O Antropófago (1980)

4.2
(16)

O Antropófago
Original:Antropophagus
Ano:1980•País:Itália
Direção:Joe D'Amato
Roteiro:Joe D'Amato, George Eastman
Produção:Joe D'Amato, George Eastman, Oscar Santaniello
Elenco:Tisa Farrow, Saverio Vallone, Serena Grandi, Margaret Mazzantini, Mark Bodin, Bob Larson, Rubina Rey, Simone Baker, George Eastman, Zora Kerova, Joe D'Amato

Joe D’Amato pode ser reconhecido como o cineasta das perversidades – em muitos sentidos! Um nome conhecido entre os diretores italianos, tendo os pseudônimos associados a obras em diversos estilos, ele tem em sua filmografia produções que passeiam pela ousadia, pelo extremo da violência, pelo canibalismo indigesto e pelas múltiplas referências ao mau gosto. Mas, acreditem, essas denominações são elogios para Aristide Massaccesi, em uma carreira de quase 200 produções significativas para a Sétima Arte. Dentre seus trabalhos mais intensos, destaca-se o clássico Antropophagous, de 1980, principalmente pela existência de duas cenas que já fazem parte do repertório impactante do cinema italiano do período.

Co-produzida pela Produzioni Cinematografiche Massaccesi International (PCM International), fundada pelo próprio cineasta, e pela Filmirage, com o apoio de Donatella Donati, o longa foi filmado em 16mm entre março e maio de 1980, em regiões na Grécia e na Itália, com recursos reduzidos aproveitando ambientações de outras produções, como as da série Black Emanuelle. Amplamente criticado na época, com uma versão mutilada lançada nos EUA com o título The Grim Reaper para exibições e lançamentos em algumas localidades, Antropophagous foi com o tempo – e com as repercussões previstas – adquirindo o status de cult, figurando em listas de produções consideradas as mais violentas da Itália e citações em diversas publicações que fazem menção ao cinema controverso do período. Ajudou a alimentar a fama perversa de Joe D’Amato, atrair e afastar investidores, além de promover sua filmografia eclética.

Também, o que se pode esperar de uma mente insana e igualmente criativa, que teve a audácia de mostrar uma grávida tendo seu feto retirado de seu corpo, no segundo trimestre de gestação, para ser devorado pelo vilão canibal diante das câmeras? E não pense que são recursos de câmera ou que o personagem tenha devorado alguma substância com elementos artificiais para sugerir o que seria um feto não! No caso, como o próprio Joe D’Amato confessou em entrevista, tratava-se de um coelho esfolado, coberto de sangue, o que traz um impacto visual ainda maior por ser realmente carne. Ainda que a sequência seja rápida, mesmo vendo hoje em dia com base na evolução dos efeitos especiais, não tem como não sentir um mínimo de repulsa. E não foi o único momento ousado da película!

Bom, o filme começa com um casal curtindo férias numa ilha grega ao som da trilha de Marcello Giombini, que trabalhou com D’Amato em Noites Eróticas dos Mortos Vivos, lançado no mesmo ano, até resolver dar uma passada numa praia afrodisíaca. Enquanto o rapaz relaxa na areia com imensos fones de ouvido – hoje em dia, faz parte da moda dos jovens -, sua parceira mergulha nas águas límpidas e se vê atraída por um bote à deriva. Ao se aproximar, ela é atacada por algo que já a observava em um tomada em primeira pessoa, para logo depois o rapaz ter o encontro com um cutelo. Apesar de não mostrar as mortes nem o assassino, em uma sequência que lembra os bons gialli da época, curiosamente é ele quem é visto nas capas com os olhos esbugalhados.

Na cena seguinte, os personagens principais são apresentados. Cinco jovens – os americanos Andy (Saverio Vallone), sua irmã Carol (Zora Kerova), Daniel (Mark Bodin), Arnold (Bob Larsen), marido de Maggie (Serena Grandi) – pretendem conhecer algumas ilhas gregas e pontos turísticos da região, e conhecem no caminho Julie (Tisa Farrow, de Zombi, de Lucio Fulci, é que é irmã de Mia Farrow), que precisa de uma carona para encontrar conhecidos numa localidade. D’Amato deixa evidente que o filme foi rodado na Grécia ao mostrar paisagens e até a troca da guarda, e permite uma cena divertida em que uma criança entra em frente à câmera e é puxada por alguém para não atrapalhar as filmagens.

