O Silêncio dos Inocentes
Original:The Silence of the Lambs
Ano:1991•País:EUA Direção:Jonathan Demme Roteiro:Thomas Harris, Ted Tally Produção:Ron Bozman, Edward Saxon, Kenneth Utt Elenco:Jodie Foster, Anthony Hopkins, Kasi Lemmons, Scott Glenn, Anthony Heald, Frankie Faison, Don Brockett, Stuart Rudin, Brooke Smith, Ted Levine |
“Você ainda acorda às vezes, não é? Você acorda no escuro e ouve os gritos dos cordeiros.”
Ainda que os gritos dos cordeiros cessem, você ainda ouvirá por muito tempo a voz do psiquiatra Dr. Hannibal Lecter, um notável assassino com gosto peculiar pela carne humana. A concepção do personagem, na absoluta interpretação de Anthony Hopkins, partiu de uma adaptação da bem recebida obra de Thomas Harris. Enquanto o primeiro livro não permitiu o brilhantismo imediato do personagem, devido à baixa bilheteria de Manhunter – uma valorização que aconteceria com o tempo, principalmente depois do sucesso do longa de 1991 -, O Silêncio dos Inocentes alcançou rapidamente a aceitação plena, seja pelo público (U$ 273 milhões) ou pela enjoada crítica, levando a produção a conquistar prêmios como o cobiçado Oscar.
Um sucesso que nem mesmo o produtor de Manhunter, Dino De Laurentiis, poderia imaginar. Ele cedeu os direitos de uso do personagem Hannibal Lecter à Orion Pictures gratuitamente, após o fracasso do filme anterior. A produtora já tinha planos de adaptar O Silêncio dos Inocentes sem que o livro tivesse sido lançado, devido ao interesse de Gene Hackman de dirigi-lo e ainda atuar como o agente do FBI Jack Crawford, vivido no anterior por Dennis Farina. Contudo, desistiu tempos depois, quando Ted Tally já desenvolvia boa parte do roteiro entre 1987 e 1988. A Orion chegou a cogitar o engavetamento do projeto, mas foi convencida pelo cofundador Mike Medavoy a buscar um novo diretor. Jonathan Demme recebeu o livro ainda não publicado, assim como o roteiro, aceitando logo depois assumir o comando. O Silêncio dos Inocentes começava a ganhar forma.
Assim que leu o livro, Jodie Foster já demonstrou interesse em atuar como a agente Clarice Starling. Ela tinha ganhado o Oscar pela atuação em O Acusado (1988), porém não era a escolha ideal do diretor. Demme fez propostas a Michelle Pfeiffer, Meg Ryan e Laura Dern, recebendo negativas que o fizeram finalmente aceitar Foster no papel – imagina o que essas três atrizes devem ter pensado depois que o filme estourou em Hollywood? Demme também imaginava Lecter com a pele de Sean Connery, mas este também recusou, abrindo as portas para o ator que havia se consagrado ainda mais pela atuação em O Homem Elefante (1980). De acordo com as curiosidades que envolvem a produção, Anthony Hopkins teria visto o título do roteiro e fez o questionamento: “É uma história infantil?”
Enquanto Hopkins ainda decidia se iria assumir o papel, o canibal assassino quase foi interpretado por outros atores, como Al Pacino, Robert De Niro, Dustin Hoffman, Derek Jacobi e Daniel Day-Lewis – até Forest Whitaker fez teste para encarnar o personagem. Lidas as dez primeiras páginas, Hopkins se animou com a proposta e telefonou para seu agente, dizendo que era uma das melhores coisas que havia lido. Ironicamente, após um jantar com Demme, as mãos foram apertadas, e Hannibal Lecter já tinha um rosto ideal. Foi dada uma nova chance a Gene Hackman para interpretar Jack Crawford, mas ele lera o roteiro e achou a história muito violenta, permitindo que Scott Glenn ocupasse a vaga. Este chegou a visitar ambientes do FBI para se adaptar ao personagem, tendo acesso a fitas de áudio com gravações de depoimentos de assassinos em série como Lawrence Bittaker e Roy Norris. A narração da dupla sobre os atos cometidos contra uma adolescente de 16 anos fizeram o ator chorar e até mudar seus pensamentos sobre a pena capital.
As filmagens aconteceram entre novembro de 1989 e março de 1990, com a estreia agendada para 14 de fevereiro de 1991 – no Brasil, chegaria em 17 de maio. Com a boa arrecadação nas bilheterias, as críticas já imaginavam como o filme poderia reagir nas premiações do Oscar. O longa ganhou simplesmente cinco Oscars: Melhor Filme, Melhor Diretor (Demme), Melhor Ator (Hopkins), Melhor Atriz (Foster) e Melhor Roteiro Adaptado (Ted Tally), sendo o terceiro filme da história do cinema a obter tal façanha; isso sem esquecer de que se trata de um filme de gênero, um thriller, com elementos de horror com canibalismo. Sem dúvida alguma, é um dos maiores orgulhos dos fãs de cinema fantástico pelo reconhecimento a uma história de detetives, com investigação de crimes violentos, a evolução de uma agente ainda sem experiência de campo.
