A Fantástica Fábrica de Chocolate (1971)

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A Fantástica Fábrica de Chocolate
Original:Willy Wonka & the Chocolate Factory
Ano:1971•País:EUA, UK
Direção:Mel Stuart
Roteiro:Roald Dahl, David Seltzer
Produção:Stan Margulies, David L. Wolper
Elenco:Gene Wilder, Jack Albertson, Peter Ostrum, Roy Kinnear, Julie Dawn Cole, Leonard Stone, Denise Nickerson, Nora Denney, Paris Themmen, Ursula Reit, Michael Bollner, Diana Sowle

Existe um teor mágico e assustador em A Fantástica Fábrica de Chocolate (Willy Wonka & the Chocolate Factory, 1971) em sua primeira versão. A magia dialoga com uma narrativa que traz tons fantásticos, uma distopia musical e mensagens sobre realização de sonhos; ora, o acesso a uma fábrica de chocolates é o desejo de todas as crianças, imaginando embarcar em uma manufatura feita de guloseimas, em que cada curva do passeio permitirá que elas esbarrem não em máquinas frias, controladas por empregados mal humorados, mas em um mundo colorido de doces, às margens de um lago achocolatado, com flocos de neves substituídos por confetes. No entanto, existe também um lado sombrio de obediência e escravidão, regras perigosas e até sugestão de assassinato.

Inspirado no romance Charlie and the Chocolate Factory, de Roald Dahl, lançado em 1964, o longa teve um orçamento estimado em US$3 milhões de dólares, mas arrecadou apenas US$4 milhões, além de indicações a prêmios como Melhor Trilha Sonora Original, no 44º Oscar, e Melhor Performance em Filme – Comédia ou Musical no 29º Globo de Ouro. Como muitas obras do período, A Fantástica Fábrica de Chocolate foi adquirindo status cult de produção clássica com o passar dos anos, entre as inúmeras exibições na TV Aberta, um reconhecimento tardio a um dos melhores musicais fantásticos de todos os tempos, com uma bagagem sobre amadurecimento e conquistas. Porém, também foi uma produção envolta em complicações.

Quando a filha do diretor Mel Stuart leu o livro, pediu ao pai que fizesse uma adaptação com a ajuda de David “Tio Dave” L. Wolper. Em parceria com a Quaker Oats Company, no lançamento do chocolate “Wonka Bar“, o filme teve o esboço do roteiro feito pelo próprio autor, com apontamentos para o livro, e depois uma nova versão e adaptação fora escrita por David Seltzer. As mudanças significativas, com acréscimo de cenas e troca de animais – esquilo por ganso -, desagradaram Roald Dahl, como era de se esperar. Antes mesmo da realização do filme, a obra literária já havia despertado protestos por grupos afro-americanos, como o NAACP, pelo fato dos Oompa-Loompas serem considerados pigmeus africanos. Assim, além de alterações na concepção dos ajudantes, agora verdes e laranjas, o título também precisou ser alterado, com a retirada de “Charlie“, um nome representativo por designar “homem branco no poder“, além de ser utilizado na época para se referir aos vietcongues de maneira camuflada: o VC usado pelos soldados poderia ser uma referência a “Victor Charlie“.

Empolgado com o processo de realização, Stuart se interessou em transformá-lo em um musical, com letras relacionadas ao estado de espírito dos personagens e suas descobertas. Dessa forma, um elenco de crianças talentosas, oriundas de comerciais e peças de teatro, e o carisma de Gene Wilder foram fundamentais para a narrativa. O intérprete de Willy Wonka fez algumas exigências em seu vestuário e na cena de sua aparição, com uma bengala para o silêncio apreensivo da plateia até a cambalhota que revelasse a primeira farsa do personagem. Ao ser questionado por esse acréscimo, genialmente Wilder convenceu os realizadores com a frase: “A partir desse momento, ninguém saberá se estou mentindo ou dizendo a verdade“.

Com as filmagens principais ocorrendo em Munique, Baviera, Alemanha Ocidental, no Bavaria Studios, entre agosto e novembro de 1970, A Fantástica Fábrica de Chocolate foi lançada pela Paramount Pictures em 30 de junho de 1971. O longa teve uma boa receptividade da crítica, com comparações ao clássico O Mágico de Oz e expressões como “deleite inqualificável“, embora o The New York Times não tenha gostado muito. Da parte de uma criança com imaginação fértil, pendendo para o pesadelo e o terror, há um evidente lado macabro e sombrio. Lembro de meu pai ter dito numas das exibições na televisão que as crianças do filme haviam “morrido de verdade“, citando uma teoria comum da produção, especialmente a que caiu no lago de chocolate e foi sugada por um tubo. “Mas o filme foi lançado mesmo assim?“, eu devo ter lhe perguntado. E imagino uma resposta sobre os valores da Sétima Arte e indenização familiar. Por muito tempo, eu cresci com um certo medo do filme, sem impedir meu fascínio.

Eu tinha muita identificação com Charlie Bucket (Peter Ostrum), um simples jornaleiro que, como as crianças locais, nutria um interesse pela magia proposta por Willy Wonka (Wilder), dono de uma fábrica de chocolates que encerrou suas atividades pela influência de espiões infiltrados mas retornou sem permitir acessos às dependências. Observando com inveja os pequenos que sempre lotam a loja de doces em busca de novidades, Charlie vive numa pequena morada com sua mãe (Diana Sowle) e seus quatro avós acamados, com destaque para Joe (Jack Albertson), que sempre mantém ativas as expectativas do bom garoto. Numa excelente jogada de marketing, Wonka escondeu cinco Bilhetes Dourados em suas barras de chocolate vendidas pelo mundo, dando a oportunidade de cinco sortudos visitarem a fábrica e ganharem doces pelo resto da vida.

