Quarentena
Original:Isolation
Ano:2005•País:UK, Irlanda, EUA Direção:Billy O'Brien Roteiro:Billy O'Brien Produção:Bertrand Faivre, Ed Guiney, Ruth Kenley-Letts Elenco:Essie Davis, Sean Harris, Marcel Iures, Crispin Letts, John Lynch, Ruth Negga, Stanley Townsend |
Existe uma brincadeira entre críticos e cineastas sobre os animais que seriam mais mal-tratados pela Sétima Arte. Ignora-se as ações perversas realizadas no mundo real em matadouros e torturas horrendas – e até mesmo a tartaruga de Cannibal Holocaust, de outros animais do ciclo italiano de canibalismo e até o boi de Apocalipse Now – e coloca-se em discussão a relação entre as câmeras de vídeo e as cobras, galinhas e até dinossauros, construídos digitalmente apenas pela diversão do público. É quase unânime que a vaca esteja entre as primeiras opções, tendo como base as voadoras de Twister, a flamejante de Marte Ataca, a pendurada pelo pés em Tá Todo Mundo Louco, a que serve de alimento para os velociraptors de Parque dos Dinossauros, a que é vítima dos grabóides de O Ataque dos Vermes Malditos, a isca de Pânico no Lago, a explosiva de O Massacre da Serra Elétrica e Trash – Náusea Total, a vampiro de O Pequeno Vampiro, a zumbi de Dead Meat e até as lutadoras do longa Kung-Pow e da comédia Eu, Eu Mesmo e Irene…
Com tantos exemplos que dificultam catalogação, muitos oriundos de comédias e fantasias, vale a pena vê-las de uma maneira mais sombria como as que sofrem mutação no terror Quarentena (Isolation, 2005), longa de estreia de Billy O’Brien, que depois ainda faria Ferocious Planet (2011), o sci-fi Scintilla (2014) e o thriller Eu não Sou um Serial Killer (2016), com Christopher Lloyd. Trata-se de uma mistura de referências que passeiam por Alien, o Oitavo Passageiro e O Enigma de Outro Mundo para trazer aberrações insanas, oriundas de experimentos genéticos.
Em uma noite escura, num ambiente rural isolado e claustrofóbico, experiências de aceleração de nascimento e fortalecimento de bezerros trazem à luz criaturas monstruosas e hostis. O Doutor (Crispin Letts) teria alugado a fazenda do solitário Dan (John Lynch) e, com a ajuda da veterinária Orla (Essie Davis), passaria a acompanhar o processo científico, realizando testes aterrorizantes com os animais com a perspectiva da chegada desses filhotes especiais.
Numa dessas experiências fétidas, com a introdução de sua mão no ânus dos bovinos, Orla recebe uma violenta mordida, evidenciando que o processo não está sendo bem feito. Além dos especialistas, chega à fazenda irlandesa um casal que resolveu fugir da família da garota em busca de abrigo. Os motivos reais da fuga de Jamie (Sean Harris) e Mary (Ruth Negga) não são especificados, apenas sugeridos. Depois que Jamie ajuda Dan a colocar no mundo um pequeno bezerro, o rapaz conquista o direito de se refugiar no local com sua namorada.
Contrariando a sua natureza dócil, o bezerro recém-nascido morde violentamente a mão de Dan, fazendo o sangue escorrer pelo pasto. Para piorar a situação, fora de controle o animalzinho já está prenho: e é exatamente o que sai de dentro dele que traz o horror à fazenda. Os filhotes-mutantes, com exoesqueleto, passam a se alimentar de toda a vida existente no local, deixando os sobreviventes com a certeza de que se aquilo se espalhar para além dos limites da velha fazenda dificilmente será contido pela população mundial. Sentiu o drama?
Contudo, o maior problema acaba sendo mesmo a convivência entre os humanos, trazendo ao enredo o vilão estereotipado, que tem planos que vão além da experiência e que almeja um bom investimento na criação. Curiosamente, ele utiliza contra os que não concordam com suas ações uma pistola de abate de gato, um acessório até então pouco utilizado nos filmes de terror.
A especialização do diretor Billy O’Brien em realizar curtas-metragens fica evidente na direção arrastada do longa. As ações acontecem lentamente, como se o roteiro tivesse sido escrito apenas para um filme de 30 minutos. E ainda há o acréscimo de cenas descartáveis como o nascimento detalhado do bezerro, uma cena de sexo dispensável e a chegada de um policial ao local, somente para causar uma certa tensão entre os jovens fujões e contar o desaparecimento de alguém. E até mesmo a aparição do monstro principal somente acontece nos minutos finais, quando provavelmente a paciência do espectador já quase extinguiu.
Com uma crítica implícita interessante à “doença da vaca-louca“, Quarentena consegue transmitir uma mensagem assustadora nesta época em que a ciência quer produzir mais leite, ovos com duas gemas, entre outros absurdos que diariamente acompanhamos nos telejornais. Além disso, o filme possui uma constante atmosfera de terror, intensificada pela belíssima fotografia escura, que dá a sensação real de isolamento dos personagens, ainda mais com os enquadramentos realizados com câmeras que se escondem nas cercas e até mesmo próximo à água suja e acompanham os olhares da criatura.
Há poucas cenas de tensão – como a que ocorre num trator preso num mar de sujeira e a que envolve uma aparição no subsolo -, mas a narrativa é beneficiada pelos poucos personagens, que se esforçam ao máximo para transmitir uma sensação real de medo do desconhecido. O destaque fica por conta de John Lynch, o fazendeiro Dan, que os fãs do bom terror devem se lembrar de sua participação em Hardware como Shade, o jovem dos óculos escuros.
Vale a pena informar que o longa ganhou diversos prêmios em festivais internacionais: o Screamfest 2006, nas categorias Melhor Atriz (para Essie Davis) , Melhor Diretor e Melhor Filme; o Leeds International Film Festival 2006, na categoria Melhor Filme; dois prêmios para o diretor no Gérardmer Film Festival; e o Austin Fantastic Fest 2006, nas categorias Melhor Fotografia; Melhor Diretor e Melhor Filme.
Tantos prêmios – nenhum para a vaquinha! – não foram suficientes para incentivar uma continuação. E os horrores da fazenda científica não foram para além de seu isolamento noturno, o que é uma pena!