Os Garotos Perdidos
Original:The Lost Boys
Ano:1987•País:EUA Direção:Joel Schumacher Roteiro:Jan Fischer, James Jeremias, Jeffrey Boam Produção:Harvey Bernhard Elenco:Jason Patric, Corey Haim, Dianne Wiest, Barnard Hughes, Edward Herrmann, Kiefer Sutherland, Jami Gertz, Corey Feldman, Jamison Newlander, Brooke McCarter, Billy Wirth, Alex Winter, Chance Michael Corbitt, Alexander Bacan Chapman, Nori Morgan, Todd Feder |
“Uma coisa em Santa Carla que eu nunca tive estômago são esses malditos vampiros!”
A pequena cidade litorânea de Santa Carla, na Califórnia, conhecida como “a capital mundial do crime“, é uma comunidade eclética, habitada por pessoas estranhas e criaturas da noite. Um passeio pelo local ou uma mudança definitiva pode envolver curtições noturnas, com um proveitoso parque de diversões à beira-mar e a oportunidade de comprar lembrancinhas e até quadrinhos, e o convívio com diversos grupos sociais, motoqueiros que se arriscam em manobras ousadas, shows ao ar livre e punks. Mas ela também é conhecida pela perdição, em todos os sentidos da palavra. É para lá que se mudam os Emersons, oriundos de Phoenix, Arizona, após o divórcio de Lucy (Dianne Wiest), em busca de um recomeço na casa do avô paterno (Barnard Hughes), sem televisão.
Essa mudança é o ponto de partida de uma produção vampírica adolescente que mudou os rumos do subgênero. Fez parte de uma época de transição do estilo, quando Drácula e suas noivas davam espaço para vampiros mais jovens, vivendo na modernidade. Até então, no “terrir“, também conhecido como “espantomania“, o principal destaque tinha sido o divertido A Hora do Espanto, que trazia os sugadores de sangue para “os dias atuais” como vizinhos em um subúrbio americano. Abandonar os castelos, a atmosfera gótica das névoas que circundam florestas e permitem ouvir os sons de uivos, poderia estabelecer metáforas com a juventude transviada e suas extravagâncias.
Quando ainda estava em desenvolvimento, havia a intenção de se fazer uma versão Goonies vampírica, com personagens ainda mais jovens e a exploração do amadurecimento – uma intenção representada em Deu a Louca nos Monstros (The Monster Squad, 1987). Como Richard Donner estava ocupado com a realização de Máquina Mortífera (Lethal Weapon, 1987), o comando ficou a cargo de Joel Schumacher, ainda sem um grande sucesso na carreira. O diretor mudou o viés da produção, contratando o roteirista Jeffrey Boam para lapidar o roteiro infanto-juvenil de Jan Fischer e James Jeremias.
As filmagens aconteceram em apenas 21 dias, em junho de 1986, em Santa Cruz, Califórnia, e em alguns pontos específicos como a Península de Palos Verdes. Embora tenha arrecadado mais de US$30 milhões de dólares nas bilheterias para um orçamento de pouco mais de US$8, as críticas foram bastante divididas, apontando falhas no seu último ato e elogiando o humor, a ambientação e o elenco. Um crítico da Variety, por exemplo, disse que o longa “era terrivelmente horrível” pela ideia de envolver pessoas desaparecidas em associação com o vampirismo. Talvez o autor não tenha entendido a ideia como uma metáfora e sim como uma justificativa para abrandar perdas.
A verdade, e acredito que qualquer fã de terror irá concordar comigo, é que Os Garotos Perdidos pode ser definido como puro entretenimento. Diverte pela mescla de gêneros, pela caracterização interessante dos vampiros, pelo enredo de mistério envolto em claustrofobia e, principalmente, pela presença dos irmãos Frogs, representando os adolescentes da época com suas teorias e receios, enquanto oferecem quadrinhos de horror. Tudo bem orquestrado pelos aspectos técnicos e pela trilha sonora que contou com versões curiosas de INXS e “People Are Strange“, do The Doors, na performance de Echo & the Bunnymen.
O longa começa com a chegada da família Emerson à nova morada, buscando adaptação e amizades. Lucy arruma emprego na locadora de Max (Edward Herrmann), enquanto seu filho mais velho, Michael (Jason Patric), começa a se sentir atraído pela jovem Star (Jami Gertz), sem saber que a garota está vinculada a uma gangue de motoqueiros liderada por David (Kiefer Sutherland, em ótima performance). Já o mais novo, Sam (Corey Haim), tem um contato com dois adolescentes que trabalham numa loja de quadrinhos, os tais irmãos Frogs, Edgar (Corey Feldman) e Alan (Jamison Newlander) – nomes em referência a Edgar Allan Poe.
