3.6
(11)

A Catedral
Original:The Church / La chiesa
Ano:1988•País:Itália
Direção:Michele Soavi
Roteiro:Dario Argento, Franco Ferrini, Michele Soavi
Produção:Dario Argento, Mario Cecchi Gori, Vittorio Cecchi Gori
Elenco:Hugh Quarshie, Tomas Arana, Feodor Chaliapin Jr., Barbara Cupisti, Antonella Vitale, Giovanni Lombardo Radice, Asia Argento, Roberto Caruso, Roberto Corbiletto, Alina De Simone

A Catedral quase que se tornou parte da franquia Demons, de Lamberto Bava. Pelo menos era o que desejava o diretor de Demons e Demons 2, apostando nos mistérios que envolvem uma catedral antiga com a dispersão de criaturas satânicas nas situações mostradas nos dois filmes. Mas Michele Soavi idealizou seu trabalho como algo de fino trato, com a construção de um horror metafórico, que retratasse obras de arte clássicas e apresentasse os acordes iniciais de um inferno na Terra. Dario Argento, que assumiu diversas funções no filme, incluindo roteiro, revelou em algumas entrevistas sobre a conexão com a franquia de Bava: “Nunca foi Demons 3. Ninguém além de Lamberto quis fazer Demons 3. Eu não queria, o estúdio não queria, ninguém queria.

Com a negativa aberta, Bava, que havia participado da concepção inicial, abandonou o projeto para se dedicar a produções para a TV, enquanto Michele Soavi assumiu a direção. Não gostou de absolutamente nada do que viu e fez alterações no roteiro, trabalhando em parceria de Franco Ferrini e Argento, com acréscimos de diálogos por Nick Alexander, e a sequência do prólogo a cargo de Fabrizio Bava. Soavi via um roteiro forte, perdendo força no meio até sua conclusão intensa, mas sentia que algumas lapidações seriam necessárias para desenvolver a obra, assim como o orçamento. A Catedral, desenvolvida para o mercado norte-americano, foi uma produção muito cara para os moldes da época, custando pouco mais de três milhões e meio de dólares, uma aposta que custou muito esforço em seu desenvolvimento para o resultado apresentado.

Filmado na Igreja Matthias, em Budapeste – o único ambiente que permitiu a realização da proposta, depois de uma busca na Itália, França, Alemanha e Suíça -, e também nos estúdios RPA Elios e De Paolis In.Ci.R, entre setembro e novembro de 1988, A Catedral chegou aos cinemas italianos em março de 1989. Fez uma boa bilheteria, apesar de ter sofrido com a censura, recebendo uma certificação que permitia que fosse visto por pessoas maiores de 18 anos. No ano seguinte, houve uma nova classificação, liberando para idade superior a 14 anos, exatamente em seu lançamento nos EUA pela TriStar Pictures. Com boas críticas na época, tendo mais de 60% de aprovação, o filme marcou o fim da parceria entre Dario Argento e Michele Soavi, por diferenças criativas, mas deixou uma impressão positiva sobre os rumos do cinema italiano a partir de então.

Os cavaleiros teutônicos (ordem religiosa posterior às cruzadas e que veio com a proposta de defender a fé, mas acabou se tornando reconhecida pelo sadismo e violência contra os que não aceitavam suas determinações ou eram acusados de bruxaria), da Alemanha medieval, chegam a um vilarejo em busca de uma adoradora do diabo, no interior de uma caverna local. Com capacetes em forma de baldes, com o visor no formato de uma cruz, eles exterminam não somente os acusados, como todos os moradores do vilarejo próximo, com o apoio de um religioso local. A matança violenta também inclui uma jovem (Asia Argento), que tentava se camuflar dos inquisidores. Os corpos são deixados numa grande vala, enterrados, com a sugestão de que fosse construída no local uma igreja, capaz de abrandar todo o ambiente maldito.

Nos tempos atuais – lê-se final da década de 80 -, um travelling da câmera de Soavi mostra que uma imensa catedral, numa belíssima construção gótica, foi erguida. É lá que atualmente trabalha a atrapalhada restauradora Lisa (Barbara Cupisti, de O Estripador de Nova York), que conhece o recém-chegado bibliotecário Evan (Tomas Arana, de A Filha do Demônio), atrasado em seu primeiro dia, conforme fora notado pelo bispo (Feodor Chaliapin Jr.). No local, o rapaz também conhece o padre Gus (Hugh Quarshie, de Raça das Trevas), a filha do sacristão Hermann (Roberto Corbiletto), Lotte (novamente Asia Argento) e o reverendo (Giovanni Lombardo Radice, que vira alimento de canibais em Cannibal Ferox).

