O Exorcista II – O Herege (1977)

3.3
(12)

O Exorcista 2 - O Herege
Original:Exorcist II: The Heretic
Ano:1977•País:EUA
Direção:John Boorman
Roteiro:William Goodhart
Produção:John Boorman, Richard Lederer
Elenco:Richard Burton, Linda Blair, Louise Fletcher, Max von Sydow, Kitty Winn, Paul Henreid, James Earl Jones, Ned Beatty, Belinda Beatty, Rose Portillo, Barbara Cason

O Demônio está de volta à Rua Prospect, número 8, em Georgetown. Pelo menos essa era a intenção dos realizadores do terrível – no mau sentido – Exorcista 2: O Herege, lançado quatro anos após o clássico absoluto de William Friedkin. O original assume facilmente o topo de qualquer lista dos melhores filmes de terror de todos os tempos, mesmo que muitos questionem a sua narrativa lenta e esqueçam a ousadia do romance de William Peter Blatty, algo jamais previsto para a época de seu lançamento. Também não imaginavam que aquela produção de quase 10 milhões de dólares um dia alcançaria a marca de 200 milhões, arrastando multidões aos cinemas a cada nova reestreia ou versão lançada.

É provável que isso estivesse longe da imaginação de John Boorman, quando ele foi chamado para dirigir o original, depois do trabalho desenvolvido em Amargo Pesadelo, de 72, e recusou, acreditando que o filme era altamente repulsivo. No entanto, o cineasta, que recuperaria a confiança em 1981 ao comandar o clássico Excalibur, não pensou duas vezes à oferta de assumir a sequência: Todo filme tem que encontrar uma conexão com sua audiência. Aqui eu vi a chance de fazer um filme extremamente ambicioso sem ter que perder tempo desenvolvendo essa conexão. Pois o problema estaria exatamente nessa conexão, já que era inevitável a comparação com o original, e o público esperava exatamente isso.

Não havia a necessidade de repetir a fórmula do primeiro filme, colocando a menina novamente presa a uma cama, vomitando gosmas verdes e dizendo obcenidades. E nem se quisessem fazer a mesma coisa não seria possível. Linda Blair aceitou reprisar o papel desde que não precisasse usar novamente a pesada maquiagem – na continuação, as poucas cenas de possessão foram interpretadas por uma dublê -; Ellen Burstyn se recusou a assumir novamente Chris MacNeil, mesmo tendo sido nomeada ao Oscar de Atriz Coadjuvante; e Max von Sydow foi relutante para voltar a encarnar o Padre Merrin pois o original havia sido um sucesso na mesma proporção que surtiu um impacto negativo em sua carreira. E tanto William Friedkin quanto William Peter Blatty não tiveram a menor vontade de trabalhar no filme, principalmente ao saberem quais eram as intenções da Warner Bros.

De acordo com o co-produtor Richard Lederer, o pontapé inicial de Exorcista 2 era praticamente um remake com baixo orçamento. Nós queríamos essencialmente fazer nessa sequência uma repetição do primeiro filme…teria uma figura central, um padre investigativo, entrevistando pessoas envolvidas com exorcismo e utilizando ângulos não vistos. Seria um remake em baixo orçamento – 3 milhões – do original, com objetivo de se aproximar do modo como foi feito. Foi assim que começou., disse Lederer, admitindo que sua ideia era melhor do que a que foi utilizada.

Quando o projeto chegou às mãos de William Goodhart para escrever o roteiro ele já sabia que o objetivo era se aprofundar nas teorias de Pierre Teilhard de Chardin, o jesuíta paleontólogo e arqueologista que inspirou a criação do personagem de Padre Merrin por Blatty. O texto previa o retorno do Padre Joseph Dyer, interpretado por William O’Malley, mas com a recusa do ator foi criado um outro padre, Philip Lamont. O papel foi oferecido a nomes como Jon Voight, David Carradine, Jack Nicholson e Christopher Walken, sendo que Boorman queria um ator jovem, imaginando as dificuldades que a idade poderia apresentar para as cenas em que ele escalaria a montanha africana. Apesar das intenções, o ator escolhido acabou sendo Richard Burton, de Quem Tem Medo de Virginia Woolf?; a experiência teve mais importância que a juventude. Outra alteração ocorreu no papel de Gene Tuskin: o roteiro foi escrito para um homem interpretar a médica de Reagan, com ofertas para Chris Sarandon e George Segal; porém, com a alteração do sexo da personagem, o convite foi feito a Ann-Margret e Jane Fonda, encerrando na aceitação de Louise Fletcher, recém premiada como Melhor Atriz com o longa Um Estranho no Ninho, de 75.

