Chernobyl (2019)

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Chernobyl
Original:Chernobyl
Ano:2019•País:EUA, UK
Direção:Johan Renck
Roteiro:Craig Mazin
Produção:Sanne Wohlenberg
Elenco:Jessie Buckley, Jared Harris, Stellan Skarsgård, Adam Nagaitis, Emily Watson, Paul Ritter, Robert Emms, Sam Troughton, Karl Davies, Michael Socha, Laura Elphinstone, Jan Ricica

Considerada a maior tragédia radioativa do mundo, a explosão do reator quatro na usina de Chernobyl foi grande o suficiente para até hoje ser um tema delicado e assustador para todos os envolvidos e também para quem estava bem longe do acidente. A usina nuclear de Chernobyl fica na Ucrânia, que na época fazia parte da União Soviética. Inicialmente encoberta pelo governo, a onda radioativa foi tão devastadora que foi identificada na Suécia, quase três mil quilômetros de distância de Chernobyl.

Hoje, a chamada zona de exclusão atinge não apenas a área da usina nuclear como algumas cidades próximas com destaque para a cidade de Pripyat. É lendário e praticamente conhecido em todo mundo o drama dos moradores de Pripyat, que não foram avisados imediatamente do risco da explosão na usina e foram retirados apenas dois dias depois. Todos os moradores de Pripyat acharam que se tratava apenas de um incêndio quando na verdade estavam sendo atingidos de forma direta por fortes ondas de radiação. Como consequência, muitos morreram nos meses e anos seguintes por doenças provocadas pelos fortes efeitos da radiação. Pripyat nunca mais voltou a ser ocupada e, de acordo com cientistas e físicos nucleares, a cidade e os arredores não são seguros como lugar de habitação pelos próximos séculos.

Até hoje, existem mais mistérios do que respostas claras quanto ao que provocou a tragédia. A maioria dos estudos aponta que o acidente ocorreu durante um teste de segurança feito de forma irregular em uma mistura de falha humana com problemas técnicos do próprio reator. A explosão de vapor atirou grafite ao ar livre e o que os bombeiros achavam que era um incêndio normal era na verdade o interior do reator aberto e em combustão. Todos os 28 bombeiros que foram chamados para apagar este pseudo-incêndio morreram alguns meses depois. Hoje Prypiat é uma cidade fantasma.

Com o passar dos anos, diversas lendas começaram a se espalhar sobre Pripyat desde animais mutantes até seres humanos que ainda moram no local. Um tema tão trágico e repleto de mistério naturalmente serviria de enredo para produções audiovisuais de filmes, séries, documentários e até jogos de videogame. O mais recente destes produtos veio em formato de série produzida pela HBO. Com o título de Chernobyl, a série, que possui cinco capítulos, já está sendo considerada um dos destaques televisivos do ano seja pela qualidade da produção como também pela dramaticidade da obra.

A série acompanha o exato momento no qual o reator explodiu e o que aconteceu nos dias e meses seguintes. Sem fazer ideia da gravidade do problema, o governo convocou o físico nuclear Valery Legasov (Jared Harris) para ir ao lugar para solucionar o problema do incêndio que não consegue ser apagado. Ao chegar ao lugar, Legasov percebe que estava diante de uma tragédia inédita no planeta.

A série da HBO talvez seja a reprodução mais próxima do que realmente possa ter acontecido em Chernobyl uma vez que o personagem Valery Legasov não apenas existiu de verdade como deixou todas as suas impressões sobre a tragédia em anotações e fitas K7. A maioria dos personagens são baseados em pessoas que realmente existiram e isto torna a série ainda mais impactante do ponto de vista dramático. Desde o bombeiro que deixou a esposa grávida para ir apagar o incêndio até funcionários da União Soviética agindo de acordo com o que lhes era esperado pelo governo.

A série da HBO não é apenas bem produzida como também é dramática, assustadora e revoltante. Ao deixar a ficção de lado, tudo o que é mostrado é compreendido como mais um ponto de convergência da tragédia. Os cinco episódios mantém o fôlego até a sua conclusão. Com certeza, uma série que deve ser conferida.

Um dia em Pripyat e Chernobyl

(as fotos a seguir foram tiradas por Filipe Falcão em sua passagem por Chernobyl)

Compartilho agora partes de um texto que escrevi sobre as minhas impressões de Chernobyl e de Pripyat quando visitei o lugar em junho de 2018. Este texto, assim como fotos e vídeos, foram publicados em sua totalidade na revista eletrônica O Grito.

Quando decidi ir a Romênia, para conhecer a Transilvânia, olhei ao redor para ver quais eram os países vizinhos. Eis que me deparo com a Ucrânia e imediatamente pensei em ir conhecer Chernobyl e Pripyat. Eu não tinha um motivo específico, mas provavelmente decidi ir porque sempre escutei falar de Chernobyl e do desastre nuclear. Decidi fazer o “passeio” que incluía Pripyat e a área externa da usina nuclear. Usei aspas para a palavra passeio para não parecer que estou usando da mesma forma como faria caso fosse a um museu ou a um parque. Durante o texto usarei mais algumas aspas.

Visitar Pripyat e Chernobyl é uma experiência diferente de qualquer outra. A maioria das pessoas se choca ao saber que você esteve lá e logo fazem comparações com visitas a campos de concentrações. Eu já estive em um campo de concentração em Berlim e respondo com toda a certeza que foi a pior experiência da minha vida. Passei menos de dois minutos e saí me sentindo mal. Eu não consigo explicar de forma lógica o que senti, mas eu simplesmente fui tomado por uma tristeza profunda que me fez sair de lá quase que imediatamente.

