Dentro da Casa
Original:Dans la maison
Ano:2012•País:França Direção:François Ozon Roteiro:François Ozon, Juan Mayorga Produção:Eric Altmayer, Nicolas Altmayer, Claudie Ossard Elenco:Fabrice Luchini, Vincent Schmitt, Ernst Umhauer, Kristin Scott Thomas, Emmanuelle Seigner, Denis Ménochet, Jean-François Balmer, Bastien Ughetto, Yolande Moreau, Catherine Davenier, Jacques Bosc |
Existem muitos livros que são escritos como filmes com a pretensão óbvia de serem adaptados futuramente, mas existem poucos filmes que fazem o caminho oposto, nos trazendo um roteiro que soa literário. Para mim essa narrativa mais calma e poética geralmente tende a ter um texto mais provocativo, que convida a sua audiência a imaginar mais do que ver. O filme que trago hoje, Dentro da Casa, é um exemplo perfeito desse estilo de narração, mostrando-nos uma trama de suspense de primeira linha, que consegue enganar seu público sem apostar em grandes reviravoltas, e consegue convidar a nossa imaginação de maneira ativa para a obra, quase como se fôssemos parte do elenco.
Germain (Fabrice Luchini) é um professor de literatura que está quase se aposentando e sente que seu trabalho já não é tão animador. Ele reclama diversas vezes para sua esposa do quanto os alunos são fracos e desinteressados e o quanto a rotina do ensino está sendo cansativa para ele. Em um retorno das férias em uma sala de ensino médio, ele dá aos alunos uma tarefa simples e clichê: uma redação com o tema do último final de semana dos estudantes.
É na correção desses trabalhos que nossa história começa, com uma frase atípica e instigante: “Um perfume me chamou a atenção, o singular perfume da mulher de classe média”. Esse breve recorte está na redação do jovem Claude (Ernst Umhauer).
O garoto inicia sua redação nos contando sobre sua curiosidade acerca da vida de seu amigo Raphael Artole (Bastien Ugheto), que também estuda na mesma classe. O garoto é de classe social mais alta, tendo supostamente uma família bem estruturada e uma casa grande, cheia de cantos a serem explorados. Nessa redação, Claude nos conta sua primeira entrada no lar de Raphael após ser convidado pelo mesmo, e o “cheiro da mulher de classe média” vem da mãe do garoto. Ele nos narra de maneira quase poética que passará a entrar nessa casa com mais frequência por ter conseguido cativar os pais de seu amigo e isso é perfeito, pois só assim ele irá conseguir cumprir o seu maior objetivo, que é…
A redação termina assim como minha sinopse, aberta, com suposições do que virá a seguir, como num livro rasgado e encontrado no ônibus ou no metrô. Só sabemos aquele momento da história, e iremos acompanhar os acontecimentos com as novas redações que serão apresentadas. Assim como nós, o professor perde sua posição de superioridade acadêmica para ficar entregue como qualquer leitor a uma boa trama. Será verdade a história contada por Claude? Quais são seus objetivos naquela casa? Do que esse jovem garoto é capaz?
Aos poucos, vemos que o garoto se torna mais ousado, passando de mero observador curioso para alguém que interfere na vida de seus observados, inclusive na vida de Germain, que entra numa obsessão tão grande com a trama que abre mão do bom senso, correndo risco até de perder seu casamento. O garoto mostra seu brilhantismo ao mesmo tempo que antevê sua obsessão, numa relação que beira entre a admiração e uma sedução homoerótica.
Essa é uma história que pode te perder de maneira fácil por seu modo de narrativa, mas que, se te fisgar, te fará entrar em estado de quase paranoia. A direção de François Ozon consegue captar a intimidade indiscreta, fazendo com que nos sintamos culpados por espiar a vida alheia – claramente esse filme tem seu eco em Janela Indiscreta, de Alfred Hitchcock, obviamente estando a muitos anos de distância do mesmo. Todavia, é uma obra que é curiosa, instigante e que fecha seu ato com cortinas entreabertas, convidando-nos a espiar mais, espiar outros lugares, mas sempre com o alerta de Nietzsche ressoante, pois como ele mesmo disse: “Quando você olha muito tempo para um abismo, o abismo olha de volta para você”.