Com um orçamento inicial de 12 milhões – chegando à casa dos 14 até a pós-produção -, Exorcista 2 começou a ser filmado em maio de 76. Os problemas não ficaram apenas na escalação do elenco, mas nas intenções contrariadas dos realizadores. Boorman queria que o filme tivesse locações na Etiópia e no Vaticano, conseguindo apenas locais de filmagem já previstos pela Warner. A casa original da família MacNeil também não pôde ser utilizada, obrigando o estúdio a construir uma falsa; assim como a famosa escadaria Exorcista, de Georgetown, foi impedida pelo prefeito para evitar transtornos à região. Boorman não gostou do roteiro de William Goodhart, mas ele já havia sido reescrito cinco vezes, conforme a própria Blair disse em entrevista, confirmando que o texto que ela leu era diferente do que foi filmado.

Parecia que o Demônio não queria que o filme fosse realizado! Entre inúmeras cenas refeitas, as filmagens tiveram que ser interrompidas por um mês depois que o cineasta sofreu uma infecção, sendo seguido por Kitty Winn e Louise Fletcher. Para piorar, quase todos os 2500 gafanhotos comprados da Inglaterra para as filmagens não resistiram à mudança de temperatura e morreram antes do término da filmagem. E o editor John Merritt acabou desistindo de participar da produção, sendo substituído por Tom Priestley. Com todo esse ambiente conturbado, havia alguma possibilidade de O Exorcistas 2 virar um bom filme?

É claro que não. A bagunça refletiu no resultado final, gerando um longa ruim, quase ferindo a essência do original. Chato, sem ousadia ou um pingo de horror, o filme é apenas uma produção investigativa e curiosa, que utiliza comparações infelizes sobre gafanhoto bom e ruim, a divisão do coração de Reagan, hipnose e viagem nas asas do demônio. Nada disso foi suficiente para impressionar o público que até foi aos cinemas, mas não gostou do que viu. O longa atingiu a marca de 30 milhões de espectadores e arrecadou muitas críticas negativas, algumas conhecidas como a de William Friedkin, que só assistiu meia-hora de filme e já atacou os realizadores: É tão ruim quanto ver um acidente de trânsito!

No enredo, depois de falhar no exorcismo de uma garota sul-americana, o Padre Philip Lamont (Richard Burton) recebe do Cardeal (Paul Henreid) a missão de investigar as circunstâncias que levaram à morte o Padre Lankester Merrin (Max von Sydow), que, como todos que conhecem o original já sabem, foi vítima de um novo encontro com o demônio assírio Pazuzu. Devido aos seus escritos e testemunhos, Merrin é considerado herege, pois a Igreja moderna não quer aceitar a existência de uma entidade maléfica capaz de possuir corpos. Lamont vai ao encontro de Regan MacNeil (Linda Blair), agora na fase final da adolescência, tentando se distrair com o sapateado e consultas psiquiátricas constantes a cargo da Dra. Gene Tuskin (Louise Fletcher).

O instituto médico desenvolve pesquisas e tratamento para crianças deficientes ou que sofreram traumas. Embora saiba que Regan esquecera os acontecimentos trágicos do passado, a doutora opta pela realização de uma hipnose em sincronia para que possa retornar ao quarto que ela tinha na infância, com autorização dela e de sua tutora Sharon Spencer (Kitty Winn, reprisando o papel), e com a pressão de Lamont. A experiência quase mata a médica, com a testemunha de Lamont, que consegue visualizar o demônio enfrentando Regan pela posse do coração de Gene.

Após visitar a antiga casa dos MacNeil, o Padre, durante outra sessão de hipnotismo, é conduzido pelo demônio Pazuzu até um outro encontro com Merrin, que tentava exorcizar o jovem Kokumo na África. Acreditando que o garoto tenha conseguido enfrentar o demônio, Lamont vai até a África refazer os caminhos do falecido Padre, mesmo sem autorização do Cardeal. Nesse processo, encontrará a hostilidade em alguns lugares até conhecer a versão adulta de Kokumo (James Earl Jones, de  ), que trará alguns ensinamentos na forma de metáforas envolvendo gafanhotos.