O grupo é convencido por Julie a não só levá-la à ilha, como também aproveitar um local pouco habitado e ótimo para descansar. Quem não gosta da ideia é Carol, que enxerga nas cartas de Tarô um perigo iminente: a carta Grim Reaper aparece em destaque, principalmente para Maggie, que faz uma consulta sobre o gênero de seu futuro bebê. Mas também incomoda Carol, que é apaixonada por Daniel e se vê ameaçada por Julie. Ao chegar ao local, aparentemente desértico, eles só avistam uma misteriosa mulher e posteriormente a cega Rita (Margaret Mazzantini), que aparece em uma cena bem legal, banhada em sangue, com uma faca em uma da mãos. Ela é o primeiro alerta de que as coisas ali não estão tão tranquilas ao dizer coisas enigmáticas, como sentir a presença do monstro da ilha pelo cheiro de sangue.

Esse tal monstro é o canibal Klaus Wortmann, interpretado pelo roteirista do filme, George Eastman, que tem créditos como ator e diretor. A história do vilão é contada em um flashback, que mostra sua transformação em uma criatura canibal pela necessidade de sobrevivência. Não há humanização, mas entende-se o seu processo de deterioração psicológica, que culminou no massacre cometido no vilarejo local, com corpos putrefatos sendo encontrados em alguns momentos, principalmente em seu refúgio em uma caverna, onde posteriormente Maggie protagonizará a tal sequência polêmica. Até chegar a esse momento – e depois a última do filme, também bastante conhecida -, Antropophagous se mostra um survival horror tradicional, com o grupo tentando encontrar um ao outro até um combate desigual com o grandalhão Klaus.

Não se pode considerar Antropophagous como um dos melhores filmes de horror italianos, mas é inegável sua presença significativa na história do cinema da época. À exceção das duas cenas mais repugnantes, o longa é bem simples, com algumas sequências mal dirigidas e outras em que nada acontece. Se fizer uma edição das mortes e momentos de assassinatos e encontros com o vilão, talvez não chegue a dez minutos de projeção. Esse ritmo mais lento provavelmente irá incomodar a nova geração de fãs de horror, acostumados a muito sangue, corpos mutilados e edição de videoclipe. Ainda assim, é um dos melhores trabalhos do diretor, e facilmente compreensível que tenha importância no gênero, com uma bela representatividade.

Dois anos depois, o filme Absurd aka Rosso Sangue, de Joe D’Amato, e que contém novamente George Eastman como vilão, foi intitulado na picaretagem de Antropophagous 2. Na verdade, é apenas uma maneira de continuar atraindo olhares para a filmografia do diretor e alimentar teorias que unam as duas produções. Já em 2000 foi lançado um remake, Anthropophagous 2000, dirigido e estrelado por Andreas Schnaas, com créditos no argumento para Joe D’Amato. Bastante inferior ao filme original, essa versão passou distante de qualquer comparação até mesmo com o que era produzido na época de ouro do cinema violento italiano, sem perversidades ou qualquer ousadia digna de nota.

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Marcelo Milici

Professor e crítico de cinema há vinte anos, fundou o site Boca do Inferno, uma das principais referências do gênero fantástico no Brasil. Foi colunista do site Omelete, articulista da revista Amazing e jurado dos festivais Cinefantasy, Espantomania, SP Terror e do sarau da Casa das Rosas. Possui publicações em diversas antologias como “Terra Morta”, Arquivos do Mal”, “Galáxias Ocultas”, “A Hora Morta” e “Insanidade”, além de composições poéticas no livro “A Sociedade dos Poetas Vivos”. É um dos autores da enciclopédia “Medo de Palhaço”, lançado pela editora Évora.

One thought on “O Antropófago (1980)

  • 15/07/2022 em 13:13
    Permalink

    Esse é um dos meus slasher movies preferidos, ao lado de Alta Tensão (2003) e O Estripador de Las Vegas (2004). Confesso que tenho uma certa curiosidade em conferir o remake alemão.

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