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Inquilinos Macabros
Original:Ban Chao Buchayan / Home for Rent
Ano:2023•País:Tailândia
Direção:Sophon Sakdaphisit
Roteiro:Sophon Sakdaphisit, Tanida Hantaweewatana
Produção:Jira Maligool, Vanridee Pongsittisak
Elenco:Nittha Jirayungyurn, Sukollawat Kanarot, Thanyaphat Mayuraleela, Penpak Sirikul, Namfon Pakdee, Suphithak Chatsuriyawong, Natniphaporm Ingamornrat, Pawarisa Surathin, Piranpatch Teawsakul, Tan Taofa Maneeprasopchok, Narupornkamol Chaisang

O cinema de horror asiático construiu reputação global através de atmosfera sufocante, terror psicológico e fantasmas que assombram não apenas espaços físicos, mas traumas emocionais não resolvidos. De Ring – O Chamado (1998) a O Lamento (2016), passando por Noroi: A Maldição (2005) e Espíritos – A Morte Está ao Seu Lado (2004), o gênero provou que horror mais eficaz frequentemente reside no que não se vê, no silêncio antes do grito, na lentidão calculada que permite tensão acumular até se tornar insuportável. Mas há diferença crucial entre lentidão deliberada que constrói atmosfera e simples tédio disfarçado de contemplação. Entre paciência narrativa que recompensa atenção e duração injustificada que testa resistência da audiência. Entre minimalismo proposital e preguiça criativa. Inquilinos Macabros (2023) exemplifica essa última categoria de forma quase didática, um filme que confunde lentidão com profundidade, que acumula clichês enquanto acredita subvertê-los, que se estende por duas horas quando teria dificuldade em justificar noventa minutos.

A premissa carrega potencial genuíno: Ning e Kwin, casal em dificuldades financeiras, alugam sua casa para uma família aparentemente normal (avó idosa, mãe e filha pequena). Gradualmente, comportamentos estranhos surgem. A inquilina realiza rituais noturnos, a criança age de forma perturbadora, e Ning começa a suspeitar que algo sobrenatural habita sua casa. O roteiro estrutura a narrativa através de três perspectivas (Ning, Kwin, e a sogra de Ning), cada uma revelando camadas adicionais de uma conspiração envolvendo cultos satânicos, tentativas de ressurreição e segredos familiares enterrados. Em papel, é estrutura interessante que permite reviravoltas e recontextualização de eventos. Na prática, resulta em repetição enfadonha onde informação é mastigada excessivamente, onde mistério é sacrificado em altar de explicação redundante.

O roteiro é fundamentalmente raso. Personagens existem como funções narrativas, não como pessoas. Ning é “a mãe enlutada“, Kwin é “o marido distante“, a sogra é “a figura materna protetora“. Nenhum possui nuances que os tornem memoráveis, nenhum recebe arco dramático que justifique investimento emocional de duas horas. Os twists, embora conceitualmente interessantes (especialmente as revelações do terceiro ato sobre motivações verdadeiras), são telegrafados com antecedência suficiente para eliminar surpresa, e mal executados através de diálogos expositivos que explicam ao invés de revelar organicamente. Pior, a estrutura de múltiplas perspectivas, ao invés de aprofundar compreensão ou adicionar ambiguidade, simplesmente repete eventos ligeiramente diferentes, esvaziando impacto de reviravoltas que deveriam recontextualizar tudo.

Sophon Sakdaphisit dirige como alguém que estudou superficialmente o vocabulário visual do horror asiático sem compreender sua gramática emocional. Conhece os trejeitos (câmera lenta em corredores escuros, enquadramentos de portas abertas sugerindo presenças invisíveis, planos fixos de personagens olhando para algo fora de quadro), mas não entende quando e por que utilizá-los. O resultado é uma direção que imita a forma sem capturar a essência. Há cenas onde a câmera se move com lentidão irritante, não para construir tensão mas aparentemente porque alguém decidiu que “filme de terror asiático precisa ser lento“. Há momentos onde personagens permanecem estáticos olhando para o nada por segundos intermináveis, não porque a contemplação serve ao drama, mas porque preenche tempo de tela.

A maior falha de Sakdaphisit é completa incapacidade de criar atmosfera de suspense genuíno. Para diretor fazendo filme que se propõe como festival de jump scares, a incompetência em estabelecer tensão antes do susto é fatal. Artifícios de sustos funcionam precisamente porque a audiência está tensa, vulnerável, esperando, mas não sabendo exatamente quando o golpe virá. Aqui, os sustos são telegrafados com tanta antecedência (através de trilha sonora que aumenta de volume, através de movimentos óbvios de câmera, através de timing previsível) que se tornam mais irritantes que assustadores. É como assistir mágico anunciar cada truque antes de executá-lo.

