American Horror Story Coven e o empoderamento feminino!

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A relação entre bruxaria e produções de horror é sempre muito intensa, desde os tempos remotos do cinema, tendo Häxan – A Feitiçaria Através dos Tempos como um dos pioneiros do estilo. Não é preciso entrar nos méritos sobre a natureza maligna ou não de seus adeptos ou a forma como as bruxas muitas vezes são caracterizadas, até porque podemos encontrar o horror envolto em qualquer temática, religiosa ou política, social e familiar. O que importa é se inspirar na mitologia relacionada ao conceito “bruxa” e estabelecer diálogos com o Tribunal da Inquisição e Idade Média, fazer referência a Salem, o gótico, tocar em subtemas como invocação, possessão, poderes sobrenaturais, rituais de sangue, mesmo que muitas vezes se ignore a associação com elementos da natureza, pedras místicas, deusas e a arte wicca.

No multiverso American Horror Story, seria estranho se a bruxaria demorasse tanto tempo para assumir a rédea temática. Após a sangrenta Murder House e a claustrofóbica Asylum, o passo seguinte seria realmente explorar o poderio feminino do elenco de Ryan Murphy, que já contava com os rostos recorrentes de Jessica Lange, Lily Rabe, Sarah Paulson, Taissa Farmiga e Frances Conroy, e seria ampliado com os acréscimos da fantástica Kathy Bates, da expressiva Angela Bassett e de Emma Roberts, além de Gabourey Sidibe e Jamie Brewer. O coven estava praticamente completo, bastando apenas a construção de uma narrativa que explorasse conflitos de interesses, incluísse mitos e psicopatas, assombrações e mortos-vivos e, claro, crítica social.

American Horror Story: Coven foi ao ar em 9 de outubro de 2013, em um episódio dirigido por Alfonso Gomez-Rejon, e que teve uma audiência na casa dos cinco milhões de espectadores. Nele, a jovem Zoe (Farmiga) mata o namorado durante o sexo e descobre que possui descendência com as bruxas de Salem, com um “poder” parecido com o de Buffy, A Caça-Vampiros em relação ao vampiro Angel e a perda de sua alma. Ela então é enviada para uma escola de “garotas especiais” em New Orleans, administrada por Cordelia Foxx (Paulson), filha da bruxa Suprema Fiona Goode (Lange). Ela possui residentes como a vodu humana Queenie (Sidibe), a atriz de cinema e especialista em telecinese Madison Montgomery (Roberts) e Nan (Brewer), capaz de ouvir pensamentos. No episódio piloto, Madison e Zoe participam de uma festa adolescente, onde a primeira é drogada e estuprada pelos rapazes, e a novata conhece o jovem Kyle (Evan Peters). Promovendo um acidente com o ônibus dos jovens, Kyle morre, e Zoe estupra o único sobrevivente para que ele também tenha uma morte hemorrágica como seu ex-namorado. São apresentados também nesse episódio a bruxa Misty Day (Rabe), morta na fogueira, mas com o poder da ressurreição; o mordomo sem língua da escola, Spalding (Denis O’Hare); e principalmente a poderosa Madame Delphine LaLaurie (Bates), uma referência discreta à Condessa Sangrenta Elizabeth Bathory.

No século XIX, ela chegou a New Orleans e adquiriu prazer pela tortura de pessoas negras, construindo em sua moradia uma câmara de tortura, que incluiu até mesmo suas filhas em sua diversão sádica. Amaldiçoada por Marie Laveau (Bassett), numa vingança pessoal, ela foi amaldiçoada a viver para sempre enterrada viva, sendo resgatada por Fiona, que, por estar morrendo de câncer, quer descobrir uma forma de se tornar imortal e impedir a ascensão de uma nova Suprema. Madison traz de volta Kyle com partes do corpo de seu amigo, como uma dra. Frankenstein, e ele é inicialmente cuidado por Misty em sua moradia nos pântanos, e depois é trazido para a cidade, onde terá a oportunidade de se vingar de sua mãe incestuosa e se aproximar de Zoe.

Marie Laveau, mantida conservada por ter vendido sua alma ao demônio Papa Legba (Lance Reddick), nos dias atuais administra um spa de estética, evitando confrontar as bruxas através de um velho acordo. Ao saber do retorno de LaLaurie, ela resolve se vingar enviando um minotauro, ressuscitando os mortos e acionando o infiltrado Hank (Josh Hamilton), casado com Cordelia, e que faz parte de uma antiga ordem de caçadores de bruxas. Além desses personagens, fazem parte da temporada a vizinha Joan Ramsey (Patti LuPone) e seu filho Luke (Alexander Dreymon), com quem Nan cria uma afeição, e o Homem do Machado (Danny Huston), um saxofonista que fez inúmeras vítimas no início do século XX, e foi assassinado pelas antigas bruxas da escola. Ao tentar se comunicar com uma Madison assassinada por Fiona, Zoe e as demais o trazem de volta, e o assassino acaba se aproximando intimamente da Suprema.

