Sleep
Original:Sleep / Jam
Ano:2023•País:Coreia do Sul Direção:Jason Yu Roteiro:Jason Yu Produção:Lewis Taewan Kim Elenco:Yoon Kyung-ho, Kim Gook Hee, Lee Sun-kyun, Jung Yu-mi |
Embora Soo-jin esteja esperando um bebê, suas maiores preocupações não estão relacionadas à gravidez e sim à recente alteração no comportamento do marido, Hyun-su, diagnosticado com transtorno do sono REM. Entre os sintomas estão crises de sonambulismo que colocam em risco não apenas a vida de Hyun-su, mas também da futura mamãe. A deterioração gradual do relacionamento e da própria sanidade do casal os leva a questionar se a causa da doença seria psicológica, física ou mesmo… espiritual.
É incontestável, já há algum tempo, que a produção audiovisual sul-coreana tenha encontrado, merecidamente, o seu espaço dentro do mercado internacional. Basta lembrarmos que uma das séries mais assistidas da história das plataformas de streaming é Round 6 (2021) e que um longa-metragem produzido e rodado na Coreia do Sul, Parasita, foi o vencedor do Oscar de Melhor Filme em 2020. E é neste cenário já consolidado, sem precisar provar nada, que o até agora pouco comentado (pelo menos por aqui) Sleep (aka Jam, aka 잠) chega. É curioso que ainda assim acabe surpreendendo como uma das produções mais instigantes do gênero fantástico lançadas em 2023; além de reforçar o segredo óbvio associado a todo este sucesso comercial do cinema realizado na Coreia do Sul: boas histórias contadas sempre com muita qualidade técnica.
Dirigido pelo novato (e promissor) Jason Yu, Sleep investe em uma trama aparentemente simples (mulher enfrenta o perigo das ações do marido sonâmbulo; um roteiro inédito do próprio Yu), cuja ação acontece quase que integralmente no interior de um pequeno apartamento. O espaço tem um papel importante, pois praticamente não há lugares pra se esconder no imóvel e fugir não é uma alternativa, já que o casal segue um princípio de que juntos podem superar qualquer problema. A utilização máxima desse ambiente interno e opressor reforça a sensação claustrofóbica que rege o enlouquecimento progressivo dos personagens.
No elenco, formado por poucos atores, destaca-se Jung Yu-mi (de Invasão Zumbi, 2016) como a futura mamãe que fará de tudo para preservar a família, além do pai com problemas de sono, interpretado por Lee Sun-kyun (de Parasita, 2019). Sleep é o último trabalho do ator, que foi encontrado morto dentro de seu carro no final do ano de 2023; as investigações iniciais indicam um suicídio. Em uma história bem mais dramática que a ficção, Sun-kyun havia sido acusado meses antes de uso de entorpecentes, o que além de proibido, é pouco aceito socialmente no país. A acusação fez com que Sun-kyun tivesse vários contratos rescindidos, incluindo a série de sucesso da Apple TV, Dr. Brain (2021). Em uma triste coincidência, em Sleep, seu personagem é um ator em início de carreira, que perde seus papéis por causa dos problemas causados pelo sonambulismo.
Retomando ao conceito de uma trama bem contada (além da qualidade técnica), o principal ponto positivo de Sleep é certamente o roteiro, que com habilidade entrelaça uma camada sutil de humor e outra na qual o suspense se desenrola, mesmo que lentamente, até alcançar um ato final bem mais hardcore (mesmo que o gore não seja exagerado), incluindo no meio deste caminho potenciais mortes de animais e crianças. Soma-se a isso a mudança drástica de rumo do próprio enredo, subvertendo a função inicial dos personagens. Já o desfecho, quase anticlimático, não é exatamente aberto, contudo permite mais de uma interpretação, em uma jogada que coloca em conflito o racional e o místico.
Sleep foi exibido pela primeira vez em abril de 2023, na Semana da Crítica do Festival de Cannes, onde foi bem recebido, chamando atenção pela originalidade e pela performance da atriz Jung Yu-mi. Após passar por uma série de festivais, estreou nos cinemas da Coreia do Sul, ultrapassando em pouco tempo os US$ 10 milhões em bilheteria e 1 milhão e meio de expectadores.
Entre os entusiastas de Sleep, está o respeitado cineasta sul-coreano Bong Joon-ho, diretor de Expresso do Amanhã (2013) e Parasita (2019), que afirmou em entrevista que o longa-metragem, dirigido por Jason Yu, é o “terror mais original e o filme de estreia mais inteligente que vi em 10 anos”.
Enfim, Sleep é uma obra segura e acertada, certeira também em sua curta, mas eficiente duração (95 minutos). É provocador na medida, um bom respiro em um gênero que na maioria das vezes prefere apostar na repetição e no susto fácil. Porém, infelizmente, até a data de publicação desta crítica, ainda não é possível assistir ao filme em Terra Brasilis. Pelo menos não legalmente.