Fascinados por mortos-vivos, intitulando-se caçadores de vampiros, eles dão uma revista para Sam como uma forma de se precaver pelo mal que habita a cidade. Esse “mal” atinge Michael que é testado pela gangue com refeições estranhas nas ruínas de um hotel destruído pelo terremoto de 1906, e, como um típico jovem em busca de aceitação, decide experimentar uma garrafa de vinho, mesmo com o alerta de que se trata de sangue. A transformação de Michael é lenta e dolorosa, necessitando se proteger da luz solar, ao passo que seu corpo começa a pedir outras formas de alimento.
Notando as diferenças do irmão, Sam convoca os Frogs para ajudá-lo, antes que se transforme definitivamente em um vampiro. É por eles que Sam fica sabendo que talvez seja preciso identificar o líder dos vampiros: se ele for eliminado, há uma chance que Michael volte à forma humana. Desse modo, Sam, Edgar e Alan preparam um teste para encontrar o chefe dos mortos-vivos, roubando água benta da igreja e usando alhos, e terão que invadir o esconderijo das criaturas da noite até culminar em um confronto na casa do excêntrico avô.
Como a referência do roteiro original era a obra “Entrevista com o Vampiro“, de Anne Rice, há uma criança, Laddie (Chance Michael Corbitt), adotada por Star e que está presente nas caixas de leite em um anúncio de desaparecidos. Essa é a principal relação com a intenção de chamar o filme de Os Garotos Perdidos, em alusão a Peter Pan e as crianças que não envelhecem. Outra curiosidade interessante está no fato dos vampiros terem reflexo no espelho e não se transformarem em morcego, mas serem capazes de voar, como é visto em alguns dos ataques, no teste de Michael na ponte Iron Horse e no último ato, com a luta entre duas criaturas. E o nome da mãe dos irmãos, Lucy, é uma assumida associação com Lucy Westernra, da obra “Drácula” de Bram Stoker.
Lançado na mesma época de outro bom filme de vampiros, Quando Chega a Escuridão (Near Dark, 1987), Os Garotos Perdidos foi além de uma produção divertida de vampiros para criar todo um legado de homenagens e referências. Bandas, música, filmes e personagens se espelharam nesse filme, dando a ele um status de cult. Foi feita uma novelização do longa, assim como uma quadrinização, e ainda dele vieram duas continuações bem inferiores, Os Garotos Perdidos 2: A Tribo (Lost Boys: The Tribe, 2008) e Os Garotos Perdidos 3: A Sede (Lost Boys: The Thirst, 2010), contando com o retorno de Corey Feldman em ambos.
Feldman, que era um rosto juvenil popular da época por ter feito Sexta-Feira 13 – Parte 4 (Friday the 13th, 1984), Os Goonies (1985) e Conta Comigo (Stand by Me, 1986), passaria a fazer dupla com Corey Haim em outros trabalhos e até montar um The Two Coreys, incluindo um reality show. Haim faleceu em 2010, antes de retornar numa participação maior no terceiro filme da franquia. Já Kiefer Sutherland, também de Conta Comigo, logo se destacaria como um astro de Hollywood estrelando produções importantes e séries de TV. Dianne Wiest, que conquistou o Oscar por Hannah e suas Irmãs, ainda é atuante, podendo ser vista no terror Apartamento 7A, lançado recentemente.
Jami Gertz, considerada uma das atrizes mais ricas do mundo, foi bem como a jovem Star, mesmo Schumacher tendo desejado uma atriz loira. Ela depois faria Twister (1996) e mais de 80 episódios da série Apesar de Tudo (2002-2006). Por fim, vale mencionar os vampiros da gangue de David, como Marko, interpretado por Alex Winter (de Bill e Ted), o cabeludo Paul (Brooke McCarter) e Dwayne (Billy Wirth), que compõem uma espécie de banda de vampiros, como muitas eram caracterizadas nos anos 80.
Uma nova passagem por Santa Carla é sempre bem-vinda. O local continua envolto em uma atmosfera aterrorizante e dominada por tribos e mortos-vivos. Como as crianças que não crescem, o filme Os Garotos Perdidos também não envelheceu, e continua sendo uma das produções mais divertidas de vampiros dos anos 80!