A fotografia é competente no sentido mais burocrático possível. Segue cartilha tradicional do horror sem adicionar personalidade ou inovação. Espaços são adequadamente iluminados, enquadramentos são funcionais, cores seguem paleta esperada (azuis frios para cenas noturnas, amarelos doentios para interiores). Mas falta coragem de abraçar escuridão verdadeira, de utilizar luz e sombra para criar geometria de medo. Compare com Espíritos – A Morte Está ao Seu Lado, outro horror tailandês, onde Niramon Ross utiliza fotografia para transformar Bangkok em labirinto de sombras ameaçadoras, onde cada flash de câmera revela horrores que a escuridão escondia. Ou com O Lamento, onde Hong Kyung-pyo orquestra luz natural para criar ambiguidade visual que espelha ambiguidade moral. Inquilinos Macabros ilumina tudo uniformemente, eliminando profundidade espacial e textura visual que poderiam amplificar desconforto.

O design de produção é adequado. A casa dos protagonistas parece crível como lar de classe média tailandesa, objetos rituais possuem autenticidade superficial, figurinos correspondem aos personagens. Mas adequação não compensa ausência de visão artística. Nada na cenografia comunica tematicamente, nada nos espaços reflete o estado emocional dos personagens ou pressagia horrores vindouros. É design de produção que cumpre requisitos mínimos sem aspirar além disso.

O ritmo é problema devastador. O primeiro ato se arrasta por aproximadamente uma hora estabelecendo dinâmicas que ficam claras nos primeiros quinze minutos. Não é slow burn, é simplesmente lento. A edição tenta compensar com flashbacks e saltos temporais através das múltiplas perspectivas, mas ao invés de adicionar complexidade, resultam em confusão estrutural. Eventos são revisitados múltiplas vezes de ângulos ligeiramente diferentes, mas sem revelar informações suficientemente novas para justificar a repetição. É como assistir o mesmo filme três vezes com pequenas variações, nenhuma tão significativa quanto a narrativa acredita ser.

A trilha sonora é burocrática no pior sentido. Aumenta volume para sinalizar “agora você deveria estar assustado“, utiliza cordas dissonantes em momentos de tensão presumida, recorre a silêncios súbitos antes de jump scares. É partitura que não confia na capacidade da direção ou da narrativa de gerar medo, tentando compensar através de manipulação sonora óbvia. É diferença entre fazer a audiência pular porque algo inesperado aconteceu versus fazer a audiência pular porque um som alto foi reproduzido. Pior ainda são os efeitos sonoros artificiais que traem qualquer tentativa de realismo. Há cena onde personagem se corta na palma da mão com faca, e a trilha sonora adiciona som exagerado de vísceras sendo manipuladas, como se o corte superficial em pele produzisse barulho de açougue. Cortes na palma da mão não produzem quase som algum, mas o filme adiciona foley grotesco e cartunesco que quebra imersão completamente. É tipo de escolha que revela falta de atenção a detalhes ou, pior, desrespeito pela inteligência da audiência.

O elenco entrega o que aparentemente foi demandado deles, mas está claro que foram mal dirigidos. Nittha Jirayungyurn como Ning possui momentos de vulnerabilidade genuína, mas está presa a um personagem que oscila entre apenas duas notas emocionais: tristeza apática e medo histérico. Sukollawat Kanarot como Kwin interpreta o marido distante com tanta distância que se torna quase uma ausência. A menina Ingkarat Damrongsakkul, que interpreta a filha inquilina, entrega performance de “criança assustadora” que seria eficaz se o filme a utilizasse com mais parcimônia, mas sua presença constante transforma o potencialmente perturbador em previsível. O problema não está nos atores, mas na direção que não soube extrair nuances e no roteiro que não ofereceu camadas para interpretar.

O filme inicia com promessa de entregar história perturbadora ancorada em drama familiar pesado. Mas passado esse estabelecimento inicial, fica claro que o filme não se aprofundará. A dinâmica do casal é mencionada mas nunca explorada. A dependência emocional entre Ning e sua sogra é sugerida mas abandonada. Todos esses elementos dramáticos poderiam ter elevado Inquilinos Macabros além de simples horror de possessão, transformando-o em meditação sobre perda, culpa e os limites éticos do amor parental. Ao invés disso, permanecem como conceitos não realizados, intenções que nunca se materializam em desenvolvimento narrativo real.