Regan passa a ter pesadelos, quase se suicida saltando do alto de um prédio, e vai tendo algumas mudanças de comportamento que podem insinuar um possível retorno do Demônio. Nesse ponto, o filme trabalha com a ideia de que o Mal nunca abandonou a garota e existem duas Regan: a possuída pelo demônio e aquela que foi salva pelo Padre Karras. Lamont acredita que a solução definitiva pode estar relacionada à velha morada, onde Regan deve ser capaz de confrontar o inimigo, impedindo que o seu lado negro vença.

Há muitas situações desnecessárias nessa continuação. A própria viagem de Lamont é uma delas. Outras estão relacionadas ao caminho percorrido até o retorno a Rua Prospect; o dom que Regan possui e que ajuda uma garota autista; e a possessão de Shanon, que culmina com uma referência ao exorcismo do começo do filme, mas não testemunhado por Lamont. Se o objetivo era não copiar o original, os realizadores conseguiram esse feito, mas partiram para as piores escolhas ao transformar o filme numa produção mágica, num passeio místico e apenas curioso ao passado do Padre Merrin.

Também há grandes falhas nas questões técnicas como os efeitos especiais risíveis (o voo sob a perspectiva de um gafanhoto?) e a música tribal de Ennio Morricone – na cena inicial do exorcismo. É evidente o uso de uma dublê para Regan na transposição de seu rosto à versão possuída, mas Linda Blair faz bem seu papel, sem muito esforço e sem inocência, expressando sua caretas de sempre. O restante do elenco está bem no filme, embora os cerca de oito minutos em que Richard Burton fez a mesma cara, após a sessão de hipnose, tenha sido motivo de inúmeras piadas na época.

Se O Exorcista entra facilmente em qualquer lista dos melhores; o contrário pode-se dizer dessa continuação. Segundo o livro de John Wilson, The Official Razzie Movie Guide, o longa está no Top 10 das piores produções de todos os tempos ao lado de Plano 9 do Espaço Sideral, de Ed Wood. Numa entrevista em 2005, John Boorman voltou a falar do filme, concordando com a rejeição do público: O filme que eu fiz foi uma afronta à feiura e à escuridão de O Exorcista – eu queria um filme sobre jornadas que fossem positivas, boas, essencialmente. E a audiência estava certa. Eu neguei o que eles queriam e eles ficaram putos. Não entregar o que eles queriam realmente foi uma tolice. (…) Eu disse ‘olha. Eu tenho filhas e não quero fazer um filme sobre tortura infantil’, que é como eu vejo o primeiro filme.

Independente das intenções de Boorman, a verdade deve ser dita: Exorcista 2: O Herege é muito ruim, chato, mal feito e mal dirigido. Um filme sobre o Mal não tinha necessidade de ser tão ruim. Pode-se dizer que o erro principal foi a heresia em tentar continuar de forma tão imbecil uma obra-prima, criando uma imensa expectativa e frustrando a todos. Nem mesmo o demônio merecia isso…

O que você achou disso?

Clique nas estrelas

Média da classificação 3.3 / 5. Número de votos: 12

Nenhum voto até agora! Seja o primeiro a avaliar este post.

Avatar photo

Marcelo Milici

Professor e crítico de cinema há vinte anos, fundou o site Boca do Inferno, uma das principais referências do gênero fantástico no Brasil. Foi colunista do site Omelete, articulista da revista Amazing e jurado dos festivais Cinefantasy, Espantomania, SP Terror e do sarau da Casa das Rosas. Possui publicações em diversas antologias como “Terra Morta”, Arquivos do Mal”, “Galáxias Ocultas”, “A Hora Morta” e “Insanidade”, além de composições poéticas no livro “A Sociedade dos Poetas Vivos”. É um dos autores da enciclopédia “Medo de Palhaço”, lançado pela editora Évora.

