Helter Skelter
Original:Helter Skelter
Ano:2004•País:EUA Direção:John Gray Roteiro:John Gray, baseado em livro escrito por Vincent Bugliosi e Curt Gentry Produção:Vincent Bugliosi Elenco:Jeremy Davies, Clea DuVall, Allison Smith, Eric Dane, Mary Lynn Rajskub, Michael Weston, Hal Ozsan, Rick Gomez, Robert Joy, Graham Beckel, Chris Ellis, Isabella Hofmann, Robert Costanzo, Yvonne Delarosa, Crystal Rivers, Cheselka Leigh, Whitney Dylan, Susan Ruttan, Marguerite Moreau, Bruno Kirby, Catherine Wadkins, Kai Lennox |
Quando são feitas citações aos crimes mais bizarros da história é impossível não deixar de falar sobre Charles Manson. Mas o interessante é que o serial killer mais peculiar que se teve notícia não era um assassino comum com problemas mentais ou que utilizava motivos corriqueiros para justificar seus atos, pois em seus crimes mais atrozes não sujou as mãos de sangue diretamente, porém foi suficientemente inteligente para exercer domínio completo sobre um grupo de pessoas, convencendo-o de que era o Messias e elaborando uma das mais deturpadas teorias sobre o apocalipse que já se teve notícia.
O domínio de Manson era tão grande e tão significativo que ia além do simples arrebanhamento dos seus muitos seguidores. Em seu nome e em prol de seus interesses, alguns dos seguidores de Manson chegaram a cometer assassinatos horríveis sem nenhum remorso, colocando uma atmosfera de medo nos ricos e famosos residentes do estado da Califórnia no final da década de 60.
Toda esta história foi retratada em um livro escrito em 1974 pelo próprio promotor responsável pelo caso, Vincent Bugliosi (co-autorado por Curt Gentry), e que em seguida inspirou dois filmes homônimos: um de 1976 e o segundo de 2004 direto para a TV estadunidense e lançada em DVD por aqui em uma versão estendida do diretor, que é o alvo desta resenha.
O diretor John Gray procurou ser fiel ao máximo à sua fonte principal e este é o maior mérito quando se trata deste tipo de transposição para a tela. Não se trata de um documentário – algumas passagens são adaptadas com fins dramáticos, apesar de ser uma abordagem mais inclinada à parte jurídica do caso, ou seja, com um pouco menos de terror e suspense, mas bastante realista. A honestidade do filme é mostrada através desta explicação já antes dos créditos iniciais.
É uma época transitória e tortuosa para os Estados Unidos: Vietnã, Nixon, Flower Power, o homem na Lua; estamos em julho de 1969 e Gary Hinman (Jaimz Woolvett) recebe em sua casa a visita de alguns membros de uma comunidade autodenominada “A Família“. Eles querem todo o dinheiro que possui, mas como afirma que não tem nenhum, chega à casa o líder chamado Charles Manson (Jeremy Davies, de Mortos de Fome) e corta uma orelha de Hinman com uma espada e força o homem a ceder todos os seus bens para Manson antes de ser executado por Bobby Beausoleil (Michael Weston, de Wishcraft – Feitiço Macabro), um dos integrantes da comunidade.
A Família mora em um rancho na Califórnia próximo do deserto, que serviu para a produção de muitos filmes de faroeste e agora está quase abandonado. Seu dono é um velho cego e inofensivo; o isolamento perfeito para Manson e sua trupe. É para esse cenário que Linda Kasabian (Clea DuVall, de O Grito e Fantasmas de Marte) e sua pequena filha Tanya irão se mudar, fugindo dos problemas e buscando alguma direção para seguir, afinal os rumores dizem que Charles Manson é Jesus Cristo.
O local é bastante convidativo, mas os hábitos da Família não são muito convencionais: a mando de seu líder as crianças são criadas afastadas dos pais, invadem casas para roubar bens, fazem expedições para revirar o lixo de supermercados e periodicamente são promovidas orgias regadas com LSD.