Ao restaurar um afresco no porão e ainda com o apoio dos trabalhadores locais e suas britadeiras, Lisa descobre um pergaminho escondido em um buraco e o mostra para um interessado Evan. Enquanto a garota quer intimidades e gosta de ler Mickey Mouse, Evan percebe que os textos estão em latim invertido e indicam uma passagem através de uma “pedra de sete olhos“. Mais tarde, ao encontrá-la e desvendar seu selo, ele encontra um saco com ossos e é possuído por uma força demoníaca, enquanto Lisa é atormentada por pesadelos que dão pistas de um ritual que irá acontecer, além de receber a visita de uma criatura com cabeça de bode. Evan ataca o sacristão, devorando seu coração simbolicamente, tenta estuprar Lisa e age com insinuações para Lotte.

O sacristão revela ao padre Gus – que realiza treinos com arco e flecha, mesmo isso não tendo relação alguma com a proposta – que está possuído por alguma entidade satânica e depois se mata com uma britadeira, desencadeando um mecanismo que tranca a Catedral, mantendo em seu interior algumas pessoas que rezavam, pessoas envolvidas com as fotos de um casamento, um casal de motociclistas e um grupo de crianças em excursão. Se você imagina que irá ver demônios como os de Demons atacando e devorando os locais, obrigando-os a uma luta pela sobrevivência, esqueça. Assim como também nem se preocupe com Lisa e Evan, pois irão sumir da narrativa, preocupada em construir cenários de pesadelos e cenas aterradoras.

São realmente recortes do inferno. Um homem cobra alado abraçado à motoqueira, um imenso rolo de carne e corpos, um rapaz tocando trompete, a idosa usando a cabeça de seu esposo para tocar o sino, a mulher que é atropelada pelo trem na tentativa de fugir do local… um festival gore de sequências sangrentas, nojentas e efeitos bizarros, que devem ter orgulhado José Mojica Marins por ter servido de inspiração indireta. Com maior destaque, claro, para a cena de acasalamento, onde Lisa aparece nua em um ato sexual com um demônio, o mesmo que a visitara anteriormente. A garotinha Lotte adquire uma certa importância quando suas fugas pelos túneis dão indicação de uma possível rota para os aprisionados, caso o que Gus descobrira com o bispo seja verdade: há um local exato na Catedral que permite que ela seja inteiramente destruída.

A Catedral não figura entre os melhores trabalhos de Michele Soavi. O ritmo não agrada, a narrativa é cheia de equívocos – o mais gritante é aquele em que Lisa telefona para a polícia e salta da janela apenas para encontrar os militares já do lado de fora, informando que rastrearam a ligação, um exemplo de eficiência sobrenatural. Já o enredo prepara o espectador para um terror absoluto, mas o mostra de maneira passiva, episódica. Quando se imagina que Gus irá se revelar como o grande guerreiro contra o Mal, o roteiro se perde na exposição de seus cenários. Simbolicamente, trata-se de uma ótima produção satânica, que mergulha o espectador em um balde de água fervente, porém sem criar a tensão necessária, desviando o foco para sua vitrine perversa.

Para os apreciadores de um horror que mistura simbolismo com gore em profusão, A Catedral se mostra eficiente. É possível até imaginar quais seriam as intenções de Lamberto Bava quando ainda assumia a função de diretor, mas não era exatamente o que os demais envolvidos pretendiam. Ao final, pode-se recomendar um passeio pela grandiosa catedral e apreciar suas belíssimas exposições e seu contexto, mas sairá de lá com a sensação de que faltou alguma coisa.

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Média da classificação 3.6 / 5. Número de votos: 11

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3 Comentários

  1. Merece a fama que tem, mas o filme cai muito no terço final, a partir da cena em que a igreja é fechada com aquela turba dentro: uma sequência de imagens fortes jogadas numa confusão que, se pretendia metafórica, falhou miseravelmente. Um detalhe muito interessante: as personagens mais heróicas e virtuosas são um negro e uma adolescente que desobedece o pai religioso e cai na vida mundana durante a noite, numa inversão bem legal do moralismo típico e mal disfarçado de muitas outras produções do gênero.
    Realmente, faltou algo para ser uma obra-prima de fato!

  2. Esse filme realmente tem alguns belos vislumbres do que seria um inferno na Terra, mas infelizmente tem um sério problema de ritmo, o que acaba diminuindo um pouco o impacto das cenas mais perturbadoras.

  3. Eu adoro esse filme!!! Aluguei muito em VHS quando era moleque kkkkkk. De fato, me dá a mesma sensação que Força Sinistra: é bom, divertido, interessante e embora falte algo, é extremamente nostálgico. Eu adoro a década de 80 (e um pouco da 90). Sinto falta dessa “criatividade despudorada” no terror atual.

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