Um Pesadelo Americano: A História do Exploitation – Parte 4

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Capítulo 7 – Coisas Que te Buscam A Noite – O Sobrenatural Independente

A América sempre foi bem vinda para receber comunidades imigrantes do velho continente, portanto não é de se surpreender que algumas pessoas vindas da Transilvânia tenham feito morada na terra dos yankees. A começar por Bela Lugosi que personificou o Conde Drácula em 1931, mas sua estrela caiu rapidamente vindo fazer uma ponta em Abbott and Costello Meet Frankenstein (1948) e por alguns anos, talvez por vergonha, tenha sumido dos filmes estadunidenses, encontrando guarda nos castelos da Hammer na Inglaterra.

Enquanto isso a saga vampiresca era piada nos Estados Unidos, arrastada por sketches na TV e desenhos animados. Uma mudança de nome e uma espécie de renascimento ocorreu com Count Yorga, Vampire (1970), que trouxe os vampiros nos tempos atuais, para longe do gótico inglês da Hammer.

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Uma continuação aconteceu (The Return of Count Yorga, 1971), mas o filme mais influente na época foi The Night Stalker (1972), uma produção para a TV onde o repórter Carl Kolchak caça um vampiro nas ruas movimentadas de Las Vegas. Foi suficientemente bem sucedido para ganhar uma sequência (The Night Strangler, 1973) e uma badalada série de TV chamada Kolchak: The Night Stalker, exibida entre 1974 e 1975, uma das influências principais para outro hit futuro da TV, Arquivo X (1993-2002).

Oito episódios de Kolchak foram roteirizados por um talentoso jovem escritor chamado David Chase – de fama como criador do mega sucesso de TV A Família Soprano (1999-2007) – no entanto Chase já havia conhecido os filhos da noite: roteirizou uma produção independente chamado Grave of the Vampire (1972), bizarrice que conta a história de um vampiro que estupra uma mulher e nove meses depois dá a luz a um bebê sedento de sangue.

 

Drácula não passou bons bocados durante a era de ouro do exploitation: mudou de nome para Adrian e mexeu com vudu em Guess What Happened to Count Dracula? (1970), os filhos gays do vampiro mestre têm desejos estranhos em Dragula (1971); a filha de Drácula se casa com o filho do Lobisomem e se muda para a Califórnia no demente Blood (1974, de Andy Milligan, um diretor que merece uma análise só dele) e finalmente os vampiros encontram a discoteca em Nocturna (1979) – com John Carradine fazendo o papel do mestre dos vampiros.

Ainda bem que George Romero parou com a bagunça e desmistificou os seres noturnos em Martin (1976). Então chegou os anos 80 e The Hunger (1983), A Hora do Espanto (1985), Quando Chega a Escuridão (1987) e Garotos Perdidos (1987) fizeram a fama pop dos dentuços que já é conhecida.

Então falaremos de almas penadas com raiva: os independentes cineastas também souberam levar uns trocos do “além túmulo“. Porém, por suas próprias origens, as histórias de fantasmas precisam ter uma certa classe e sutileza, ou um mínimo de elegância para serem para serem levadas a sério, coisa que faltava e muito nos entusiastas do baixo orçamento.

Talvez porque as aparições precisem ter um bom suporte do elenco, os diretores perceberam que não bastava bater portas e fazer ventar dentro da casa. Por seu próprio conceito, para ser mais convincente esta categoria deveria ser mais elaborada que slashers e filmes de tortura, em suma, não dava para emular Vincent Price e William Castle numa terra de Banquete de Sangue e A Vingança de Jennifer.

A despeito de grandes premissas, estes erros podem ser encontrados em The Demons of Ludlow (1983), The Hearse (1980), The House of Seven Corpses (1973), The Evil (1978), Movie House Massacre (1984), Natas: The Reflection (1983) e Let’s Scare Jessica To Death (1971).

De todos estes subgêneros citados, nenhum leva o caneco no quesito quantidade quando o tema é ocultismo e satanismo. Depois do sucesso absoluto de O Bebê de Rosemary (1968) e do ainda mais famoso O Exorcista (1973), uma legião (sem trocadilhos) de produções similares apareceu. A bruxaria está presente em Mark of the Witch (1972), Simon, King of the Witches (1971), Blood Sabbath (1972) e Dark August (1975).

O culto ao demônio no cinema exploitation é uma figura a parte: na maioria dos casos é a desculpa dos diretores pornógrafos para mostrar sexo grupal na tela do cinema, afinal isso envergonha tanto o protestantismo quanto o catolicismo e o judaísmo, religiões predominantes nos Estados Unidos.

