Morto Não Fala
Original:
Ano:2018•País:Brasil Direção:Dennison Ramalho Roteiro:Dennison Ramalho, Cláudia Jouvin, Marco de Castro Produção: Elenco:Daniel de Oliveira, Fabiula Nascimento, Bianca Comparato, Marcos Kligman, Annalara Prates, Marco Ricca |
Durante a coletiva de imprensa do filme Encarnação do Demônio, em 2008, José Mojica Marins enalteceu o talento de Dennison Ramalho, e disse ter lhe dado um conselho: “dirija três curtas antes de fazer um longa“. Se considerar o belíssimo segmento da antologia O ABC da Morte 2, pode-se dizer que ele comandou quatro trabalhos antes de se dedicar à realização de Morto Não Fala, e a experiência, adquirida no processo e nos estudos, serviu-lhe muito bem: trata-se de uma produção que coroa seus esforços e traz arrepios e repulsa na mesma proporção, conduzidos por um enredo bastante original.
Co-escrito pelo próprio Dennison e Cláudia Jouvin, inspirado no romance de Marco de Castro, o filme apresenta a rotina estranha de Stênio (Daniel de Oliveira), que realiza necrópsias no IML, e faz uso de seu dom de conversar com os mortos para entender as causas e também facilitar a identificação dos corpos. Seu dia-a-dia também envolve a difícil relação com a esposa Odete (Fabiula Nascimento) e os filhos, ampliando-se ainda mais quando, durante o exame em alguns cadáveres, recebe informações do “outro lado” sobre um problema entre facções criminosas e de sua mulher estar tendo um caso com o padeiro Jaime (Marco Ricca). Ele, então, aproveita os conhecimentos adquiridos – de maneira ilícita pelas leis sobrenaturais – para se vingar do amante, mas o plano resulta em consequências ainda mais desastrosas para sua família e à jovem Lara (Bianca Comparato), que se aproximou aos poucos, num misto de curiosidade e fascínio.
O que parecia ser apenas um filme de vingança, com elementos sobrenaturais, torna-se bem construído nas boas possibilidades apresentadas, quando o mundo dos mortos começa a colidir com o dos vivos, ameaçando principalmente seus filhos. Aos poucos, Stênio passa a perder sua sanidade e encontra dificuldades de distinguir os pesadelos aterrorizantes da realidade, refletindo em episódios sangrentos com a exposição de partes de corpos, visões e diálogos cada vez mais intensos com os falecidos. E é essa maneira de lidar com o grotesco que expõe o melhor do trabalho de Dennison, que fere Stênio, tanto física quanto psicologicamente, até aproximá-lo do objeto de seu ofício.
Diferente de outras produções que trazem diálogos entre um personagem com assombrações, em Morto Não Fala a conversa acontece diretamente com os cadáveres, em um curioso efeito de transposição da voz e de movimentos do rosto, como se somente a boca se alterasse sem o auxílio dos músculos da face. E cada morto mantém sua personalidade de quando era vivo, às vezes com uma raiva impregnada, ao mesmo tempo que desponta arrepios por estarem confusos e não entenderem seu novo estado. À medida em que Stênio continua resistindo às investidas sobrenaturais, a sensação de insegurança proporcionalmente se amplia e invade sua residência, um dos poucos ambientes em que o rapaz se sentia vivo.
Dennison explora o sofrimento dos personagens, sem permitir qualquer compaixão até mesmo por aqueles que simplesmente convivem com o protagonista, e também não se sente constrangido em ferir crianças, até mesmo psicologicamente. A cena do fogão e a visão arrebatadora dos corpos dos pequenos são suficientemente incômodas para permanecerem na retina do espectador, ainda depois dos créditos. Parece que os atores – e deve-se elogiar as brilhantes performances de Daniel de Oliveira e Bianca Comparato – realmente sofreram desgastes psicológicos, expostos na expressão de seus personagens no último e surpreendente ato.
Com uma possibilidade curiosa do enredo ter caminhos para trilhar em uma série de TV – e valeria a pena acompanhar -, Morto Não Fala é uma excelente abertura para uma carreira de sucesso do diretor no comando de longas. Já havia mostrado sua capacidade cinematográfica com os curtas Amor Só de Mãe, Ninjas e J is for Jesus, bastando apenas evidenciar seu talento em projetos mais ambiciosos como o que levou Daniel de Oliveira a conversar com cadáveres, na melhor produção de horror nacional de 2019.
Filme muito bom e com uma grande dose de surpresas. Recomendadíssimo. 🙂
Filmaço…. Mas completamente ignorado pela grande midia. Quando terminei de ver deu um orgulho incrivel por ser uma produçao nacional.
Ate que enfim, um filme de terror brasileiro pra aplaudir de pé. Praticamente sem falhas, apesar da trama demora um pouco mais do que poderia, ou deveria, mas mesmo assim, nota dez.
Tipo de filme que deixa o cenário nacional de filmes de Terror orgulhoso. Obrigatório