A proposta causa uma histeria popular, com adultos e crianças desesperadas pelo passaporte premiado. Até mesmo jornalistas e empresários fazem de tudo, até mesmo contratando equipes para vistoriar as caixas, em sequências hilárias de consumismo e caça ao tesouro, enquanto Charlie só consegue duas barras de chocolate como presentes de aniversário de seu avô Joe, não encontrando o tão sonhado prêmio. O guloso alemão Augustus Gloop (Michael Bollner) encontra um dos bilhetes, assim como a intragável e mimada adolescente inglesa Veruca Salt (Julie Dawn Cole), com seu rico pai atendendo a seus desejos e colocando seus empregados a serviço da busca. A fã de chicletes Violet Beauregarde (Denise Nickerson), mesmo não curtindo muito chocolates, também encontra o prêmio, além do obcecado pela televisão Mike Teevee (Paris Themmen). Todos se transformam em celebridades, dando entrevistas a jornais, evidenciando suas expectativas pela visita à fábrica.

Depois do anúncio de que um garoto paraguaio teria encontrado o quinto bilhete, o tristonho Charlie retorna a sua rotina como entregador de jornais e estudante. A caminho da escola, encontra uma moeda que permite que compre uma barra de chocolate Wonka, mesmo sabendo que o prêmio final já tinha dono. No retorno para casa, uma notícia traz uma esperança: o bilhete paraguaio é falso – não brinca?. Ele então abre o chocolate e encontra o quinto passaporte dourado, e é celebrado nas ruas e em casa. Assim como os demais premiados, Charlie é assediado por um homem sinistro, com uma cicatriz na face. Slugworth (Günter Meisner) oferece uma alta recompensa em dinheiro para que Charlie lhe traga uma amostra da mais nova criação de Wonka, o doce de rolo Everlasting Gobstopper.

Como todas as crianças têm direito a um acompanhante na visita à fábrica, Charlie leva seu avô Joe, que se mostra elétrico e bastante ágil, saindo da cama que o manteve inerte durante sua velhice. Chegam à entrada da fábrica, sob olhares curiosos, sendo recebidos por Wonka para o tour. Assinam um contrato enorme que não permite ver as linhas menores e adentram um local mágico, com cada setor sendo apresentado numa explosão de cores e mecanismos divertidos. Até mesmo a roupagem das crianças e de Wonka trazem uma atmosfera encantadora, enquanto passeiam por vales com flores feitas de doces e um rio de chocolate, sempre com o alerta do anfitrião sobre algumas ações que devem ser evitadas. Com a curiosidade e ousadia, uma a uma acaba tendo um destino que permite que a imaginação do espectador possa entender como um afastamento temporário ou até mesmo uma ideia de morte.

O sarcástico Wonka deixa evidências de sua impaciência com os visitantes, na mesma proporção em que se mostra sorridente e atencioso, numa típica postura de um assassino serial, interessado em mesclar sua fórmula secreta com crianças. Mas pode ser apenas uma impressão, dependendo da sua crença nas conspirações que envolvem o enredo da produção. Além de Wonka o local é habitado pelos ajudantes diminutos, os tais Oompa-Loompas, também com expressões que variam entre frieza e obediência. Augustus é o garoto que cai no rio e é sugado por um tubo; Violeta desobedece às regras e incha até se transformar em um mirtilo gigante; Veruca despenca numa calha de lixo e Mike encolhe até o tamanho de uma barra de chocolate. Charlie e seu avô também desobedecem a uma regra da sala Fizzy Lifting Drinks, bebendo algo que faz com que flutuem e sejam puxados em direção a um exaustor, precisando arrotar para voltar ao chão.

Com uma ótima trilha sonora, com músicas divertidas – destacando a dos Oompa-Loompas – A Fantástica Fábrica de Chocolate é uma adaptação bem animada e empolgante. Fascina pela mágica proposta, atendendo aos nossos sonhos de que guloseimas são realmente produzidas em ambientes oníricos e encantadores. Todo o designer de produção e figurino, a cargo de Helen Colvig, é digno de nota, assim como o enredo criativo, os bons efeitos especiais, ainda que envelhecidos, e seus personagens profundos e carismáticos. Em 2005, Tim Burton também deu sua contribuição à obra original tendo Johnny Depp no papel de Willy Wonka, soando adequado mas sem o espírito do original. E, ano passado, foi lançado um prelúdio do filme de 1971, intitulado Wonka, com Timothée Chalamet atuando como uma versão mais nova de Gene Wilder, também no formato de um musical.

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Marcelo Milici

Professor e crítico de cinema há vinte anos, fundou o site Boca do Inferno, uma das principais referências do gênero fantástico no Brasil. Foi colunista do site Omelete, articulista da revista Amazing e jurado dos festivais Cinefantasy, Espantomania, SP Terror e do sarau da Casa das Rosas. Possui publicações em diversas antologias como “Terra Morta”, Arquivos do Mal”, “Galáxias Ocultas”, “A Hora Morta” e “Insanidade”, além de composições poéticas no livro “A Sociedade dos Poetas Vivos”. É um dos autores da enciclopédia “Medo de Palhaço”, lançado pela editora Évora.

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