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O Segredo no Bosque dos Sonhos (1972)

O Segredo no Bosque dos Sonhos
Original:Non si sevizia un paperino
Ano:1972•País:Itália
Direção:Lucio Fulci
Roteiro:Lucio Fulci, Gianfranco Clerici, Roberto Gianviti
Produção:Renato Jaboni
Elenco:Florinda Bolkan, Barbara Bouchet, Tomas Milian, Irene Papas, Marc Porel, Georges Wilson, Antonello Campodifiori, Ugo D'Alessio, Virgilio Gazzolo, Vito Passeri, Rosalia Maggio

O Brasil passou recentemente por um surto de “justiceiros”, pessoas que resolveram fazer justiça, mas acabaram trocando os pés pelas mãos, resultando na execução de pessoas inocentes. Por esse fato trágico, somado as duras críticas a igreja católica Non si Sevizia un Paperino se revela, mesmo depois de mais de quarenta anos de sua realização, tristemente atual.

Exibido nos cinemas brasileiros nos anos 70 com o curioso e poético título de O Segredo do Bosque dos Sonhos, esta grande obra do Mestre Fulci continua inédita por aqui no formato digital. Ele também recebeu outros títulos curiosos ao redor do mundo como: Fanatismo (título alternativo na Itália), Angustia de Silencio (Espanha) ou o inglês, e mais notório, Don’t Torture a Duckling. O filme não só é um dos melhores trabalhos do diretor, como um dos melhores exemplares do giallo.

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O filme se passa numa pequena aldeia na Sicília, onde uma onda de assassinatos de crianças choca a população. Como sempre ocorre com esse tipo de crime, a revolta popular é enorme aliada à falta de ação da polícia que, para variar, se mostra inoperante. O vilarejo se torna um barril de pólvora prestes a explodir.

A indignação popular, somada ao conservadorismo religioso resulta numa sede de justiça pelas próprias mãos, o que resultara num quadro ainda mais trágico, pois as suspeitas recaem sobre uma jovem bruxa, praticante de magia negra, interpretada de forma energética pela brasileira Florinda Bolkan, que praticamente moldou sua filmografia na Europa principalmente no país da bota, tendo inclusive feito no ano anterior um outro giallo com Fulci A Lizard in a Woman’s Skin a.k.a. Una Lucertola con la Pelle di Donna.

A solução do mistério caberá a Patrizia (a belíssima Barbara Bouchet), uma jovem filhinha de papai junkie, e o repórter Andrea Martelli (o cubano Tomas Millian, numa interpretação contida, menos careteiro que de costume). A resposta para o mistério é chocante.

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O grande mérito do filme é ir além do giallo convencional, explorando temas como assassinato de crianças, questionar a moral cristã (assunto muito espinhoso na Itália) e a sedução de menores, tanto que criou grande polêmica a antológica cena de Patrizia nua provocando um garotinho.

No elenco temos como destaque ainda a presença do ator suíço Marc Sorel (precocemente falecido num acidente de automóvel em 1983, aos 34 anos) como o padre local com pinta de galã e sua mãe (a grande atriz grega com cara de granito Irene Papas, aqui mal aproveitada).

Esta obra trouxe dois fatos importantes para a vida do católico Lucio Fulci: primeiro ele foi excomungado pela igreja por isto, e o segundo fator é que foi este filme que convenceu o produtor Fabrizio de Angelis a convidá-lo para dirigir o megaclássico Zombie em 1979, após a recusa de Enzo G. Castellari, e acabou catapultando a carreira de Fulci, ganhando o status de mestre do “gore”. O Segredo no Bosque dos Sonhos foi feito no que é conhecido como sua fase pré-Gore.

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Embora Fulci já desse sinal de sua predileção pela violência nesta fase, como por exemplo, nos seus spagghetti-westerns, seja no psicodélico Os Quatro Pistoleiros do Apocalipse (I Quatro Dell’Apocalisse, 1975) ou no mais convencional Sela de Prata (Sella D’Argento,1978), em que ele não se furta de mostrar em alguns momentos closes de tiros nos rostos.

Aqui ele também dá uma mostra disso na cena mais famosa: a da personagem de Bolkan sendo linchada com correntes em um cemitério por populares raivosos, com direito a closes sangrentos, bem gore mesmo, tudo contrastando com a bela trilha sonora de Riz Ortolani, que depois faria a clássica trilha do não menos clássico e maldito Cannibal Holocaust, de Ruggero Deodato. A cena de tortura é tão marcante que o próprio Fulci a homenagearia no seu épico The Beyond. Outra cena marcante é a de abertura com a imagem da bruxa desenterrando com as mãos o esqueleto de um bebê.

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Há de se ressaltar aqui a bela fotografia, a cargo de Sergio D’Offizi, que explora com maestria os cenários naturais e captura bem o clima campesino. O roteiro escrito a seis mãos (pelo próprio Fulci com a ajuda de Roberto Gianviti e Gianfranco Clerici) como podem perceber é melhor que a média deste tipo de produção.

Só a lamentar alguns efeitos que não funcionam, como os bonecos das crianças mortas pouco convincentes sendo alguns tão diferentes dos atores mirins que, na hora em que mostra os “cadáveres”, aparece um flash do garoto morto quando vivo com a visível intenção de facilitar a identificação para o público. Sem falar na famosa cena da queda do penhasco, por exemplo, que envelheceu muito, cena esta que o próprio Fulci adorava, tanto que a citou no seu filme posterior Sette Note in Nero.

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O filme teve problemas com a censura na Itália e nos EUA ficou inédito nos cinemas, sendo lançado apenas em 2000, direto para o mercado de dvd pela Anchor Bay.

Outra história curiosa em relação ao filme é quanto a seu título original, que deveria se chamar Non si Sevizia Paperino. Paperino, traduzindo literalmente quer dizer “patinho”, mas também é o nome dado ao Pato Donald na Itália. Com isso Fulci conseguiu enfurecer até a empresa de Walt Disney!  Para evitar aborrecimentos Fulci resolveu colocar o artigo “un”, transformando assim o “Pato Donald” num patinho qualquer. Vale lembrar que Fulci iria sacanear o Pato Donald novamente no seu giallo sangrento New York Ripper.

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Apesar de todas as polêmicas e censuras, Lucio Fulci considerava Non si Sevizia un Paperino seu trabalho preferido e mais pessoal. No fim das contas é uma obra que ainda mantém seu impacto sobre temas tão espinhosos e atuais como a “injustiça” com as próprias mãos e religião. Um filmaço.

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2 Comentários

  1. Um filme chocante com uma temática muito forte.
    Mesmo assim, é maravilhoso; um dos melhores do Mestre Lucio Fulci, inclusive, nem parece um filme dele!
    Excelente!

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