À Meia Luz (1940 e 1944)

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Para quem aprecia cinema antigo, com fotografia em preto e branco, roteiro sem violência ou elementos sobrenaturais, mas com um suspense sutil, discreto e bem construído, uma dica pode ser conhecer ambas as versões de À Meia Luz (Gaslight), com história baseada na peça teatral de Patrick Hamilton. O primeiro filme é inglês, de 1940, menos conhecido, dirigido por Thorold Dickinson e estrelado por Anton Walbrook e Diana Wynyard. Já o filme seguinte é americano, de 1944, muito mais badalado, produzido pela “MGM”, dirigido por George Cukor e com um elenco formado por astros famosos como Charles Boyer, Ingrid Bergman, Joseph Cotten e Angela Lansbury (em seu primeiro filme). Logicamente que ambos os filmes possuem sua própria liberdade de criação artística e existem pequenas diferenças, mas de uma forma geral, os roteiros são bem parecidos, trazendo vários elementos comuns.

Versão de 1940

À Meia Luz
Original:Gaslight
Ano:1940•País:UK
Direção:Thorold Dickinson
Roteiro:Bridget Boland, A.R. Rawlinson, Patrick Hamilton
Produção:John Corfield
Elenco:Anton Walbrook, Diana Wynyard, Frank Pettingell, Cathleen Cordell, Robert Newton, Jimmy Hanley, Minnie Rayner, Marie Wright, Aubrey Dexter, Mary Hinton

Ambientada na Londres do início do século XX, À Meia Luz começa com um assassinato brutal de uma senhora idosa, Alice Barlow (Marie Dexter), dentro de sua própria casa, a número 12 de “Pimlici Square”. O crime não foi desvendado pela polícia e o local perdeu seu valor imobiliário, sendo que demorou vinte anos para a casa ser ocupada novamente. E os novos moradores são o casal Mallen, formado por Paul (Anton Walbrook) e Bella (Diana Wynyard), que contrataram duas arrumadeiras, Elizabeth (Minnie Rayner) e a jovem Nancy (Cathleen Cordell).

Porém, o casal enfrenta constantes crises conjugais, onde o marido possessivo tem que lidar com uma aparente doença em sua esposa, que supostamente se apossa de objetos da casa e os esconde, além de ter alucinações e sonhos estranhos, com sintomas que parecem evidenciar um processo progressivo de insanidade. Por isso, ela não sai de casa, sendo sempre submissa ao marido, e imagina ver coisas, como a misteriosa variação de intensidade da luz movida a gás de seu quarto (daí o título original), ou ouvir passos no andar de cima de sua casa imensa. Por outro lado, Paul parece cada vez mais impaciente com a esposa, acusando-a de pequenos furtos e vestígios de loucura, perturbação e desequilíbrio emocional. Ele também sai toda noite de forma misteriosa e demonstra uma atração pela empregada Nancy.

Em paralelo, um ex-policial que esteve envolvido na investigação da morte da Sra. Barlow muitos anos antes na fatídica casa número 12, e que depois de aposentado tornou-se proprietário de um estábulo próximo, Sr. B. G. Rough (Frank Pettingell), se interessa pelos novos moradores e vizinhos e por curiosidade inicia uma investigação pessoal da identidade deles, vasculhando o passado da casa e detalhes sobre o terrível assassinato que marcou o local. Ajudado eventualmente por um empregado de seu comércio, o jovem Cobb (Jimmy Hanley), que fez amizade com a arrumadeira Nancy, e utilizando suas habilidades adquiridas quando era policial, o Sr. Rough entra em contato com um primo de Bella Mallen, o Sr. Vincent Ullswater (Robert Newton), e descobre pistas importantes que podem revelar o perigoso mistério envolvendo o crime da Sra. Barlow, a enorme casa e os novos moradores.

