco Luchetti, José Mojica Marins Produção:José Mojica Marins Elenco:José Mojica Marins, Jorge Peres, Magna Miller, Jaime Cortez, Natalina Barbosa, Lirio Bertelli, Alexa Brandwira |
José Mojica Marins é um nome marcado na história do cinema nacional como o criador do gênero terror. Admirado por muitos e desprezado por tantos, o “pai” do personagem Zé do Caixão já recebeu toda espécie de adjetivo, assim como seus principais filmes, que ganharam classificações que vão de lixo até obra prima cinematográfica. Desde que À Meia Noite Levarei Tua Alma fez sua estreia nacional, em 1964, que o sinistro coveiro, que nos Estados Unidos recebeu o nome de Coffin Joe, se tornou uma espécie de alter-ego do seu criador passando também a dividir a opinião de público e crítica.
Com o sucesso financeiro de À Meia Noite Levarei Tua Alma, Mojica realizou diversos outros projetos, entre filmes, histórias em quadrinhos, programas para televisão, sempre no papel do sinistro coveiro. No entanto, foi exatamente 15 anos depois do seu “nascimento”, em 1979, que o ator e diretor realizou o seu projeto considerado mais rico no quesito estética e que foi batizado de Delírios de um Anormal. Esta produção, assim como toda a obra de Mojica, foi chamada de oportunista e sem criatividade, mas também foi qualificado como extraordinário dentro da filmografia do seu realizador.
Antes de traçar uma análise de Delírios de um Anormal, é preciso conhecer um pouco sobre como era difícil gravar um filme nos anos 60, período no qual os cineastas lutavam para conseguirem verbas para realizarem seus trabalhos, que quando prontos, sofriam verdadeiros massacres por causa da Censura Federal. Os órgãos fiscalizadores exigiam que diversas cenas fossem cortadas da edição final por conterem mensagens que fossem consideradas contra a ordem ou os bons costumes. Por fazer produções de terror, Mojica era uma das principais vítimas desta realidade da época e praticamente todos os filmes dele precisavam perder diversas cenas para que fossem aprovados. A Censura Federal era tão severa que, mesmo com os cortes exigidos, algumas películas acabavam sendo proibidas, como foi o caso de Ritual de Sádicos (1969), que nunca conseguiu a liberação.
E Mojica, assim como qualquer cineasta, sabia que com cada corte, seus filmes perdiam parte de sua mensagem, narrativa e estética. Este último item sempre foi de destaque nas obras do diretor que criava formas próprias de filmar para conseguir resultados que fossem visualmente positivos. Mesmo com poucos recursos, Mojica conseguia criar cenas bem trabalhadas como a procissão dos mortos de À Meia Noite Levarei Tua Alma ou a descida ao inferno de Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver (1967). O material cortado geralmente era perdido, pois dificilmente teria como ser utilizado futuramente, principalmente em uma época tão longínqua do DVD, que possui extras, cenas delatadas, eliminadas, ensaiadas, comentadas, etc.
Mas Mojica sempre foi um homem de visão e mesmo sem saber o que faria com essas cenas, resolveu guardá-las para que um dia, de alguma forma, fossem mostradas. E a oportunidade apareceu no ano de 1978, quando surgiu a ideia para gravar um novo filme de terror. Mojica estava afastado de terror fazia alguns anos, período no qual dirigiu e participou de comédias e pornochanchadas e a ideia de voltar ao personagem Zé do Caixão lhe encheu de entusiasmo. O novo roteiro, que recebeu o título de Delírios de um Anormal, foi escrito pelo amigo e colaborador de longas datas Rubens Lucchetti, que havia assinado Exorcismo Negro (1974). Foi justamente nesse período, no final dos anos 70, com a censura bem menos severa, que Mojica percebeu que poderia inserir no novo filme algumas cenas não aprovadas dos seus filmes anteriores. A verba era tão curta que de um total de 86 minutos, Mojica gravou apenas 35 de cenas inéditas que serviriam para dar um enredo para a nova história.
Era uma ótima forma de ter cenas visualmente interessantes e assustadoras e melhor, que já haviam sido gravadas. Porém, existia um problema: como dar nexo a uma trama feita com as “sobras” de filmes já existentes, alguns com mais de 10 anos? A solução veio na forma da brilhante edição feita por Nilcemar Leyart, que foi companheira e colaboradora de Mojica por cerca de 30 anos. Os dois chegaram a morar juntos e têm duas filhas. Foi ela quem criou, através das diversas cenas recuperadas, os “delírios” que o título anunciava de forma a dar estrutura ao filme, que no ponto de vista estético, é riquíssimo. Mesmo com as diferenças entre os “vários” Zé do Caixão, que hora está mais gordo, ou com as unhas maiores, com a barba menor. Isso acontece, pois o resultado de Delírios é a soma de cinco filmes rodados em anos e situações bem diferentes.
