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Frankenstein: Monster Edition
Original:Bernie’s Wrightson Frankenstein
Ano:2023•País:EUA, UK
Autor:Mary Shelley, Bernie Wrightson•Editora: DarkSide Books

Tudo teve início em uma noite chuvosa. Foi ali, enquanto seus amigos propõem que cada um escreva uma história de fantasma, que surgiu um clássico saído diretamente da mente brilhante de uma garota de apenas 19 anos. Raios, trovões, sonhos aterrorizantes, poemas fantasmagóricos, castelos góticos e todas as aventuras que a jovem Mary Shelley passou levaram-na até esse momento, até a criação de uma obra considerada tão grandiosa e aterradora, marco das histórias de ficção científica, cuja importância literária atravessaria séculos: Frankenstein.

Tal obra prima já recebeu inúmeras edições e releituras, já inspirou diversos filmes, séries, quadrinhos, jogos e músicas, e agora ganha mais uma homenagem. Em capa dura e em um tamanho “monstruoso”, a Darkside Books e a Macabra presenteiam os leitores com Frankenstein: Monster Edition, com ilustrações de Bernie Wrightson (co-criador do Monstro do Pântano, também ilustrou a HQ Creepshow) e introdução de Stephen King.

Caso seu único contato com Frankenstein tenha sido por meio de adaptações cinematográficas, já fica o aviso, dado por King logo no início: Não é igual. Os filmes, em maioria, focam na criação de um monstro cruel e assustador com parafusos saindo de cada lado de seu crânio, instinto assassino e pouca inteligência. Você acha mesmo que um dos maiores clássicos de todos os tempos seria tão simplório assim?

Em busca de glória e reconhecimento, Robert Walton parte em uma expedição rumo aos gelados caminhos do Ártico. Cercado pela fome e frio cortante, escreve com frequência para sua irmã e, um dia, encontra um trenó à deriva no mar com um homem dentro. O desconhecido apenas aceita embarcar após o capitão Walton dizer que o navio tem como destino o Polo Norte, indo cada vez mais longe da Inglaterra, fato que o deixa muitíssimo satisfeito. Quando o homem parece suficientemente recuperado, decide contar sua história, sua confissão. Seu nome é Victor Frankenstein, e afirma ter passado horrores indizíveis.

Filho de mãe e pai amorosos que sempre lhe deram tudo, Victor era cercado de privilégios. Logo cedo, desenvolve interesse por química e alquimia, e fica sedento por saber sempre mais, ir sempre além. Sendo assim, vai estudar na Universidade de Ingolstadt, onde rapidamente desenvolve seus estudos de ciências naturais a níveis elevadíssimos, mas não está satisfeito. Quer mais, quer fazer algo jamais feito, e decide se dedicar e se aprofundar em seu próprio projeto. Confiante, acredita que consegue trazer os mortos de volta à vida. Após anos de muitas noites mal dormidas, sua criação está pronta: um ser feito de partes de corpos diferentes, com o intuito de se tornar perfeito, mas acabou ficando apenas monstruoso. Frankenstein é bem sucedido na sua empreitada, e a criatura ganha vida. Apavorado com o ser à sua frente, o cientista abandona seu experimento e se martiriza por tamanha blasfêmia que criou. Não tarda para que a aberração, dotada de uma consciência e inteligência, vá atrás de seu criador, deixando-o atormentado e com medo do que poderá acontecer.

Mary Shelley criou uma fantástica história de horror e ficção, sempre usando como base algum contexto científico para explicar o ocorrido. Para nós, hoje, é sobrenatural pensar que uma criatura feita de partes mortas possa ganhar vida. Porém, naquela época, com o desenvolvimento da ciência avançando, acreditavam que aquilo não era de todo impossível. Semelhante a um desfibrilador, que emite uma carga elétrica no coração e tem a função de restabelecer o ritmo cardíaco, usaram o mesmo conceito para dar vida a um ser formado por órgãos e partes de diferentes corpos já mortos. Imagine se isso fosse possível? É aí que mora o horror de Frankenstein, mas não se limita a apenas isso.

A criatura acorda confusa, com uma explosão de sentidos e sons lhe atingindo de uma só vez, e não sabe o que está acontecendo. Logo nas primeiras horas de sua existência, é rejeitado pelo seu criador, seu pai, que deveria guia-lo pelo mundo. Mesmo experimentando a dor da rejeição e de estar sozinho em um mundo estranho, o ser é gentil. Mesmo sendo agredido pelos locais por causa de sua aparência, não revida, se esconde e, ainda assim, hesita em mostrar sinais de maldade, diferente do que muitos filmes mostram. Como diria RousseauO homem nasce bom, a sociedade o corrompe”, e é exatamente esse um dos pontos centrais dessa obra. O diferente é temido, não é aceito, é incômodo, é condenado. O monstro não tem nome, é taxado de aberração, julgado apenas pela sua aparência, é excluído e hostilizado, mesmo sem fazer absolutamente nada de mau para ninguém. Até o momento que isso muda. Depois de tanto sofrimento e injustiças que passa simplesmente por existir e ser quem é, torna-se, sim, o monstro que tanto afirmam que é. Suas ações condenáveis são justificadas por tudo que passou? Ele tem verdadeira culpa por se tornar amargurado e sedento por vingança? Shelley, de forma impactante e genial, vai além de seu tempo e promove um debate sobre ética e responsabilidade válido até os dias de hoje.

Victor Frankenstein não teve pudores para atingir seu ambicioso objetivo, não pensou nas consequências e impacto do que estava fazendo e descartou seu experimento sem escrúpulos ao perceber que não atingira suas expectativas.  Mesmo aquilo sendo, teoricamente, humano, um ser consciente. O quão longe é aceitável ir em nome da ciência e avanços tecnológicos?  Ou, de forma mais mesquinha, em nome da glória? Fazendo um paralelo, coisa semelhante acontece com as cobaias usadas como teste para cosméticos, medicamentos e outros experimentos, sendo descartados assim que perdem a utilidade.

Victor abandona sua criação não apenas por ficar com medo do que criou – afinal, ele estava ali vendo o que estava virando seu experimento -, mas por perceber que aquilo não lhe traria louros, apenas críticas ferrenhas, coisa que foge de seu objetivo. Precisa lidar com a culpa e arrependimento por seus atos profanos, por achar que poderia brincar com a vida e a morte ao seu bel-prazer. Entretanto, do outro lado da moeda, abandona sem remorso um ser que apenas clama por afeto e compreensão. Essa dualidade, muito presente nos atos e decisões de cada personagem, faz com que o leitor ora fique do lado do cientista, ora da criatura.

Complementando essa história cheia de angústias, horrores dos mais variados e questões relevantes, temos as ilustrações de Bernie Wrightson, que captam muito bem toda a essência da obra.

Uma história de horror que parece simples revela-se extremamente complexa e profunda, cheia de camadas densas e reflexões. Não espere apenas um monstro assassino que ganha vida durante uma tempestade, comete as piores atrocidades e acaba sendo caçado pelos aldeões. Frankenstein vai muito, muito além disso. Uma verdadeira obra prima.

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