18 thoughts on “O Exorcista II – O Herege (1977)

  • 21/06/2021 em 19:20
    Permalink

    Eu quando vi pela primeira vez essa continuação também não gostei muito, pois vi com aquela expectativa de continuação de um filme de terror, de sustos e etc. Mas hoje eu percebo que são filmes com propostas muito diferentes, e gostei muito das reflexões que esse filme propõe sobre o bem e o mal dentro de nós. E também gostei de ver a atriz Linda Blair nessa fase. Pra mim o filme mostra uma Regan ainda perseguida pelo mal, mas também muito mais forte e preparada para enfrentá-lo, mas precisando de ajuda ainda assim. Outr acoisa legal do filme é a tentativa de “explicar” o motivo pelo qual o mal foi atraído por Regan, ela é em sua essência uma pessoa do bem, com poderes de cura, e bem intencionada, assim como Kokumo foi apresentado também, e portanto mais uma vítima do mal. É como se o filme dissesse: O Mal quer cortar o Bem pela raíz.

    Resposta
  • 02/11/2019 em 09:33
    Permalink

    Nao achei tao ruim assim.

    Resposta
  • 01/11/2019 em 11:35
    Permalink

    Não achei esse filme tão ruim assim,lógico ele ñ foi tão impactante quanto foi o primeiro Exorcista,mas ñ achei ruim,oque mais me incomodou nesse filme é que só o Padre Merrin é reverenciado como um herói por ter exorcizado a Regan e o outro Padre,o Karras,ñ é nem ao menos mencionado,sendo que ele fez o mais difícil,ele fez o Pazuzu possui-lo e pra ñ matar a Regan ele se atira pela janela rolando por aquela escadaria,pelo menos foi isso oque eu entendi.

    Resposta
    • 19/01/2021 em 20:39
      Permalink

      Você tem razão. Estranhei a ausência de referência ao padre Karras e até hoje busco uma explicação: falha grotesca de roteiro ou alguma questão de direitos autorais?

      Resposta
  • 15/01/2016 em 10:44
    Permalink

    Realmente boca do inferno tem razão o filme terrivelmte ruim mas o terceiro é pior
    a unica coisa de legal no filme ê a trilha sonora gosto desta trilha sonora, a outra coisa é linda blair que era uma moça linda é desnubrante só isso mesmo .

    Resposta
  • 03/10/2015 em 01:06
    Permalink

    É um filme fraco? É sim, mas consegue ser superior a O Exorcista III, esse sim é uma verdadeira bomba (a única cena que lembro ter gostado é a da enfermeira, perto do final).
    Exorcista II vale mais a pena pela Linda Blair, que reprisou o papel de Regan com competencia e estava uma graça na época.

    Resposta
  • 03/10/2015 em 01:03
    Permalink

    É uma continuaçao fraca? É sim, mas consegue ser superior a O Exorcista III, esse sim é uma bomba (a única cena que lembro ter gostado é a da enfermeira, perto do final).
    Exorcista II vale mais a pena pela Linda Blair, que reprisou o papel de Regan com competencia.

    Resposta
  • 01/11/2014 em 22:55
    Permalink

    a eu gostei muito tem cenas que é bem melhor que o 1 se for comparar os filmes de agora exorcista o herege é otimo sem mais

    Resposta
    • 13/03/2015 em 15:58
      Permalink

      A única coisa boa em relação ao primeiro é a beleza da Linda Blair que está bem mais aflorada. De resto, o filme é lixo total. Esse papo que as produções atuais são ruins é desculpa esfarrapada. Exorcista II é um dos piores filmes já feitos. Ponto final.

      Resposta
  • 18/04/2014 em 14:43
    Permalink

    Uma das piores sequências da história do cinema. Ruim demais

    Resposta
  • 05/12/2013 em 02:43
    Permalink

    Esse filme é uma verdadeira bomba. E a verdadeira continuação é o Exorcista 3 um filmaço de suspense.

    Resposta
  • 11/05/2013 em 23:10
    Permalink

    é… nao da pra discordar, esse ficou ruim mesmo

    Resposta
  • 01/04/2013 em 09:42
    Permalink

    NEM O DEMÔNIO MERECIA ISSO HAHAHAHAHAHAHAHAH………………………………..

    Resposta
  • 31/03/2013 em 22:41
    Permalink

    nem o demônio merecia isso HAHAHAHAHAHAHAHAHSHAHAHSHSH……………………..

    Resposta
    • 14/08/2017 em 04:24
      Permalink

      Eu tenho que descordar de você, minha amiga: “O demônio merece, sim, ser torturado!!!”. heheheheheheh Boa semana, Vanessa!! [^J~]

      Resposta

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *