O Mensageiro do Diabo
Original:The Night of the Hunter
Ano:1955•País:EUA Direção:Charles Laughton, Robert Mitchum Roteiro:Davis Grubb, James Agee, Charles Laughton Produção:Paul Gregory Elenco:Robert Mitchum, Shelley Winters, Lillian Gish, James Gleason, Evelyn Varden, Peter Graves, Don Beddoe, Billy Chapin, Sally Jane Bruce, Gloria Castillo |
Embora seja encarado hoje como um clássico merecedor do adjetivo incontestável, curiosamente O Mensageiro do Diabo desagradou muito o público e a crítica na época de seu lançamento, em 1955. A repercussão negativa fez com que o conhecido ator Charles Laughton (de Spartacus, 1960), decepcionado, jurasse – e cumprisse, diga-se de passagem – que jamais se arriscaria na direção de outro longa-metragem.
Certamente parte da rejeição foi motivada pela não aceitação do enredo, que mesmo evitando qualquer tipo de violência gráfica, perturbava de maneira gritante os espectadores americanos. O roteiro, escrito por James Agee (Uma Aventura na África, 1951), adaptava o romance homônimo publicado por Davis Grubb em 1953 – este por sua vez seria inspirado na trajetória de um criminoso real que assassinou duas mulheres e três crianças. Nos dias atuais o roteiro não encontraria tamanha resistência, afinal a realidade supera a ficção em questão de crueldade há um bom tempo.
Na trama de O Mensageiro do Diabo, o criminoso e pai de família Ben Harper (Peter Graves, da série Missão Impossível, 1967) participa de um assalto a banco que termina na morte de duas pessoas, mas rende-lhe US$ 10 mil. Antes de ser preso, Ben esconde o fruto do roubo na boneca preferida de sua filha Pearl (Sally Jane Bruce). Ele faz com que a menina e o irmão mais velho John (Billy Chapin) jurem jamais contar a localização do dinheiro. Já na prisão, Ben conhece o inescrupuloso Harry Powell (Robert Mitchum), um falso pregador que tenta de toda maneira descobrir onde o dinheiro estaria escondido. Ben Harper é executado e Harry solto após cumprir uma pena de 30 dias. Em liberdade, o carismático “religioso” parte em direção ao pequeno vilarejo onde vive a família Harper. No local, ele seduz e manipula a todos com um discurso altamente religioso e belas canções bíblicas; oportunamente acaba se casando com Willa (viúva de Ben). Logo os pequenos John e Pearl serão aterrorizados por um dos vilões mais cínicos que o cinema já criou.
Contudo, não apenas a trama ou o personagem Harry Powell, cuja maldade e ganância não apresentavam limites, incomodou a classe média americana; o cenário também era um tanto indigesto: uma América frágil e devastado pela recessão econômica, com crianças pobres e sujas vagando sem direção, revelando um passado histórico quase que totalmente esquecido por Hollywood.
Com o passar das décadas toda a crítica negativa em cima de O Mensageiro do Diabo foi aos poucos contestada e o status de cult foi adquirido com o reconhecimento (mesmo que quase tardio) do público, que via agora ousadia no enredo pessimista permeado de religiosidade e no desempenho sempre acima da média de Robert Mitchum – o ator viveria outro vilão terrivelmente inesquecível alguns anos depois (1962) em Círculo do Medo (o sádico Max Cady). Uma pequena curiosidade que vale relembrar a respeito da caracterização do vilão Harry Powell é que o personagem foi o pioneiro a apresentar nos dedos das mãos as tatuagens com as palavras “LOVE” (amor) e “HATE” (ódio).
No elenco, além do já citado Robert Mitchum, merece destaque a veterana Lillian Gish – aqui cabe um parênteses, a palavra veterana nunca foi tão bem usada: a carreira da atriz se confunde com a história do cinema; segundo o site IMDB, seu primeiro trabalho foi em 1912 (An Unseen Enemy) e o último em 1987 (Baleias de Agosto); atuou em torno dos 120 produções. Uma das melhores sequências de O Mensageiro do Diabo é co-protagonizada por Lillian: em uma cadeira de balanço e armada com uma espingarda, sua personagem (uma espécie de mãe que adotava crianças perdidas que batiam na sua porta) aguarda o falso pregador que está do lado de fora, esperando para invadir. O suspense e o lirismo da cena são intensificados pela canção Leaning on the Everlasting Arms, cantada por ambos os personagens.
