Escolha ou Morra
Original:Choose or Die
Ano:2022•País:UK Direção:Toby Meakins Roteiro:Toby Meakins, Simon Allen, Matthew James Wilkinson Produção:Sébastien Raybaud, Matthew James Wilkinson, John Zois Elenco:Iola Evans, Asa Butterfield, Robert Englund, Angela Griffin, Ryan Gage, Eddie Marsan, Kate Fleetwood, Pete MacHale |
Há certas escolhas da Netflix que são incompreensíveis. Se alguns de seus originais são dignos de nota, como a própria série Stranger Things e os que envolvem Mike Flanagan, por outro lado, há produções que não se justificam pelo tamanho da plataforma. Fica até difícil entender uma razão pela alimentação constante do sistema de streaming com obras que envolvem zumbis em ambientes claustrofóbicos, uma seita adolescente e tecnologias enlouquecidas que não seja apenas pela ampliação do catálogo ou para impedir que outros adquiram o produto. Talvez uma comédia aqui ou um drama chumbrega acolá possa trazer algum retorno positivo e o interesse dos executivos da Netflix, mas, no que se refere a terror, ela deixa muito a desejar.
Um dos exemplos recentes é o terror Escolha ou Morra (Choose or Die, 2022), debut de Toby Meakins, que chegou ao streaming dia 15 de abril. Trata-se de uma mistura de Medopontocombr (lembra dele?) com aquelas maldições orientais que fizeram sucesso na primeira década desse milênio, com uma pitada dos saudosos anos 80. Apesar da mistura, fica no meio termo, na ponte que separa os apreciadores de River Raid dos amaldiçoados por uma menina de cabelos longos. E há uma certa dose de Jogos Mortais ali, se Jigsaw tivesse descoberto meios sobrenaturais para alcançar seus propósitos, além da presença sonora de Robert Englund atuando como ele mesmo para emprestar sua voz às ligações de Curs>r, um jogo lançado em 1984, ano de lançamento de A Hora do Pesadelo.
Curs>r é um jogo maldito, desenvolvido por uma tal Kismet – que aparece durante todo o filme, até mesmo no prédio onde a azarada Kayla (Iola Evans) trabalha como faxineira. Numa vida de traumas, como o que envolve a perda do irmãozinho afogado, e que levou sua mãe a se afundar em drogas fornecidas por um traficante que vive à espreita, a garota tem no amigo Isaac (Asa Butterfield) seu único refúgio, sem sequer lhe dar uma chance para se tornarem algo além disso. Especialista em informática e jogos de computador, Isaac encontra o tal jogo Curs>r, e permite que Kayla o experimente antes dele. Mal sabem os dois que o tal jogo chegou até eles depois que um fã do universo oitentista resolveu jogá-lo, tendo que fazer escolhas que mutilaram sua família, obrigando-o a reproduzi-lo em massa.
Assim que Kayla entra na primeira fase do jogo, nota que a garçonete próxima a ela está sendo influenciada por suas decisões, ainda que de maneira macabra. Ao conquistar o desafio sangrento, a garota perceberá que está presa ao jogo, tendo que passar por diversas fases, sendo que algumas fisicamente, até finalmente alcançar o chefão. Apesar do diálogo entre jogos dos anos 80 – aqueles que traziam apenas um cursor e você tinha que responder algo para ler as próximas etapas, similar ao Spectrum – com maldição sobrenatural e desafios, Escolha ou Morra vai perdendo força a cada nova fase apresentada. Até a terceira você ainda se diverte pelas ideias do roteiro de Simon Allen, Matthew James Wilkinson e Toby Meakins, que também dirige o filme, mas depois o que acontece toca o nível da vergonha alheia.
Se a busca pela raiz do jogo parece interessante, a sequência final é pura tosquice. Nem mesmo os antigos jogos de Atari ou os do computador MSX, com suas limitações técnicas, conseguiram apresentar uma conclusão tão estúpida. E o longa ainda peca pelos clichês absurdos e falta de informações: como um jogo consegue a participação de Robert Englund em seu auge pela conquista do papel de Freddy Krueger, e ninguém nunca soube disso? O que aconteceu com o jogo após os anos 80 para que ele voltasse apenas depois de trinta anos? O que seria a tal Kismet? Uma empresa ao estilo Umbrella, da série Resident Evil?
Escolha ou Morra tinha potencial para mais. Muito do que era popular nos anos 80 podia ter servido de referência na construção do jogo, relembrando os antigos códigos que eram programados para criar joguinhos simples e vinham em revistas especializadas. Talvez as escolhas erradas irão condenar o filme ao seu completo esquecimento.
N.E e N.A: escrevi essa crítica ano passado, pouco depois do lançamento do filme. Nem lembrava dela até esbarrar com o texto nos meus arquivos. Uma amostra do quanto a produção foi facilmente apagada da minha lembrança. E a Netflix? Um ano e meio depois, além dos valores de assinatura e a tentativa de impedir acessos, o que ela tem apresentado de interessante para o terror, além da série de Mike Flanagan?