O Silêncio dos Inocentes tem início em 1990, quando a agente em treinamento Clarice (Foster) é convocada por Jack Crawford (Glenn), da Unidade de Ciências Comportamentais do Bureau, para lhe propor um desafio: entrevistar o temível Hannibal Lecter (Hopkins), um assassino violento e canibal, mantido em uma prisão de segurança máxima. A pressa no processo é exatamente para que o prisioneiro possa traçar o perfil do serial killer conhecido como Buffalo Bill, com uma trajetória que envolve matar moças e arrancar suas peles. Antes de sair da sala, ele já deixa um alerta para que ela não permita que ele saiba coisas sobre sua vida pessoal, concluindo: “Acredite, você não quer Hannibal Lecter dentro de sua cabeça.”
“Vou lhe mostrar por que insistimos em tais precauções. Na noite de 8 de julho de 1981, Hannibal queixou-se de dores no peito e foi levado ao dispensário. Seu bocal e restrições foram removidos para um eletrocardiograma. Quando a enfermeira se inclinou sobre ele, ele fez isso com ela. [mostra uma foto] Os médicos conseguiram restaurar mais ou menos a mandíbula dela. Salvou um de seus olhos. Seu pulso nunca passou de 85, mesmo quando ele comeu a língua dela.” (Dr. Frederick Chilton)
Ela chega ao local, habitado por prisioneiros insanos, impossibilitados de viver em sociedade, e já sofre os primeiros assédios do diretor, o Dr. Frederick Chilton (Anthony Heald, o único a participar de todos os filmes envolvendo Hannibal Lecter). No primeiro contato, Lecter não demonstra muito interesse em aceitar a proposta de responder a um questionário, mudando de ideia depois que o encarcerado Migg (Stuart Rudin) atira sêmen sobre ela. Ao testemunhar a ação, Lecter a chama de volta, dando lhe uma orientação para buscar um antigo paciente dele, o primeiro passo na evolução da agente. Em um galpão fechado, ela encontra a cabeça do homem em um vidro, além de roupas femininas, já entendendo uma possível conexão com Buffalo Bill.
Enquanto propõe a Lecter uma mudança de ares, para um presídio longe de Chilton, desde que ele ajude a encontrar o serial killer, uma nova vítima é achada pela polícia, contendo em sua garganta uma mariposa, um dos símbolos da produção. A investigação sobre o corpo da garota com os cortes na pele evidencia o machismo da polícia local ao notar uma possível fragilidade de Clarice; o próprio uso de homens altos corrobora com essa intenção. Clarice não somente mostra muita segurança na investigação como percebe muitas evidências que irão ajudar na busca a Buffalo Bill. Contudo, o tempo está correndo contra, pois o assassino acaba de sequestrar uma nova jovem, Catherine (Brooke Smith), a filha da senadora, e, de acordo com o modus operandi de Buffalo Bill, ela só tem três dias de vida.
Para saber alguma informação do assassino, Clarice aceita participar de um jogo psicológico proposto por Hannibal Lecter, o quid pro quo, fornecendo algum detalhe de seu passado. E ela possui um trauma envolvendo os gritos dos cordeiros, sua estadia em uma fazenda, e o interesse em fazer os animais pararem de perturbar seus pesadelos. Com a pressão sobre Lecter, suas pistas falsas e suas ações inteligentes ainda reservam boas surpresas para o terceiro ato da produção. Mas Clarice precisará agir com precisão e ousadia, se quiser obter alguma pista concreta. Crawford chega a dizer a ela que não se trata de uma missão de salvamento, mas a de encontrar o assassino de Catherine.
O roteiro de Ted Tally é realmente impressionante. Bastante dinâmico, rico em diálogos, trata-se de um material muito bem desenvolvido. É claro que o bom desempenho da produção contou também com a combinação de acertos no elenco, na fotografia e ambientação. E surpreende por se tratar – vale a pena repetir – de um filme de mistério e investigação, uma vez que muitas dessas produções já são esquematizadas, com uma narrativa engessada na velha fórmula do estilo. O Silêncio dos Inocentes foge do convencional, sem repetir ideias exploradas no livro anterior de Thomas Harris, e traz momentos de tensão, com ênfase nas cenas de sequestro de Catherine, ao som da ótima American Girl, de Tom Petty – e que lembra as ações de abordagem de Ted Bundy -, e no último ato, no confronto entre Clarice e Buffalo Bill.
Tudo funciona como uma trilha ouvida pelo próprio Hannibal Lecter, de gostos refinados. Mesmo preso há muitos anos, com quase nenhum acesso aos raios de sol, é ele quem mantém o controle da narrativa, jogando com suas peças como se estivesse diante de um tabuleiro. Ele é hábil para manipular todos os personagens à sua volta, menos Clarice. E talvez seja essa a razão de seu fascínio pela jovem agente ao ponto de considerá-la a única pessoa capaz de prender Buffalo Bill, desde que entre em seu jogo. Clarice ainda consegue uma outra proeza admirável: enganar Hannibal Lecter na oferta de uma prisão numa ilha. A junção desses dois personagens só poderia render um espetáculo cinematográfico como O Silêncio dos Inocentes!
Um dos melhores personagens já criados, atuação de gala do Anthony Hopkins e filme muito envolvente.
Adoro esse,e adoro a série 🤩
Soberbo! uma obra prima do cinema.