O formato desse filme é o mesmo utilizado por Mojica nas suas demais produções: atores desconhecidos e exagerados, personagens sem o menor carisma, cenários de papelão, dublagem mal feita, som precário, figurinos tétricos, além de limitações técnicas. Então como um filme que reunia essas “características” fazia sucesso? Porque Mojica sempre soube, mesmo com verbas quase inexistentes, conduzir de forma positiva as suas produções. Longe de ser um cineasta que havia freqüentado faculdades, o eterno Zé do Caixão fazia filmes por que gostava e em cada novo trabalho, buscava um resultado melhor que o anterior, mesmo que de forma empírica. E como os filmes de terror sempre foram a sua verdadeira paixão, havia quase que um esforço interno para alcançar bons resultados, mesmo com todas as dificuldades financeiras, que sempre acompanharam Mojica.
Quando fez sua estreia, em 1979, o grande marketing feito para divulgação da produção era que Delírios de um Anormal utilizava diversas cenas inéditas dos filmes anteriores de Mojica, no caso Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver, O Estranho Mundo de Zé do Caixão (1968), Exorcismo Negro (1974) e Ritual de Sádicos (1969). O que foi visto como um trabalho de mestre por alguns, foi chamado de picaretagem por outros. Veja abaixo duas críticas bem opostas referentes ao filme:
“(…) O filme não anda. Os pesadelos se multiplicam, mas em cada um deles as imagens repetem-se incansavelmente. O tempo parou. O que sobra são efeitos visuais, cenografia, bichinhos, etc. Algumas dessas imagens são fortes, outras ridículas, como as desse inferno povoado por chacretes infernais de véus roxos. Aqui, o inferno está entre o fantástico show da vida e Chacrinha”. – Jean-Claude Bernardet, Jornal Última Hora
“Delírios de um Anormal é menos (ou mais) que um filme. É um desabafo, um protesto, um festival.(…) Para os críticos e cineastas aficcionados de Zé do Caixão e de seu criador, Delírios de um Anormal deve valer por um orgia de prazeres cinematográficos. (…) Mojica presenteia os aficcionados com visões infernais temperadas com insólitos de aparições de nus e de muros decorados com muitos traseiros e seios. Um gênio incompreendido? Há quem responda positivamente” – Ely Azeredo, O Globo.
35 minutos de filme
Em Delírios de um Anormal, o personagem principal é o Dr Hamilton (Jorge Peres, de Inferno Carnal, 1977), um famoso psiquiatra que é atormentado por pesadelos nos quais Zé do Caixão toma a sua esposa, Tânia (Magna Miller, que só fez este filme), para ser a mulher que irá gerar o filho perfeito para o coveiro. Os colegas médicos de Hamilton decidem buscar ajuda para esses pesadelos sem fim do amigo e entram em contato com o cineasta José Mojica, que tenta fazer com que Hamilton acredite que Zé do Caixão é apenas um personagem fictício.
Esse foi o enredo que mistura realidade com ficção ao colocar criador versus criatura num interessante trabalho de metalinguagem que foi escrito para funcionar como caminho para a edição das antigas cenas censuradas. As imagens copiladas serviram para serem mostradas justamente como os delírios de Hamilton, que apenas observa um estranho mundo semelhante a um inferno e repleto de tortura e seres bizarros.
Visto hoje por um público acostumado com filmes norte-americanos, Delírios de um Anormal causaria vexame pelas suas limitações e condições precárias. Merece destaque pela forma como foi concebido e pelo conteúdo que lhe deu forma. Não são apenas os gêneros como drama e aventura que possuem clássicos e mesmo que não seja o melhor trabalho realizado por Mojica, Delírios de um Anormal merece ser conferido justamente por apresentar-se como um museu dos filmes anteriores de Mojica.
Origens dos delírios
Conheça abaixo os quatro filmes que tiveram cenas censuradas utilizadas em Delírios de um Anormal.
– Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver. Gravado em 1966 e lançado em 1967. Direção: José Mojica Marins. Elenco: José Mojica Marins, Roque Rodrigues, Nádia Tell, William Morgan, Tina Wohlers. Sequência de À Meia Noite Levarei a Sua Alma, onde o coveiro Zé, após sobreviver ao ataque sobrenatural do final do filme anterior, continua na busca da mulher ideal para lhe dar o filho perfeito. E para conseguir alcançar o seu objetivo, sequestra seis moças do povoado para submetê-las a terríveis torturas e depois assassinar as que não passarem em seus testes.
