A Casa dos Pássaros Mortos
Original:Dead Birds
Ano:2004•País:EUA Direção:Alex Turner Roteiro:Simon Barrett Produção:David Hillary, Timothy Wayne Peternel, Ash R. Shah Elenco:Henry Thomas, Nicki Lynn Aycox, Isaiah Washington, Michael Shannon, Patrick Fugit, Mark Boone Junior, Muse Watson, Melanie Abramoff, Donna Biscoe, Brian Bremer, Russ Comegys, David Dwyer |
Aqueles efeitos de filtros de imagem, também comuns em aplicativos, que permitem que as pessoas se transformem em monstros, demônios, palhaços e até adquiram asas e chifres alteraram o modo como aconteciam os processos de mutações no gênero. Já existia a transposição de imagens desde os primeiros filmes fantásticos, principalmente os de lobisomens, mas ela foi facilitada pela evolução do chamado efeito morph, que rimava imagens de pessoas diferentes (lembra do clipe do Michael Jackson?) ou estabelecia a transformação de alguém em monstro, como visto no filme Sonâmbulos. A técnica foi evoluindo na desconstrução de rostos, seja nas múmias ou vampiras de Stephen Sommers, ou nas assombrações de Fenômenos Paranormais, Stay Alive e neste A Casa dos Pássaros Mortos, evidenciando a artificialidade que sobrepunha as maquiagens convincentes.
Essa introdução sobre efeitos especiais, sem me alongar no processo gráfico, serve como lamento pelas boas histórias de fantasmas e monstros que se perdem em efeitos risíveis e pouco convincentes. Se você não consegue acreditar que o personagem está realmente diante de uma assombração, como o medo irá se estabelecer? É o caso do único bom trabalho de Alex Turner (fez depois o terrível Força Maligna e mais nada), que poderia ir além do ótimo roteiro de Simon Barrett (Você é o Próximo) para adentrar numa produção realmente assustadora.
A Casa dos Pássaros Mortos é daqueles filmes que você precisa ver mais de uma vez para consumir toda a sua essência. Quando assisti pela primeira vez, achei uma interessante história de horror ao estilo casa assombrada, em um cenário desolador, inquietante. Sabendo das nuances que envolvem sua proposta, como a mitologia que relaciona demônios, assombrações, possessão, vingança e claustrofobia, a produção vai adquirindo uma qualidade maior em uma segunda conferida, revelando detalhes que tornam a obra muito mais aterrorizante e curiosa. Se não fossem aqueles excessos digitais, o longa poderia figurar entre os grandes destaques do gênero neste século, quase como um novo clássico.
Ambientado durante a Guerra Civil Americana, mais precisamente em 1863, o filme começa com um grupo de soldados desertores assaltando um banco de maneira extremamente violenta, com sangue vertendo por artérias e muita agressividade. William (Henry Thomas) é o chefe do bando ao lado de sua namorada Annabelle (Nicki Aycox, a sensitiva de Olhos Famintos 2), seu irmão Sam (Patrick Fugit) e os comparsas Clyde (Michael Shannon), Joseph (Mark Boone Junior) e o escravo fugido Todd (Isaiah Washington). Alguns sinais já indicam que não terão sorte na jornada em busca de abrigo: ao atirar em um policial mais à frente na cidade, ele acerta fatalmente um garoto; e o grupo encontra um pastor recolhendo corpos, vítimas de combate. Ao ser questionado sobre a localização da fazenda Hollister, o sujeito diz não existir nada nas redondezas, provavelmente já servindo de alerta sobre os riscos do percurso.
A tal fazenda é envolta por uma imensa plantação de milho, morta, seca e escura. A aproximação da morada faz com que atirem em algo se movimentando no local, que acaba se revelando uma criatura não identificada, uma espécie de animal sem pelos. Também encontram um espantalho, com um saco sobre a cabeça, e que possui a estrutura física perfeita de um homem, intrigando Annabelle; assim como um pássaro morto na entrada – muitas indicações de que há algo errado naquela fazenda onde aparentemente nada vive. Depois de inspecionar os cômodos, o grupo já deixa evidente traços de que poderá existir alguma traição: Clyde diz a Joseph que não acha justo receber “a mesma quantia de ouro que um negro“, e espera eliminar outros como a própria Annabelle e permitir ganhos maiores.
Atenção para spoilers no próximo parágrafo
Enquanto trabalhava como enfermeira de guerra, Annabelle conheceu William. Ela já namorava um outro rapaz, Jeffy Hollister (Harris Mann), ferido no local, e foi como eles souberam que essa fazenda poderia servir como refúgio. Outras pistas são dadas pelo enredo, envolvendo os antigos moradores, mostrados em fotografias. Quando sua esposa ficou doente, vítima de tuberculose, o dono da morada (Muse Watson, o assassino de Eu Sei o que Vocês Fizeram no Verão Passado) encontrou um ritual com um de seus escravos, e o realizou para tentar curá-la, fazendo sacrifícios no porão. Abriu portais para uma dimensão paralela, transformando seus filhos em demônios. Eles foram mortos ali, e seus corpos foram jogados em um poço. Mais tarde a população invadiu o terreno para prender o bruxo, colocando-o como um espantalho – o tal visto no começo. As crianças vagueiam como almas perdidas, assim como qualquer pessoa que adentre suas terras acabarão se transformando em entidades como a que fora vista correndo pelas fileiras quando eles chegaram.
Fim dos spoilers
Assim, o bando passa a ser atormentado por assombrações, com as tais bocas escancaradas de um filtro de imagens. Veem fantasmas que, quando vivos, residiram ali, como escravos e as crianças, assim como sons estranhos, vultos e pegadas que passam de humanas para a de criaturas. Os corpos destroçados dos cavalos e o desaparecimento gradual do grupo evidenciam que a moradia é um lugar maldito, esquecido por seu passado grotesco de dor e sofrimento, e que qualquer visitante dificilmente conseguirá sair vivo. Quando Annabelle percebe o que o destino reserva, terá que convencer William a deixar o ouro para trás para encontrar um outro local para se abrigar.
Sem aquelas explicações detalhadas, apenas com o recurso dos flashbacks e visões, A Casa dos Pássaros Mortos se mostra uma produção inteligente, cujos clichês do gênero se disfarçam em uma trama demoníaca, de claustrofobia e maldição. Contam com o apoio da ambientação sinistra, do bom elenco, encabeçado pelo outrora “menino do filme ET“, e pelo contexto que envolve os reflexos da guerra e da escravidão. Espalha pelos cômodos e principalmente pelo celeiro e porão pistas que deixam a entender sua proposta, com destaque para a sequência em que Todd encontra uma mulher presa e assiste ao seu sacrifício, sem imaginar que se trata da repetição de algo que acontecera anteriormente.
Imagine essa mesma trama realizada há uns quarenta anos, sem efeitos digitais, trabalhando um horror sugestivo e gradual. Já seria o suficiente para tornar a casa dos Hollisters como uma das ambientações mais apavorantes do cinema de horror, um lugar que valeria a pena visitar mais vezes. Nem que seja para ver tudo de novo.
Eu adorei esse filme quando o vi, achei a violência gráfica impactante desde a primeira cena, mas senti muito pelos efeitos serem tão toscos. Sempre tentei lembrar do nome do filme mas não achava, e hoje encontrei essa critica sem querer, e que traz muito do que eu mesmo pensei quando vi! Uma repaginada, nas mãos de um bom diretor e elenco eficiente, seria sensacional, nem precisa mudar quase nada do enredo.