Outro momento de impacto visual é a cena em que é revelado o corpo de Willa no fundo do rio, amarrada e envolta em um lençol, ainda dentro de um carro – a nítidez e a beleza plástica da imagem é assustadora. Willa com cabelo sendo levado pela correnteza, as plantas e o lodo revelam uma imagem de morte bem mais bonita que a superfície, onde lentamente padecem os sobreviventes.
Também é inesquecível a sequência em que as crianças descem o rio: a imagem de dois seres humanos frágeis ao fundo, sob a perspectiva em primeiro plano de uma natureza desconhecida (flores, sapos e aranhas) arrastam o espectador para um ponto de vista infantil, onde tudo parece grande e perigoso.
A opção estética de O Mensageiro do Diabo, provavelmente incompreendida em 1955, remetia a escola expressionista alemã. Filmado em preto e branco, os enquadramentos, o cenário com formas geométricas e ângulos obtusos e sombras em excesso se contrapõem ao realismo dominante do roteiro (embora este também seja, em alguns momentos, intercalado por uma atmosfera “lúdica” típica da representação de um pesadelo infantil). O clima sombrio é o resultado do magistral trabalho na direção de fotografia de Stanley Cortez, indicado anteriormente ao Oscar por Soberba (dirigido por Orson Welles em 1942).
O “diabo” do título adotado no Brasil sugere de maneira equivocada um enredo sobrenatural; melhor seria a tradução fiel ao título The Night of the Hunter (A Noite do Caçador). Apesar da difícil classificação (e toda classificação, convenhamos, é um pouco injusta) – thriller, film noir, suspense ou drama – o fato é que O Mensageiro do Diabo, assim como um legítimo filme de horror, trabalha com os temores mais primários e infantis, como o medo de perder os pais assassinados ou de estar perdido e sozinho num mundo povoado por monstros (no caso, os adultos).
O Mensageiro do Diabo foi distribuído no Brasil em pelo menos duas edições diferentes, uma “simples” e com cara de não autorizada pela VTO Pictures e uma chamada “oficial”, pela Versátil Home Vídeo, cuja arte é igual a lançada nos EUA pela Metro-Goldwyn-Mayer. Vale lembrar que em 1991, Richard Chamberlain estrelou uma refilmagem para a televisão na qual foram anuladas todas as qualidades do original.
A renomada revista francesa Cashiers du Cinéma publicou recentemente uma pesquisa patrocinada pela prefeitura de Paris realizada com 78 historiadores e críticos que elegeram os 100 filmes mais belos de todos os tempos. O Mensageiro do Diabo ficou em segundo lugar, recebendo apenas um voto a menos do que Cidadão Kane (1941), de Orson Welles.
Enfim, O Mensageiro do Diabo, apesar de ser um clássico menos conhecido do público em geral, é inegavelmente indispensável e único, pois proporciona uma experiência cinematográfica de estranhamento, sombria e poética, que pode ser apreciada pelo espectador repetidas vezes, sem jamais se esgotar.
oi, Galera… onde posso encontrar esse filme? Quero assistir faz tempo e não encontro…
vi essa semana, que filme lindo
Assisti ontem e ainda estou digerindo! Que absurdo de lindeza! Perfeito!
´É um dos filmes favoritos de Pedro Almodovar. http://www.batanga.com/cine/8817/pedro-almodovar-elige-sus-peliculas-favoritas-de-todos-los-tiempos
Já viu o mensageiro do diabo ? é um dos filmes mais assustadores de todos os tempos.
Assisti esse filme no TCM, dublado, com Darcy Pedrosa dublando Robert Mitchum, ou seja, nos tempos do Verdadeiro TCM Classic Hollywood, e devo dizer:
ASSUSTADOR!
Robert Mitchum dá um show de interpretação, fazendo de Henry Powell, um dos vilões mais terríveis do cinema!
A cada cena, ele se mostra mais cruel e perigoso, capaz de meter medo em qualquer um – poucos vilões conseguem fazer isso hoje em dia…
Uma cena particularmente assustadora é uma de uma carruagem andando por um terreno – uma tomada à distância, sem trilha sonora!!!! Um truque indispensável para criar Terror em um filme!
Enfim, O MENSAGEIRO DO DIABO é, sem dúvida, um dos filmes mais assustadores que já vi e um dos 100 Filmes Mais Assustadores da História.
Um Clássico!
10/10
Ótima crítica. Fiquei muito curioso em assistí-lo.
Que filmaço!