Vidro (2019)

2.4
(5)

Vidro
Original:Glass
Ano:2019•País:EUA
Direção:M. Night Shyamalan
Roteiro:M. Night Shyamalan
Produção:Marc Bienstock, Jason Blum, Ashwin Rajan, M. Night Shyamalan
Elenco:James McAvoy, Bruce Willis, Samuel L. Jackson, Anya Taylor-Joy, Sarah Paulson, Spencer Treat Clark, Charlayne Woodard, Luke Kirby, Adam David Thompson, M. Night Shyamalan, Shannon Destiny Ryan, Diana Silvers, Nina Wisner, Kyli Zion, Serge Didenko

A surpreendente filmografia de M. Night Shyamalan sempre foi moldada em surpresas. Desde seu primeiro longa de destaque, O Sexto Sentido, ele já deixava evidente que seria muito difícil classificar seus trabalhos em apenas um gênero. Um garoto que via pessoas mortas deixava traços de um drama psicológico com elementos sobrenaturais e de terror; Sinais trazia uma invasão à Terra por alienígenas hostis numa ficção científica dramática com toques religiosos; e a mesma dificuldade avaliativa pode ser observada em A Vila, A Dama na Água, e até o pós-apocalíptico ambiental Fim dos Tempos. Essa sensação de um cinema metafórico, relacionado a um universo familiar, marcou seus trabalhos, intensificados pela frequência dos finais surpresas, os tais plot twists. O principal deles, o que levou o público ao delírio nas exibições pelo mundo, foi visto na última cena de Fragmentado, estabelecendo um interessante link com Corpo Fechado.

Lançado em 2000, o segundo popular trabalho do cineasta indiano tocava no universo dos quadrinhos ao apresentar o que poderia ser o nascimento de um herói real – e a surpresa de que ele sempre vem acompanhado de um vilão. Estrelado por dois nomes de peso, Bruce Willis e Samuel L. Jackson, o filme trazia referências aos quadrinhos ao passo que mostrava a dificuldade de relacionamento do herói, David Dunn, com a esposa e o filho, num tema que já havia sido abordado em seu longa anterior. Quem gosta de ver adaptações, principalmente após a enxurrada de produções da Marvel e da DC, esperava mais ação e efeitos especiais, enquanto uma parte do público entendia que a proposta era manter os pés no chão. Na época, Shyamalan já havia dito que pretendia desenvolver uma trilogia sobre o tema, mas acabou não realizando logo em seguida por não acreditar que o espectador estivesse preparado para vê-la – e talvez a renda não tão grandiosa como a de O Sexto Sentido tenha funcionado como um sinal de alerta para seus planos como diretor.

Em entrevista durante sua passagem pela CCXP 2018, Shyamalan disse que sempre que encontrava Samuel L. Jackson era questionado sobre a realização de um novo filme. Quando lançou Fragmentado, em 2016, ele fez uma exibição particular para o ator e ao término confirmou que um novo filme iria mesmo ser feito. Não traria apenas o inquebrável Vigilante e seu antagonista Senhor Vidro, mas também o peculiar Kevin e suas múltiplas personalidades, na interpretação divertida de James McAvoy. Contudo, um plot twist na filmografia do diretor: diferente de todos os seus trabalhos, esta era sua primeira continuação – Fragmentadopode ser considerada uma sequência indireta – e o público tinha mais ou menos uma ideia do que estaria por vir. Como surpreender e colocar esses três grandes personagens, cujas características já haviam sido trabalhadas, numa mesma sequência narrativa e ainda trazer novidades para o público? Shyamalan, então, escreveu um roteiro de mais de três horas de duração, mas diminuiu o conteúdo na edição para alcançar a aceitável duas horas e oito minutos. Se por um lado o universo já era conhecido, por outro o diretor manteve seu fardo com a crítica e público: há quem tenha visto com bons olhos o aguardado embate; assim como os que definiram como um dos seus longas mais fracos, devido à grande expectativa despertada com as imagens e os trailers.

Vidro estreou nos cinemas brasileiros no último dia 17, com um orçamento estimado em pouco mais de U$20 milhões de dólares. Fez U$46 milhões apenas nos Estados Unidos e Canadá, mas já conquistou U$95 somando as estreias pelo mundo. Uma marca bem expressiva que mostra o quanto o público está gostando do novo trabalho, ainda que uma parcela de críticos já tenha evidenciado suas falhas como de costume. Sim, o novo filme do diretor está realmente acima da média como era de se esperar, mas também apresenta alguns problemas em sua narrativa, principalmente no que se refere ao território em que Shyamalan sempre se sentiu mais à vontade: a surpresa final!

O longa se passa três semanas depois do mundo descobrir os crimes de Kevin Wendell Crumb (McAvoy), apelidado pela mídia de A Horda. Ainda solto, ele pretende fazer uma nova oferenda para a Besta em uma fábrica abandonada, com um grupo de estudantes, alternando suas personalidades para desespero das vítimas. Enquanto isso, David Dunn (Willis) se uniu ao filho Joseph (Spencer Treat Clark) numa empresa de segurança, que serve de fachada para que eles pesquisem criminosos para uma ação justiceira, almejando o grande vilão que a mídia vive falando a respeito. O problema é que o Vigilante também está sendo procurado pela polícia, o que obriga a dupla a agir com cuidado para evitar uma identificação.