Inferior às duas primeiras temporadas, American Horror Story: Coven tem bons momentos, principalmente em sua primeira metade. Com certeza, seu ponto alto é o momento em que a escola é cercada por mortos-vivos trazidos por Marie Laveau, incluindo as filhas de Delphine. Referência a Noite dos Mortos-Vivos, o episódio é sangrento e claustrofóbico, despertando um poder que até então Zoe desconhecia. E o outro ápice da temporada ocorre nos testes das Sete Maravilhas, que irá despontar a próxima Suprema. E há, claro, situações interessantes, como a investida de Hank contra a vizinha e ao spa de Laveau, a vingança das bruxas contra os caçadores, e a exploração do passado sangrento de Delphine.

Contudo, a minissérie também tem seus percalços, como a relação enfadonha e brega do Homem do Machado com Fiona – inclusive o assassino depois de desperto facilmente encontra uma moradia e emprego como músico, e depois desaparece por uns três episódios, deixando de lado sua vocação assassina -, e não terem explorado adequadamente o conflito entre os caçadores e as bruxas. Fiona chega a buscar uma trégua com Laveau quando sente que os caçadores irão agir contra elas, mas algo acontece não exatamente como se espera, pela afeição de Hank por Cordelia. Aliás, a cegueira de Cordelia – fica cega, volta a enxergar, fica cega de novo, volta a enxergar – não traz absolutamente nada de realmente importante para a temporada.

Incomoda também nesta terceira o fato de praticamente ninguém morrer. Madison, Misty, Myrtle (Conroy), Kyle, Joan, o Homem do Machado e até Zoe morrem e são trazidos de volta. Isso faz com que o público se importe menos com os personagens, sabendo que poderão retornar se o roteiro achar que vale a pena. E até quando alguém realmente morre, retorna como um fantasma, como é o caso de Spalding. Delphine perde a cabeça e parte de uma mão, somente para depois ser reconstruída novamente, assim como Kyle, sem sequer carregar cicatrizes. Todas essas situações enfraquecem a narrativa, outrora vista como mais intensa, com baldes de sangue e exposição de entranhas.

Há também a crítica social, com relação à opressão e ao racismo. Mas também não são bem exploradas pelo enredo: quando Delphine parece ter atravessado um processo de redenção em relação a seus preconceitos por ter sido ajudada por Queenie – tanto que ela até fica preocupada quando a garota adoece – , ela sofre uma traição e volta a odiar negros. Queenie ainda tenta fazê-la voltar a se importar com uma sessão de vídeos, sendo que a própria ação já tinha dado indícios de uma melhora. E depois um flashback mostra que o gosto dela é pelo sadismo mais do que sua condição racista quando teve os primeiros envolvimentos com sangue de animais e pessoas. Depois, ela volta a mostrar sinais de racismo. Isto é, parece que a personagem não se define. Ela hesita em cortar a cabeça de uma galinha, mas depois confessa que matava animais desde pequena, numa contradição absurda de um roteiro que parece que foi escrito durante a exibição da série.

Se Jessica Lange brilhou em Asylum, nesta o destaque passou a ser de Kathy Bates, que incorpora uma personagem amarga, cruel e sanguinária, e que tem como único desejo a própria morte. Não é por menos que a atriz foi reconhecida por indicações e prêmios, assim como Lange foi novamente lembrada. A temporada teve 74 indicações a prêmios e levou 14, além de críticas favoráveis e outras nem tanto. Manteve o nível de produção, ainda que o enredo não tenha tido o brilhantismo das duas primeiras, com personagens muito mais aterrorizantes e profundos. Ainda assim, vale uma revisão desse coven com mulheres surpreendentes e amaldiçoadas.

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Marcelo Milici

Professor e crítico de cinema há vinte anos, fundou o site Boca do Inferno, uma das principais referências do gênero fantástico no Brasil. Foi colunista do site Omelete, articulista da revista Amazing e jurado dos festivais Cinefantasy, Espantomania, SP Terror e do sarau da Casa das Rosas. Possui publicações em diversas antologias como “Terra Morta”, Arquivos do Mal”, “Galáxias Ocultas”, “A Hora Morta” e “Insanidade”, além de composições poéticas no livro “A Sociedade dos Poetas Vivos”. É um dos autores da enciclopédia “Medo de Palhaço”, lançado pela editora Évora.

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