Os ‘satanistas‘ no exploitation são apenas cristãos travestidos, tão fora de escopo quanto as tentativas de se representar o paraíso. As vítimas de sacrifício, por exemplo, são sempre drogadas ou hipnotizadas e quase todos os cultos pagãos são feitos sem erotismo. Apesar dos esforços, a exibição de sexo grupal nestas produções acabou tendo o efeito reverso, afastou a audiência, e foi aplicado poucas vezes nesses tempos.

Com a notória exceção de David Cronenberg, a mescla de sci-fi e horror funcionou muito pouco nos tempos do exploitation. Os filmes de cientista louco eram bobos por ter uma motivação muito fraca do antagonista, vide Flesh Feast (1970), The Brain of Blood (1971), The Possessed! (1974) e Doctor Gore (1972). Outras coisas malucas vieram de Frankenstein Island (1981) e do tresloucado The Corpse Grinders (1971). A grande referência entre os horrores sci-fi no exploitation é Exército do Extermínio (1973) de George Romero com destaques para Stigma (1972) e Blue Sunshine (1977).

E não poderíamos fechar o capítulo e deixar de falar um pouco sobre os zumbis. Depois de A Noite dos Mortos Vivos, o exploitation fez muitos outros filmes sobre os desmortos, porém nenhum se igualou ao mestre. Entre eles temos Messiah of Evil (1973), Children Shouldn’t Play With Dead Things (1972) e Garden of the Dead (1972). Na sequência veio Despertar dos Mortos e mais cópias entraram no caminho: The Alien Dead (1980), Night of Horror (1981) e The Curse of the Screaming Dead (1982), entre outros. Um raro caso de produção zumbífica pós-Despertar que não deve nada a Romero é Fiend de 1980. Outras nuances criativas ficam para Sole Survivor (1982) e One Dark Night (1983).

“Quando eu tentei caminhar em outra direção foi a época em que todo o mercado do exploitation entrou em colapso e os cinemas morreram com a manada… Eu quase fiquei louco! Todo mundo quis fazer algo mais sério, então acabou muito mais fácil sair andando para longe de tudo isso…” – Frank Henenlotter, diretor de Basket Case

Capítulo 8 – A Arte da Perversidade – Medo e Incoerência

Os filmes criados independentemente nos anos 70 às vezes querem fazer uma fusão tão grande de gêneros e apostar em tantos cavalos diferentes (alguns que ninguém em sã consciência apostaria) que causam uma confusão tremenda. Desta forma, foram realizadas algumas produções exploitation difíceis até de classificar nas categorias que vimos até agora.

Por exemplo, Fantasma (1978), de Don Coscarelli – uma mistura de sci-fi, aventura teen e horror (séculos antes do sucesso indie de Donnie Darko). The Boogey Man, um slasher disfarçado de história de possessão ou vice-versa.

Só que estes são exemplos mais artísticos, ou pelo menos concisos. No entanto como podemos explicar o que acontece em Soul Vengeance (1975), um longa-metragem que pega a persistente imagem cultural de que um negro é sexualmente super-dotado e coloca seu protagonista como um herói que mata seus desafetos usando seu… eh… ahn… Você já entendeu a ideia, não é?

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Também podemos citar Ghosts That Still Walk (1977), um horror psicológico sobre artefatos índios, um garoto possuído e rochas gigantes que aparecem rolando não se sabe de onde. A Scream on the Streets (1972) é outra maçaroca que passa um tempo infindável falando sobre dois policiais corruptos e um informante, apenas para dar um tempo para desenrolar uma trama numa casa de massagem e algumas participações na vida de um serial killer.

Mantendo a chama viva nos anos 80 temos The Jar (1985), sobre um homem é malevolamente inclinado a loucura por uma vitima de atropelamento. Só que ele não mostra isso pra ninguém, então nunca aprendemos com o que acontece.

Parcialmente incompreendidos e incompreensíveis como um todo, estes são os filmes que ganham pontos por estarem além da fronteira do ruim, na intersecção entre o “único” (no sentido de que nenhum outro faria algo assim) e o “tosco“, enfim, guilty pleasures por excelência. E é isso tudo o que os exploitations são: uma deliciosa perda de tempo.

