Palhaços Assassinos do Espaço Sideral
Original:Killer Klowns from Outer Space
Ano:1988•País:EUA Direção:Stephen Chiodo Roteiro:Charles Chiodo, Stephen Chiodo Produção:Charles Chiodo, Edward Chiodo, Stephen Chiodo Elenco:Grant Cramer, Suzanne Snyder, John Allen Nelson, John Vernon, Michael S. Siegel, Royal Dano, Christopher Titus, Irene Michaels, Aeron Macintyre, Danny Kovacs |
Para qualquer amante do cinema, existem aquelas produções que transcendem o tempo em que foram realizadas e que acabam gerando uma memória afetiva para além dos defeitos aparentes que notadamente têm. Para muitos, a simples menção traz memórias particulares de risadas, arrepios e diversão, e esta é a mais perfeita definição de guilty pleasure.
Peça para um fã de horror listar seus guilty pleasures favoritos e você terá uma lista tão variada quanto são as atrações de um circo, mas fazendo uma interseção entre as escolhas desse público e dos coulrofóbicos (e não somos todos?), um título será citado com bastante frequência. Mais especificamente uma pequena comédia de terror e ficção científica lançada em 1988 denominada Killer Klowns From Outer Space, que é um dos títulos mais legais e auto descritivos da Sétima Arte, junto com O Incrível Homem que Encolheu (1957) ou O Ataque dos Tomates Assassinos (1978).
Por aqui o título acabou se perdendo na tradução para o português, sendo distribuído em VHS e exibido na TV Aberta com o simplório nome de Palhaços Assassinos (removendo o “Espaço Sideral” do original). Apenas décadas depois, quando do lançamento em DVD, que finalmente no Brasil o filme passou a ser chamado de Palhaços Assassinos do Espaço Sideral.
E não é preciso ir muito longe para entender o porquê de estas criaturas serem tão adoradas quanto temidas: é a perfeita junção entre um roteiro simples e tipicamente oitentista, monstros carismáticos e uma direção carregada de amor pelo projeto desde o marco zero. Não tinha como dar errado, não é? Apesar de ter custado míseros dois milhões de dólares de orçamento, Palhaços Assassinos do Espaço Sideral poderia estar lado a lado com Gremlins (1984), Os Goonies (1985) e outros clássicos da época, mas pouca gente entendeu a piada e a película não foi tão bem em bilheteria. O culto aos palhaços alienígenas foi ressurgindo aos poucos com o home vídeo e criou uma sólida base de fãs que tem este como filme de estimação até hoje.
Abrindo após os créditos iniciais, estamos numa típica cidadezinha interiorana dos Estados Unidos chamada Crescent Cove. A noite é sempre tomada pelos adolescentes que saem a procura de diversão barata e sexo, para desespero do quadrado e rabugento policial nMooey (John Vernon).
Nesse cenário um grande meteoro risca o céu e cai nas proximidades do “topo do mundo”, que nada mais é do que um local onde esses jovens, sem dinheiro para um motel, vão com suas namoradas dar uma esticadinha durante a madrugada. No terreno de uma fazenda próxima, um velho fazendeiro (Royal Dano) e seu cão fiel saem para investigar a misteriosa aparição, pensando que se trata do Cometa Halley pousando em sua propriedade, e grande é a surpresa deles ao se depararem com uma enorme tenda de circo armada, repleta de luzes, instalada no meio do mato! O fazendeiro não se deixa intimidar e se aproxima para, quem sabe, conseguir ingressos grátis para o circo, quando uma sombra sinistra aparece repentinamente e captura seu sabujo e logo depois o próprio velho.
No próximo corte já conhecemos os protagonistas, os amantes Mike Tobacco (Grant Cramer) e Debbie Stone (Suzanne Snyder), que como tantos outros da mesma idade estão no “topo do mundo” naquele momento, tentando “dar uns amassos” e bebendo champanhe em cima de um bote inflável dentro do carro… Deve ser difícil.