Seguindo uma pista, Dunn esbarra na personalidade Hedwig, eternamente com nove anos, e descobre o local onde ele mantém suas vítimas, culminando no primeiro e intenso confronto com a Besta. A sequência é bem ao estilo do diretor ao trabalhar com a tensão e o suspense, através do que não pode ser visto, até a luta corporal, seguindo o que ele havia feito em Corpo Fechado. A dupla é surpreendida pela polícia e pela Dra. Ellie Staple (Sarah Paulson), que os conduz a uma instituição psiquiátrica, devidamente preparada para receber pacientes que acreditam ser super-heróis. Com apenas três dias para realizar sua pesquisa e tentar convencê-los de sua condição psicologicamente problemática, a doutora desperta também um terceiro convidado, Elijah Price (Jackson), vulgo Senhor Vidro, imaginando que o contato entre os doentes possa trazer benefícios para um bom diagnóstico.

Não é preciso dizer muito mais sobre o enredo. Na verdade, os três trailers divulgados já preparam os atos da narrativa, mesmo que sejam apresentados fora de ordem. Apesar dessa obviedade estrutural, entende-se que o formato se modela na organização de uma HQ: 1. o vilão é apresentado em ação. 2. o herói é mostrado em ação. 3. há um primeiro confronto…e por aí vai. Quem está habituado com as páginas acaba imaginando como e onde será a luta final, além do clímax que irá determinar o vencedor. E é aí que Shyamalan mostra sua força narrativa ao surpreender o espectador no desenvolvimento do embate entre os personagens, e ainda inclui quotes que brincam com a estrutura dos quadrinhos. Para aumentar as doses de emoção, o cineasta dramatiza a sequência que deveria ser mais movimentada, e movimenta a que aparentava ser melodramática. E o faz de maneira muito bem feita. Mas…

Ao buscar uma cereja para seu bolo, ele traz uma nova surpresa, e ainda mais outra. Uma não funciona muito bem como era de esperar, soando apenas como uma alegoria do enredo, embora deixe ao final uma mensagem que poderia até promover novos filmes dentro dessa temática – algo que o diretor já afirmou que não pretende fazer. Esse universo de heróis e vilões já foi bem explorado nos três filmes, com a quantidade adequada de referências e personagens interessantes; mexer nele pode ser perigoso o suficiente para transformar um cineasta bem conceituado em um vilão oportunista.

Se a personagem de Anya Taylor-Joy parece não saber porque está ali, surpreendendo até mesmo as personalidades de Kevin, os demais se encaixam perfeitamente dentro de proposta, sabendo muito bem escolher seus lados. O diretor mantém a boa direção, acerta na reconstrução de cenas do passado com ótimos efeitos e lida bem com os conflitos em diálogos muito bem escritos, como de costume.

Vidro termina de maneira satisfatória uma série que homenageia muito bem os aficionados por quadrinhos, deixando o espectador com vontade de ver mais, talvez ler a respeito e explorar ainda mais esse belíssimo universo, desde que seja envolto de surpresas preparadas por alguém que sabe surpreender!

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Marcelo Milici

Professor e crítico de cinema há vinte anos, fundou o site Boca do Inferno, uma das principais referências do gênero fantástico no Brasil. Foi colunista do site Omelete, articulista da revista Amazing e jurado dos festivais Cinefantasy, Espantomania, SP Terror e do sarau da Casa das Rosas. Possui publicações em diversas antologias como “Terra Morta”, Arquivos do Mal”, “Galáxias Ocultas”, “A Hora Morta” e “Insanidade”, além de composições poéticas no livro “A Sociedade dos Poetas Vivos”. É um dos autores da enciclopédia “Medo de Palhaço”, lançado pela editora Évora.

8 thoughts on “Vidro (2019)

  • 17/08/2022 em 16:54
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    Uma grande bosta!! Esperava um confronto empolgante entre Dunn e a Horda tendo a participação do Sr. Vidro manipulando os dois antagonistas. Mas o que vemos? Uma doutora com uma lenga lenga sem fim, uma organização secreta sem o menor sentido e, o pior de tudo, a morte totalmente anticlimática de Dunn em uma poça d’agua. O indiano deve ter escrito este roteiro com a bunda enquanto estava com uma diarréia violenta!!

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  • 24/01/2019 em 19:37
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    Gostei do final e de ambas surpresas – funcionam muito bem dentro do universo proposto e criado por ele. E o trio principal vai deixar saudade

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  • 24/01/2019 em 19:15
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    Dos três acabou sendo o mais fraco, mas cumpriu bem o papel de encerrar a trilogia.

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  • 24/01/2019 em 14:13
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    Triste, em pleno 2019 a gente tem que ver a cara do Bruce Willis.

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    • 08/02/2019 em 15:25
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      Triste é em pleno 2019 a gente ter que ainda aturar comentários desse tipo….
      Fala sério.

      Resposta

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