O filme foi rodado em preto e branco, porém os 10 minutos finais são coloridos e teve o orçamento três vezes maior do que o À Meia Noite Levarei Tua Alma. Foi quase todo filmado dentro de uma antiga sinagoga que servia como escola de atores ministrada por Mojica. A ideia inicial era que fossem produzidas mais quatro sequências diretas, sendo que três nunca foram filmadas. Os títulos dos filmes seriam: A Encarnação do Demônio, O Lamento dos Espíritos Errantes, O Sepulcro do Diabo e Discípulo de Satanás.
– O Estranho Mundo de Zé do Caixão. Gravado em 1967 e lançado em 1968. Direção: José Mojica Marins. Elenco: José Mojica Marins, Vany Miller, Verônica Krimann, Paula Ramos, Esmeralda Ruchel e Osvaldo de Souza. Filme que reuni três interessantes histórias de terror. Cada conto tem duração média de 25 minutos e possui formato semelhante ao de história em quadrinhos, sendo que Zé do Caixão participa como personagem apenas da última. A primeira história, O Fabricantes de Bonecas, narra as desventuras de um grupo de ladrões que invade a casa de um velhinho e descobre o terrível segredo que ele utiliza na fabricação de suas sinistras bonecas.O segundo conto, Tara, apresenta o sempre interessante tema de necrofilia, no qual um pobre vendedor de balões alimenta uma paixão platônica por uma bela moça, porém o rapaz só vai conseguir realizar seu desejo quando a coitada morre de acidente e ele resolve fazer uma visita noturna ao cemitério. No último conto, Ideologia, o assustador professor Oaxiac Odéz (O próprio Zé do Caixão) apresenta para seus convidados um mundo repleto de sadomasoquismo e canibalismo.
– Exorcismo Negro. Gravado e lançado em 1974. Direção: José Mojica Marins. Elenco: José Mojica Marins, Jofre Soares, Walter Stuart, Geórgia Gomide e Wanda Kosmo. Interpretando a si próprio, Mojica está passando as férias na casa de campo de um amigo com a família deste quando estranhos acontecimentos começam a apavorar a todos. Logo Mojica vai descobrir que é o próprio Zé do Caixão quem está por trás das assombrações e vai precisar enfrentar a sua criação que pretende matar a todos.
A ideia para realizar Exorcismo Negro surgiu após a grande expectativa diante da estreia no Brasil de O Exorcista (The Exorcist, 1973). O conceito original era que Exorcismo Negro fosse lançado na mesma época do filme norte-americano, mas por problemas financeiros, a produção atrasou em quase um ano.Na época da estreia de O Exorcista, Mojica comparecia nas filas dos cinemas que estavam exibindo a produção para dizer que o “diabo brasileiro era muito mais assustador e aterrorizante do que o gringo”.
– Ritual de Sádicos. Produzido em 1969 e exibido pela primeira vez em um festival de cinema de São Paulo apenas em 1983. Direção: José Mojica Marins. Elenco: José Mojica Marins, Sérgio Hingst, Ozualdo Candeias, Andréia Bryan e Lurdes Ribas. Um psiquiatra injeta LSD em quatro voluntários para que os efeitos da droga possam ser estudados em pessoas diferentes. As alucinações de cada um dos pacientes vai ser mostrada de forma não linear formando um conjunto de diversas imagens que misturam sexo, violência, perversão e sadismo e que são assombradas pela figura do Zé do Caixão.
O filme proibido de Zé do Caixão como ficou conhecido por não ter sido liberado pela Censura Federal da época. Mesmo com os diversos cortes exigidos pelos órgãos fiscalizadores, a produção não recebeu o aval para ser lançada.
Foi rebatizado como O Despertar da Besta e mesmo assim continuou proibido. Foi exibido pela primeira vez apenas em um festival de cinema em 1983. Ganhou o prêmio de melhor roteiro, para Rubens Lucchetti, no Cine Festival, de 1986.
Quis dizer Mojica, maldito corretor de texto 😡
Só uma correção, a moça do segmento “Tara” (a do necrófilo de Estranho mundo de Zé do Caixão), não morreu de acidente, mas sim assassinada. Abraços
postagem massa,parabens
bem bacana.
Pra mim Mojica é um gênio.
Esse filme em questão eu achei extremamente interessante, é muito estranho como os delírios são reunidos e as imagens aleatórias dos filmes anteriores não ficam ao léu, achei bem interessante a história, mas foi o final que me pegou… que final maravilhoso.
Filme bem fraco, achei o pior do Monica, foram até que bem generosos com a nota.