Mas são os únicos interessados em procurar o local da queda. Assim, movidos pelo impulso, contrariando qualquer recomendação trazida por filmes de ficção científica envolvendo quedas de meteoros e sem saber do destino do fazendeiro, ao adentrar a tenda gigante, eles se deparam com uma coleção bizarra de maquinários, junto com casulos feitos de algodão-doce, que constatam estarem recheados com restos humanos em decomposição (e o velho fazendeiro é o primeiro que avistam).
Durante o previsível processo de fuga, o casal desperta a atenção dos habitantes da tenda e percebe que não está num circo europeu pós-moderno (como sugerido por Mike), mas em uma nave espacial pertencente aos palhaços assassinos, uma gangue alienígena que veio ao nosso planeta para coletar corpos com objetivo de se alimentar deles.
Prontos para tomarem de assalto a pacata Crescent Cove e completarem sua despensa particular, os palhaços saem para a cidade armados com uma malícia sem limite e um inventário de armas e truques usados para facilmente subjugarem os humanos. Em uma tentativa desesperada de evitar a calamidade na comunidade, o casal tenta buscar a ajuda de Dave Hanson (John Allen Nelson), cético xerife de plantão (que, coincidentemente, é ex-namorado de Debbie) acompanhado do incrédulo Mooney e, posteriormente, dos irmãos Terenzi, dois trapalhões que tiraram a noite para vender sorvete em um caminhão com uma, acredite, escultura de palhaço gigante no teto do veículo!
Os realizadores dessa pérola são três irmãos: Charles, Edward e Stephen, os irmãos Chiodo, e como produtores, roteiristas, coordenadores de efeitos especiais e/ou diretores conseguiram trazer uma explosão de cores, humor e referências aos filmes de ficção científica dos anos 1950 poucas vezes vista.
É fácil pensar que, com um conceito batido há mais de trinta anos e um bando de palhaços matando ou capturando pessoas como rotina, poderia ser enfadonho. De fato, na parte do curioso conceito mitológico de que o circo foi incorporado à humanidade por alienígenas sádicos, não há reviravoltas significantes e a história é simples, até boba se olhar em retrospecto, contudo os Chiodo superam esta tendência negativa na execução perfeita aliada a fatores primordiais: vigor, criatividade e nostalgia.
Começando pelo design dos antagonistas… É verdade que são todos palhaços da mesma espécie, porém como são feitos com cores vivas e marcantes, cada um deles possui características que os tornam únicos, não havendo remota possibilidade de não se simpatizar com eles. O mesmo se aplica à nave e à decoração interna, uma mescla de contemporaneidade, pelo fato de estarmos falando de uma nave espacial, porém trazendo detalhes que remetem imediatamente a um circo clássico, com todos seus equipamentos e aparatos luminosos. Dessa forma, a produção supera brilhantemente o orçamento minúsculo usando para isso todos os recursos conhecidos na Sétima Arte até então para contar sua história, de animatronics a stop motion.
Os efeitos são muito práticos, o que é bem diferente de ter sido fácil para colocar na tela, especialmente com o dinheiro curto que tinham. Até o “cão balão”, por exemplo, deu muito trabalho, pois como a cena em que aparece fica no meio de uma floresta cheia de pinheiros pontudos e pedregulhos, era só a bexiga tocar no chão que estourava, tendo que começar toda a cena do começo. Essa dificuldade foi sanada com a aplicação de látex ao redor do balão para dar mais resistência. Em outra passagem, relacionada a um acidente de carro, foi preciso fazê-la rezando para dar certo de primeira, pois não havia outro veículo disponível para elaborar a cena se fosse necessário (na verdade, deu errado e parece que o carro “desliza” pelo penhasco em vez de cair). Com pouca grana, várias cenas secundárias precisaram ser cortadas da edição final por falhas da iluminação e efeitos que não puderam ser refeitos.
Outras tiveram que se adaptar às regras da pequena cidade de Watsonville, nos arredores de Santa Cruz, Califórnia: como uma cena escrita que envolvia uma perseguição, mas não foi autorizada para a filmagem que carros passassem em alta velocidade pelas ruas. A solução foi filmar na velocidade permitida e acelerar a cena na edição… Criatividade pura em funcionamento!
A nostalgia vem das inúmeras referências, da queda do meteoro na abertura que já evoca A Bolha (curiosamente seu remake, A Bolha Assassina, também foi lançado em 1988), passando pelo código da porta da nave que lembra o tema de Contatos Imediatos do Terceiro Grau (1977) logo no começo, e os casulos de Invasores de Corpos (1978). Cada cena tem uma referência oculta ou características que remetem a um determinado clichê ou subgênero, o que não somente torna o filme gostoso de assistir pela primeira vez, mas provoca a vontade de voltar ao ataque a Crescent Grove repetidas vezes para procurar algo que passou despercebido.
Com tanta cor e animação, é obvio que jamais seria levado a sério se fosse conduzido como um horror ou sci-fi convencional e, pensando nisto, além dos cenários e fantasias, os Chiodo (especialmente o diretor Stephen) imprimiram na película um ar de comédia que faz toda a diferença. Embora existam cenas que tentem evocar algum medo e tensão genuínos – como uma em que um palhaço tenta atrair uma criancinha com uma marreta gigante escondida nas costas – este sentimento opressor logo é desfeito em favor de uma piada, de uma situação absurda, ou de um trocadilho intraduzível no diálogo, mantendo o tom descompromissado e irreverente do restante da produção. Afinal, em qual outro clima uma decapitação poderia se tornar engraçada se não fosse elaborada como num desenho dos Looney Tunes? Tudo seguindo na batida também de um desenho animado, pois não há uma única cena sobrando ou monotonia na tela, com novidades mostradas a todo momento, ou seja, são 88 minutos dinâmicos.
E o elenco corresponde à altura. Evidentemente é estranho ver que todos os tais “adolescentes em idade colegial” retratados no filme são interpretados por atores na casa dos trinta anos, todavia estão todos bem entrosados dentro de seus estereótipos e fazem bem o seu trabalho, sem comprometer o andamento. Talvez com exceção dos irmãos Torenzi, cujas intervenções são estúpidas demais para serem engraçadas, apesar de os Chiodo afirmarem que se basearam em figuras reais de sua própria adolescência.
O mais experiente, John Vernon, incorpora seu papel em O Clube dos Cafajestes (1978) e é o principal destaque, roubando todas as cenas com seu carrancudo e truculento oficial Mooney, que tem a certeza de que a cidade está em um complô para sacaneá-lo com esta história de ataque de “palhaços do espaço sideral”, mesmo após centenas de ligações telefônicas e relatos de Dave – simplesmente hilário.
Ainda que no final das contas o filme tenha envelhecido bastante, o que foi fundamental para torná-lo perene e um guilty pleasure por excelência até os dias de hoje, todo este ambiente bizarro desenvolvido pelos Chiodo – que são declaradamente coulrofóbicos – foi criado com um amor ao projeto que é escancarado em todas as entrevistas que já deram sobre Palhaços Assassinos do Espaço Sideral. Esta verdade e espírito passados com capricho para o espectador são o que o fazem desvencilhar-se do rótulo pejorativo de “trash”, o que demonstra um crime quando se pensa que os irmãos não produziram nenhum outro filme desde então.
Em sua terra de origem, Palhaços Assassinos do Espaço Sideral foi lançado no dia 27 de maio de 1988 em apenas 893 cinemas, mas rendeu o suficiente para cobrir seu orçamento já no primeiro fim de semana. Exibido também em sessão dupla com outras produções da época em Drive In’s e cinemas menores, fechou as contas com modestos 15,6 milhões de dólares de arrecadação local, mais 28 milhões de dólares no restante do mundo. Mas foi só depois, nas locadoras e na televisão, que o boca a boca fez as pessoas passarem a conhecer melhor este trabalho dos irmãos Chiodo. Ainda hoje são lançados bonecos articulados com a representação dos icônicos palhaços criados pelos irmãos que sempre vendem bem em diversos fansites e homenagens espalhadas pela internet, consolidando a admiração causada por esta pequena obra.