O próprio Charles Manson também tem umas ideias, digamos, “diferentes“: além de sempre deixar implícito que é Jesus Cristo reencarnado, é compositor e através de sua música planta ideias sobre o Armageddon e afirma que recebe mensagens sobre o fim do mundo através dos Beatles, os quais acredita que sejam os quatros cavaleiros do apocalipse. Em sua mente deturpada a única forma de evitar este fatídico fim, onde será travada a maior guerra de todos os tempos, chamada de Helter Skelter, onde os negros matarão todos os brancos, é seguir Manson para o chamado poço sem fundo localizado em algum lugar no deserto.
O problema para Manson é que mesmo com sua influência psicológica, que alcança pessoas poderosas em Hollywood, não conseguiu gravar mais do que um single, o que o deixou bastante frustrado e se vendo obrigado a desencadear o Helter Skelter.
Como prova máxima de seu domínio sobre as pessoas que vivem com ele, na noite de 9 de agosto de 1969, Manson ordena que seus membros mais fiéis, Charles “Tex” Watson (Eric Dane, de Banquete no Inferno), Patricia Krenwinkel (Allison Smith, de A Casa do Terror Tract e Jason vai para o Inferno) e Susan Atkins (Marguerite Moreau, de Vingança em Chamas e A Rainha dos Condenados) se dirijam ao endereço Cielo Drive 10050 para “fazerem o pior“, chocando os poderosos e começando o Helter Skelter. Linda Kasabian também acompanha, por ser a única que possui uma carteira de motorista válida, mas não entra na residência.
O resultado: Sharon Tate (Whitney Dylan), atriz, esposa do cineasta Roman Polanski (Marek Probosz) e em estado final de gravidez, morta com dezesseis facadas, cinco dos quais seriam, mesmo isoladamente fatais; Jay Sebring (Patrick Fabian), famoso cabeleireiro de celebridades, morto com sete facadas e um tiro, onde isoladamente o tiro e três das facadas seriam fatais; Abigail Folger, herdeira da fortuna do café Folger, morta com 28 facadas; Voytek Frykowski (George Tasudis), marido de Abigail, morto com dois tiros, treze golpes na cabeça feitos por um objeto rombudo e 51 facadas; Steven Parent (Lance Ohnstad), humilde jovem de 18 anos que foi visitar o caseiro William Garretson (Kelly Nyks) com o intuito de vender um aparelho de som, morto com uma facada e quatro tiros.
No dia seguinte a notícia choca o mundo; especulações começam a aparecer, pois foram encontradas palavras escritas com sangue pela casa, além do pescoço de duas das vitimas com uma corda enrolada no pescoço. Entretanto, a comunidade mal teve tempo de respirar: Manson tinha planos igualmente perturbadores para aquela noite.
Durante a noite de 10 de agosto, desta vez acompanhando o grupo, Manson vai junto com Tex, Patricia, Suzan, Linda e Leslie Van Houten (Catherine Wadkins) escolher uma residência a esmo para cometer outro crime, porque segundo Manson no anterior “eles não fizeram direito“. Pararam na frente da Waverly Drive, 3301.
Manson foi à frente, intimidando o casal ocupante da casa a não reagir. Manson sai e os outros entram para fazer o serviço: Leno LaBianca (Robert Costanzo), presidente de uma cadeia de supermercados, morto com 12 facadas e 14 ferimentos feitos por um garfo de duas pontas, seu corpo foi encontrado com a palavra “WAR” entalhada em sua carne; Rosemary LaBianca (Isabella Hofmann), esposa de Leno, morta com 41 ferimentos perfurantes.
Apesar da similaridade dos crimes, como as armas utilizadas e as palavras escritas com sangue, a polícia tratou como casos isolados já que era mais cômodo e tinham o caseiro Garretson como principal suspeito dos assassinatos – mal sabiam o quanto estavam errados.
A barbaridade dos crimes, impossíveis de ser retratada em palavras, causou medo e pânico entre os artistas e pessoas ricas que moravam naquele lugar. Apesar disso, a polícia investigava aos tropeços, sem se ater a detalhes importantes e com uma falta de comunicação que poderia ter agilizado consideravelmente o processo e evitado transtornos.