Apesar do alto número de mortos, o que aconteceu em Chernobyl foi um “acidente”. Mais uma vez com aspas… Em Chernobyl, não tive nenhuma sensação negativa. Tampouco positiva. Acho que sensação que tive, se for necessário pensar em alguma, foi de solidão.

Bom, mas antes de falar de Chernobyl, é importante saber como chegar lá. O local fica cerca de duas horas de ônibus de Kiev, a capital ucraniana. Não se pode chegar em Chernobyl quando bem se quer. É necessário comprar o “passeio” com antecedência. Seus dados de passaporte são enviados para quem administra o “tour”, que repassa as informações para o exército ucraniano. O grupo no qual fui tinha cerca de 15 pessoas. Ao chegar ao local, vigiado por militares, todos precisam descer para mostrar os passaportes.

O ponto onde descemos é a área na qual ficam os prédios residenciais de Pripyat. A sensação que tive foi de estar em uma cidade fantasma. O mato e a vegetação tornam difícil ver todos os prédios. Não é permitido entrar nos edifícios. A guia explica que antigamente os visitantes roubavam itens das casas como souvenires. Uma sensação muito estranha é que todos os prédios residenciais possuem muitas janelas e às vezes parece que estamos sendo observados.

Eu me afastei um pouco do grupo, algo que é proibido, e para minha surpresa me vi rodeado pelo silêncio. Pripyat é antes de qualquer coisa um local silencioso. Os guias dizem que não existem pássaros na área. Eu não lembro de ter visto algum, embora tenha visto alguns cachorros. Ali mesmo, onde eu estava, as árvores pareciam não se moverem com o fraco vento. Ali, eu percebia apenas o barulho dos passos das pessoas.

Fiquei imaginando que com a saída do grupo, como aquele lugar deve ser totalmente silencioso e solitário. Pensei como seria o mesmo de noite. Infelizmente visitas à noite são totalmente proibidas. Decidi fazer as minhas fotos com esta ideia de silêncio e solidão além da ausência do elemento humano. Não queria que pessoas do grupo aparecessem nas minhas fotos. Tentei preservar a sensação que Pripyat me passou. Fiz apenas uma foto minha durante todo o dia em uma placa da entrada, mas não publiquei nem postei esta foto em nenhum lugar. Vi um grupo fazendo fotos como se estivessem em qualquer ponto turístico. Me pareceu desrespeitoso.

É incrível a sensação de que o tempo parou naquele lugar. Além da Ucrânia e Romênia, também estive na Bulgária e nos três países, todos da antiga União Soviética, mas foi em Pripyat o único lugar que vi uma estátua de Lenin. Todas as outras nos três países foram retiradas.

Começamos a caminhar. Somos alertados de que não devemos tocar em absolutamente nada. Antes do “passeio” recebemos emails explicando que devemos ir de calças e camisas com mangas longas. Fazemos boa parte do percurso caminhando. Isto significa andar no meio do bosque. A vegetação é grande em alguns trechos e naturalmente galhos batem em nossos braços e pernas enquanto caminhamos.

Ao chegarmos em prédios públicos como escolas, teatros e ginásios, entre outros, podemos entrar. Não é permitido ninguém se separar do grupo e o tempo é milimetricamente cronometrado. Dez minutos em um prédio, vinte no próximo e cinco no seguinte. Salas de aula, escritórios, vestiários.

De lá vamos também caminhando para o parque de diversões que nunca chegou a ser utilizado. Lá temos a roda gigante amarela. A mesma sensação de solidão e de silêncio de todo o dia se intensificou ainda mais em um lugar que é sinônimo de alegria e diversão. No parque, a sensação se potencializa.

Depois de horas caminhando, pegamos o ônibus para irmos ao reator que provocou a tragédia. Esta talvez seja a parte “menos interessante” do ponto visual, uma vez que por ser coberto, não é possível ter a ideia de estarmos diante de um reator, mas sim de uma grande caixa metálica. Alguns cachorros aparecem. Apesar de mansos, não podemos tocar neles por precaução, dizem os guias. Ficamos poucos minutos e depois seguimos. É o trecho mais curto do “passeio”. Vamos ter mais umas duas paradas, mas sem nada realmente digno de memória.

Ao fim do dia estamos prontos para deixar Chernobyl. Passamos duas horas no ônibus de volta para Kiev. Cansados e impressionados, todos voltam em silêncio no ônibus. Ao chegar no hotel a primeira coisa que fiz foi tirar a roupa e tomar um demorado banho. Depois me deitei e fiquei olhando as fotos que fiz. De volta a um lugar vivo, com pessoas e barulho, ver as fotos de Chernobyl me fez pensar que estive em outra realidade. Naquela noite, permaneci um pouco em silêncio como se estivesse aos poucos devolvendo Chernobyl a um lugar distante e mais uma vez inatingível.

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Filipe Falcão

Jornalista formado e Doutor em Comunicação. Fã de filmes de terror, pesquisa academicamente o gênero desde 2006. Autor dos livros Fronteiras do Medo e A Aceleração do Medo e co-autor do livro Medo de Palhaço.

2 thoughts on “Chernobyl (2019)

  • 03/07/2019 em 10:55
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    Gostei muito do texto, se vê a dedicação e empenho por fazer um conteúdo de qualidade. Parabens.

    Resposta
  • 25/06/2019 em 23:43
    Permalink

    Adimiro seu empenho e sua dedicação com seu trabalho para fazer esse tipo de coisa só. Com muita paixão pelo mundo nerd

    Resposta

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