No Brasil o filme nunca foi lançado nos cinemas, caindo direto em um VHS, relativamente fácil de encontrar, lançado pela finada Alvorada Vídeo, mas provavelmente quem viu e está perigosamente chegando na casa dos 40 anos como eu, deve se lembrar muito mais das inúmeras reprises na TV aberta durante as tardes dos anos 1990. Em tempos mais recentes foi disponibilizado em DVD com opção de dublagem, lançada pela obscura distribuidora Signature Pictures, um braço da igualmente obscura Continental Vídeo, em um disco caro e sem extras relevantes ou em combo com disco de extras, blu-ray e CD com trilha sonora lançado pelo selo DarkFlix, que ainda é possível encontrar em catálogo, contudo baseado nas diversas reclamações publicadas sobre a qualidade do material, considere a recomendação com reservas.
Aos colecionadores que buscam um pouco mais de qualidade e têm bolsos mais fundos, nos Estados Unidos é possível encontrar o filme em diversos lançamentos por várias distribuidoras, dentre elas MGM e Arrow com fartos e excelentes materiais suplementares. O da Arrow, inclusive, possui remasterização de áudio em Sourround 5.1. Esteticamente a melhor versão disponível até o momento é a edição especial britânica que contém o DVD e o Blu-ray em uma capa em Steelbook remetendo ao pôster original do filme.
A música-tema que toca nos créditos finais foi gravada pela banda de punk rock The Dickies e lançada como EP em 1988 (em fita cassete, Vinil e CD) com outras quatro músicas pela Enigma Records e reimpressa em CD no ano de 2005 pela Restless Records. Já a interessante trilha incidental composta por John Massari (de Comando Cobra), que foi composta com supervisão dos irmãos Chiodo, foi lançada somente em 2006 em CD, incluindo a música dos The Dickies, com quatro faixas bônus contendo versões alternativas ou remixadas.
Sobre uma esperada continuação, esta é uma novela a parte: houve muita especulação e poucas notícias concretas, até que, nos comentários em áudio do DVD americano, gravado pelos Chiodo em 2001, eles divulgaram estar planejando esta sequência com o retorno de Grant Cramer no papel principal. O projeto estava em maturação desde 1998 e sem conseguir um acordo de distribuição que permitisse o lançamento em 2012 (próximo do aniversário de 25 anos do original), a produção ficou em compasso de espera. Mesmo com um roteiro pronto, havia nova previsão de lançamento para 2016 e em 3D. Como sabemos o cinema 3D não existe mais, o filme ainda não foi produzido e as notícias esfriaram. Stephen Chiodo explicou a situação em entrevistas mais recentes que como os direitos do filme permanecem na MGM/SyFy a falta de acordo quanto ao orçamento necessário para se executar um filme que consiga capturar a mesma magia do original.
Por enquanto Killer Clows 2 segue no limbo das produções. Aos que estão olhando para o céu e aguardando a visita dos Palhaços Assassinos mais uma vez, não há nada de errado em voltar aos anos 1980 e se divertir novamente (ou pela primeira vez) com os absurdos desses seres desengonçados, mas perigosos, vindos do espaço sideral.
Gosto muito desse filme. A caracterização dos palhaços e da nave é muito criativa, e a trilha sonora é bacana. Acho que, ao invés de uma continuação, deveriam fazer algo como Killer Klowns – O Início, mostrando como era a vida dos palhaços alienígenas no seu planeta de origem e que motivos levaram eles a invadir a Terra. Acho que se fizerem isso ia ficar muito interessante, melhor do que uma continuação.