Devido a uma batida no rancho onde a Família vivia, os envolvidos nos assassinatos são presos (exceto por Linda que fugiu por medo, mesmo deixando sua filha para trás), mas, apenas, por furto de veículos e incêndio criminoso. A partir daí, o promotor destacado para o caso Tate/LaBianca Vincent Bugliosi (o veterano Bruno Kirby, de Donnie Brasco) precisa juntar as peças e coletar informações sobre a morbidamente fantástica história Helter Skelter, para montar um processo e acusar formalmente Manson e seus seguidores antes que sejam soltos novamente, enquanto a fugitiva Linda procura uma forma de reaver sua filha e se livrar do fantasma dos atos de Manson.
Apesar de ser bastante longo, o período da história em que o filme abrange vai até as vésperas do julgamento que teve início em 15 de junho do 1970 e acabou apenas em 19 de abril de 1971, deixando de lado todas os fatos envolvendo o maior e mais controverso julgamento dos Estados Unidos, o que é bastante aceitável visto que se trata de um terço de um livro de mais de 700 páginas, que tornariam Helter Skelter em uma mini-série. Durante o processo, ocorreram fatos estranhos como o assassinato de Ronald Hughes, advogado de defesa no julgamento que ousou desafiar as vontades de Manson e a tentativa de homicídio de Barbara Hoyt, testemunha de acusação, utilizando um hambúrguer cheio de LSD.
A fidelidade com o caso e a vontade de John Gray para que se fizesse um bom filme são os pontos fundamentais para que Helter Skelter seja uma produção interessante. Um trabalho extenso de pesquisa foi feito e os aspectos dramáticos do roteiro não afetam muito o que aconteceu na realidade. A sustentação do roteiro tem como pilar Jeremy Davies, o ator que interpreta Manson, pois o próprio Davies faria um documentário sobre o assunto de maneira independente em 2001 e para tanto fez uma pesquisa pessoal transcrevendo cada entrevista existente com Manson e habitualmente dormia com a voz de Manson repetidamente nos seus fones de ouvido. Jeremy se tornou tão familiar, que foi capaz de improvisar utilizando exclusivamente as palavras, ditos e crenças de Manson. É uma pena que os demais componentes do elenco não sejam suficientemente bons para levantar mais o resultado final: a maioria exagerou demais num estereótipo incomodo.
Não poderia deixar de fora a esplendorosa trilha sonora composta pelo sempre excelente Mark Snow (mais conhecido por seu trabalho nas músicas de abertura dos seriados Arquivo X e Millenium), rendendo a ele uma indicação ao Emmy nesta categoria. No entanto não se engane, não é uma produção focada no terror. Ele floresce quando você constata que tudo o que está vendo aconteceu de verdade, mas é o aspecto mais jurídico e histórico do caso que é valorizado – quem esperar ver um banho de sangue na tela provavelmente sairá decepcionado. Como podem suspeitar, por ser uma produção feita direto para a TV a violência dificilmente é mostrada explicitamente, da mesma forma que as igualmente famosas orgias promovidas por Charles Manson.
Para finalizar, tomo a liberdade de fazer uma citação do próprio Bugliosi: “O caso Manson foi e continua a ser único, mas não é o número de vítimas que o torna diferente e fascinante e sim os diversos outros elementos para os quais não há provavelmente nenhum paralelo: a preeminência das vítimas, os meses de investigação, o terror que dominou uma grande cidade, o motivo inacreditavelmente estranho dos assassinatos, a relação entre os Beatles e os crimes, a manipulação de um guru sobre seus seguidores de forma a não deixar nenhum traço de remorso após a execução de crimes tão bárbaros. Todos estes fatores se combinam para fazer de Manson o mais terrível assassino da história americana” .
Ah, e só mais uma informação, Charles Manson foi condenado à pena de morte, mas devido a uma alteração nas leis da Califórnia que aboliu este tipo de condenação sua sentença foi alterada para prisão perpétua. Ele faleceu no dia 19 de novembro de 2017, devido a uma parada cardíaca em decorrência de complicações de um câncer no colorretal.
Um bom filme !
” Helter Skelter ” de 2004 está na minha coleção em DVD original !