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Se estas mesclas absurdas eram reflexos do uso de medicação tarja preta, um atrativo para ganhar dinheiro ou puramente uma forma (esquisita) de se fazer arte, varia de caso a caso, contudo o fato é que esta imaginação deturpada de diretores, roteiristas, produtores e distribuidores foi erodindo e se dissipando no meio dos anos 80 e, até os início dos anos 90, já era um passado distante, é o que veremos a seguir.

Capítulo 9 – Declínio, Morte e o Além Túmulo – O Fim Do Exploitation Encontra o Cinema Atual

O fim do exploitation tem vários causas básicas em conjunto: o início dos multiplexes, a interferência dos grandes estúdios e a explosão do VHS. Pegando o exemplo de diretores que começaram sua fama dentro do nicho independente fica mais fácil fazer esta análise.

Comecemos por João Carpinteiro (John Carpenter): após de emplacar Halloween como sucesso comercial, foi sondado pelos grandes estúdios e depois de A Bruma Assassina (1980) fez O Enigma de Outro Mundo (1982), financiado pela Universal e que talvez seja o filme mais mórbido já financiado por um estúdio gigante. Seus próximos trabalhos são memoráveis (Fuga de Los Angeles, A Beira da Loucura), mas sem mesma força potencial de seus primeiros projetos.

O mais prolongado declínio certamente foi o de Tobe Hooper, com O Massacre da Serra Elétrica como estigma, Hooper passou o pão que o diabo amassou com os arranjos de distribuição – conduzida pela Bryanston Distributing controlada pela máfia. E não levou quase nenhum dinheiro com seu maior sucesso.

O seguinte, Death Trap (1976) sofreu nas mãos do produtor Mardi Rustam, foi tirado do comando nos sets de The Dark (1978) e Venom (1981) poucos dias após o início das filmagens. Pague para Entrar, Reze para Sair (1979) foi outro que gerou dificuldades de produção.

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O que salvou o diretor na época foi a mini-série para TV Salem’s Lot (1979), um sucesso popular. Então sua principal chance no mainstream aconteceu com Poltergeist (1982), que foi duramente afetado pela interferência do produtor Steven Spielberg.

Mesmo que Spielberg tenha usado uma página inteira da revista Variety para afirmar que tinha confiança em Hooper, o resultado final é mais a cara do trabalho de Spielberg que Hooper. O próximo estúdio foi a Cannon e a história de seus três filmes (Força Sinistra, O Massacre da Serra Elétrica 2 e Invasores de Marte) falam por si só.

George Romero é outro caso de estudo: o diretor de Pittsburgh encontrou cada vez mais dificuldades em financiar seus projetos, e quando tinha, parecia macumba que os filmes não atingissem a audiência. Adicione a isto o caso de conceitos interessantes naufragados e você tem uma temporada ruim para um magistral profissional.

Tudo começa com Creepshow (1982), que falhou por causa de uma série de propagandas na revista Fangoria que prometiam “o espetáculo de horror da história! Você vai sair engatinhando do cinema!“. O roteirista Stephen King domina o medo nos livros, mas não foi o caso do roteiro desta produção, leve e descompromissada.

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Após Dia dos Mortos (1985), que teve dificuldades homéricas de pré-produção, houve Comando Assassino (1988), que infelizmente não teve retorno financeiro adequado e daí até Terra dos Mortos (2005) e Diário dos Mortos (2007) o diretor não emplacou nenhum hit e praticamente caiu no “esquecimento” do grande público, vivendo mais da nostalgia do passado do que de novos acertos.

Wes Craven é o grande camaleão da história, talvez o único que conseguiu se encaixar nos esquemas dos grandes estúdios e das massas que frequentam os multiplexes, apesar de altos (A Hora do Pesadelo, Pânico), baixos (A Maldição de Samantha, Shocker) e muito baixos (A Sétima Alma, Amaldiçoados)

Hoje, de vez em quando, podemos ver alguns flertes do mainstream com os filmes B se tornando “exploitations de luxo“: Guerra dos Mundos (2005) e alguns momentos de Jason X (2001), Indiana Jones e a Caveira de Cristal (2008), por exemplo.

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Revivais com Grindhouse, de Quentin Tarantino e Robert Rodriguez, e o obscuro Black Devil Doll foram tentados, contudo o estrago já está feito: os cineastas e produtores que não tem interferência de grandes estúdios, mesmo de boa vontade, perecem nas mãos da censura estadunidense – a MPAA – e não conseguem distribuição ou apoio financeiro. Cortes profundos precisam ser feitos para que a classificação seja a menor aceitável, um ‘R‘ (menores de 17 anos acompanhados pelos pais) para ser mais claro.