O único aspecto temático que merece reconhecimento é a tentativa de explorar até onde pais iriam para trazer filhos mortos de volta. Há paralelo interessante entre incapacidade de superar perda e disposição de recorrer a qualquer meio (incluindo rituais satânicos) para uma segunda chance. É território que Cemitério Maldito (1989) explorou com horror visceral, que O Babadook (2014) abordou através de metáfora psicológica, que Hereditário (2018) utilizou como motor para tragédia familiar. Inquilinos Macabros possui os elementos para similar exploração, mas os mantém na superfície. A ideia está lá, a intenção é clara, mas a execução nunca vai além de esboço.

Os efeitos visuais digitais expõem brutalmente as limitações orçamentárias. CGI de baixo custo é visível em momentos cruciais, especialmente nas manifestações sobrenaturais do terceiro ato, destruindo qualquer imersão que o filme tenha conseguido construir. Pior ainda é o trabalho de maquiagem de efeitos práticos. O sangue falso possui coloração rosada, textura excessivamente espessa e limpeza artificial que imediatamente o identifica como falso. É sangue que parece ter sido criado por alguém experimentando pela primeira vez a receita de corante alimentício e xarope de milho. A maquiagem de lentes de contato não consegue se esconder como maquiagem porque a direção insiste em closes extremos sem a escuridão ou movimento de câmera que poderiam disfarçar as limitações. É como se o filme quisesse exibir seu trabalho de efeitos sem perceber que esse trabalho não é bom o suficiente para resistir a escrutínio.

Compare isso com Noroi: A Maldição (2005), que contorna limitações orçamentárias através de formato found footage e sugestão ao invés de exposição, ou com Água Negra (2002), que utiliza minimalismo visual para tornar manifestações sobrenaturais mais perturbadoras precisamente por não mostrá-las completamente. Inquilinos Macabros não possui sabedoria ou humildade para reconhecer suas limitações e trabalhar dentro delas. Ao invés disso, tenta efeitos que seu orçamento não pode realizar satisfatoriamente.

O terceiro ato acelera abruptamente após quase duas horas de lentidão, despejando revelações e confrontos num ritmo que contrasta jarrantemente com tudo anterior. Quando o final chega, a sensação predominante não é catarse ou impacto emocional, mas alívio de que finalmente acabou. O filme opta por conclusão pessimista, escolha que em tese merece crédito por evitar final feliz convencional. Mas pessimismo sem impacto emocional é apenas niilismo vazio. Para que desfecho sombrio ressoe, a audiência precisa ter investido emocionalmente nos personagens e em sua jornada. Após duas horas de desenvolvimento raso e ritmo torturante, o destino dos personagens provoca indiferença.

As comparações com Invocação do Mal (2013) e a franquia Sobrenatural são inevitáveis e devastadoras. Inquilinos Macabros recria beat por beat momentos icônicos daqueles filmes sem adicionar perspectiva própria. Há cena de visita ao sótão que termina com susto ao fundo. Há espírito aparentemente aprisionado em boneco amaldiçoado. Há senhora grisalha de óculos performando ritual, clichê tão desgastado que críticos especificamente o mencionam como exemplo de falta de originalidade. James Wan e Leigh Whannell, criadores de Sobrenatural, demonstravam ao menos energia frenética e compromisso com seus próprios absurdos. Inquilinos Macabros possui a preguiça de copiar sem a autoconsciência necessária para transformar clichê em homenagem autoconsciente ou a habilidade de adicionar twist suficiente para justificar familiaridade.

Para espectadores buscando horror tailandês de qualidade, Espíritos – A Morte Está ao Seu Lado, A Médium (2021), ou até Pee Mak (2013, comédia de horror que ao menos tem energia e charme) oferecem experiências infinitamente superiores. Para quem procura exploração genuína de luto parental através de horror, O Babadook, Hereditário ou Inverno de Sangue em Veneza (1973) demonstram como temas pesados podem ser integrados organicamente em narrativas de gênero. Para admiradores de estruturas narrativas não lineares e múltiplas perspectivas, Amnésia (2000) ou A Criada (2016) provam como complexidade formal pode servir ao invés de obscurecer história.

Inquilinos Macabros não oferece nada que justifique suas duas horas de duração. Não há inovação visual, não há profundidade emocional, não há sustos eficazes, não há personagens memoráveis, não há temas desenvolvidos além de conceitos. É exercício de mediocridade que ocasionalmente flerta com incompetência técnica, produto de fórmula seguida mecanicamente sem inspiração ou paixão.

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