O problema de levar uma classificação mais pesada que ‘R‘ não é só de abrangência. Como a classificação máxima ‘X‘ (terminantemente proibido para menores de 21 anos) é comumente associada a pornografia, os cinemas raramente passam trailers de filmes ‘X‘, os jornais e TV’s não promovem a produção, ou seja, mesmo que haja mercado, a falta de divulgação torna um potencial fiasco comercial.

Claro que lá um filme pode ser exibido sem classificação alguma, só que isso ainda é pior. Não apenas por marketing, mas também é considerado ainda mais ofensivo do que levar um ‘X‘ da MPAA, desta forma a liberdade criativa que os diretores tinham foi pro beleleu e o que hoje é chamado de ‘exploitation’ virou sinônimo de picaretagem. Basta ver as produções direto para DVD feitas as pressas pela produtora Asylum e Nu Image, todas querendo pegar uma fatia do sucesso alheio, mas sem um pingo de estilo ou originalidade que uma vez cercou a indústria.

Com este extenso estudo – ainda que sem fazer justiça para com a grande força paralela que foi a do exploitation – chegamos à conclusão que os tempos sempre mudam e a explosão de atividade começada nos anos 70 iria acabar de uma forma ou outra. É apenas vergonhoso que a indústria cinematográfica tenha se reestruturado tão profundamente que não tenha deixado espaço para que uma obscura obra tenha minimamente uma chance de atingir as telas do cinema. Obviamente existem exceções, todavia estas não desafiam a regra.

Dia dos Mortos (1985)

Os exploitations servem agora para os críticos apenas como uma categoria histórica e fica difícil imaginar com as condições de mercado atuais que este fenômeno se repita novamente com a intensidade de outrora. E é apenas através dos embolorados VHS’s, DVD’s importados – porque no Brasil as chances de um exploitation ser lançado em DVD são microscópicas – e pela internet, através de milhares de fãs obcecados por elas que estas pérolas sobrevivem ao teste do tempo.

E como as rádios que classificam as “melhores músicas de todos os tempos” ignorando a maior parte do passado é fácil dizer que a máquina lucrativa do cinema tira do público um bocado da cultura – ainda que pouca – que o exploitation representa. Lembrar deles não é em obrigação para com a arte ou para desmistificar diretores consagrados, é simplesmente pelo direito a diversidade cultural e por toda a diversão que estas obscuridades podem nos trazer.

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Gabriel Paixão

Colaborador e fã de bagaceiras de gosto duvidoso. Um Floydiano de carteirinha que tem em casa estantes repletas de vinis riscados e VHS's embolorados. Co-autor do livro Medo de Palhaço, produz as Horreviews e Fevericídios no Canal do Inferno!

4 thoughts on “Um Pesadelo Americano: A História do Exploitation – Parte 4

  • 10/09/2015 em 09:42
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    excelente materia, está de parabens. Aqui no brasil, acredito que o povo e o governo tem menos memória ainda. O cinema da boca do lixo que pode ser considerado o nosso explotation é tão mais desvalorizado e esquecido que dá raiva (só são lembrados e valorizados hoje por pseudointelecutais, pentelhos daquela época como Glauber Rocha, apenas)
    É um absurdo que caras tão loucos e irreverentes como Sady Baby, anão Chumbinho, etc ou mesmo gênios como Jean Garret e Walter Hugo Khouri caiam neste osctracismo.

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  • 20/03/2015 em 21:36
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    Não sei se é uma espécie de efeito nostalgia ou uma curiosidade mórbida (sim, com todos os trocadilhos possíveis!), mas a verdade é que fiquei terrivelmente interessado em assistir a estas pérolas do cinema B, tanto as que vingaram na história do cinema quanto àquelas que vieram a se tornar notas de rodapé nas enciclopédias da sétima arte. Confesso que nunca fui muito fá de horror/terror, porém tenho compreendido que afora a canastrice e o baixo orçamento há uma preocupação em se contar uma história que procure desafiar o espectador, fazendo-o confrontar seus próprios medos, preconceitos e formas de enxergar o bem e o mal ao redor do mundo. Talvez seja esta a moral da história do cinema exploitation: há mais entre o céu e o inferno do que teme/amedronta/sofre/ fere/tortura nossa vã filosofia.

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  • 11/01/2015 em 15:28
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    Valeu a pena esperar para ver novamente esta excelente matéria. Meus parabéns pelo retorno da matéria. E é triste que não se tenham mais espaço para esse gênero hoje em dia.

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