Essa versão inglesa de 1940 de À Meia Luz tem uma produção modesta, metragem curta (apenas 84 minutos), atores pouco conhecidos e é bem menos famosa que a premiada produção americana de quatro anos depois. Mas, independente desse fato, o filme tem seu valor como um bom exemplo de suspense que procura de forma sutil desenvolver uma história de assassinato, loucura e mistério, sem exageros e sem o uso de ação desenfreada e cortes bruscos, utilizando apenas situações sugeridas, como ruídos misteriosos e luzes que falham e diminuem de intensidade.

Ao seu favor e no meu ponto de vista, o filme tem duas vantagens sobre a produção americana: o ator Anton Walbrook tem uma interpretação mais convincente como um marido possessivo que quer enlouquecer a esposa (em relação ao colega de profissão Charles Boyer, apesar dele ser muito mais famoso e renomado e de ter inclusive sido indicado ao “Oscar” por sua atuação), e também por apresentar um início (com a morte de Alice Barlow) e desfecho (com a revelação do mistério) bem mais intensos e apropriados para o contexto da história.

Versão de 1944

À Meia Luz
Original:Gaslight
Ano:1940•País:EUA
Direção:George Cukor
Roteiro:John Van Druten, Walter Reisch, John L. Balderston, Patrick Hamilton
Produção:Arthur Hornblow Jr.
Elenco:Charles Boyer, Ingrid Bergman, Joseph Cotten, May Whitty, Angela Lansbury, Barbara Everest, Edmund Breon, Halliwell Hobbes

Uma famosa cantora e atriz, Alice Alquist, é misteriosamente assassinada em sua casa, a número 9 de “Thornton Square”, em Londres. A polícia não consegue descobrir o autor do crime e seus motivos, e a sobrinha da cantora, Paula (Ingrid Bergman), fica abalada pelo acontecimento trágico, se mudando para a Itália, onde passa a ter aulas de canto de ópera com o renomado Maestro Guardi (Emil Rameau).

Lá, ela se apaixona pelo pianista Gregory Anton (Charles Boyer), e rapidamente eles se casam e vão morar na Inglaterra, na mesma casa onde a tia de Paula foi assassinada 10 anos antes. Para servi-los, eles contratam a cozinheira Elizabeth (Barbara Everest) e a jovem arrumadeira Nancy (Angela Lansbury, na época com 17 anos, completando 18 durante as filmagens).

A partir daí, os problemas têm início com o agravamento progressivo do relacionamento do casal, com o marido Gregory insinuando de forma cada vez mais crescente que sua esposa pudesse estar perdendo a sanidade, ao esconder objetos, ouvir passos no sótão, sofrer supostas alucinações com a luz movida a gás variando aleatoriamente de intensidade, e outras anormalidades.

As únicas pessoas que tentam um contato amigável com Paula são uma vizinha idosa, solteirona e bastante curiosa, a Srta. Thwaites (Dame May Whitty), e um investigador de polícia, Brian Cameron (Joseph Cotten), que conta com a ajuda eventual de um policial que faz a ronda noturna do local, Williams (Tom Stevenson), cujo fato de ter um pequeno romance com a empregada Nancy propicia com que obtenha informações interessantes do que se passa na casa dos patrões dela. O detetive decide então fazer uma investigação particular sobre o passado da casa com o assassinato de Alice Alquist e a relação com sua sobrinha Paula e o misterioso marido Gregory, que possui um comportamento estranho e suspeito.

A versão americana de 1944 é muito mais conhecida que a antecessora feita pelos ingleses. O filme tem uma produção caprichada, metragem maior (114 minutos), um diretor conceituado e um elenco expressivo. Esses quesitos favoráveis são motivos mais do que suficientes para despertar o interesse e atenção do público, garantindo um sucesso comercial. Foi também o responsável pela premiação de um “Oscar” para a atriz Ingrid Bergman, por sua performance como a esposa atormentada que estaria perdendo gradativamente o controle de sua mente. E realmente, sua interpretação é magnífica, muito superior à de Diana Wynyard no filme de 1940, tanto que ela, preparando-se para o papel, estudou detalhadamente as expressões faciais e movimentos dos olhos de pessoas com reais problemas de loucura e internadas em manicômios. Além disso, outro mérito do filme, graças ao cuidado da produção, foi o de garantir mais um “Oscar” para a equipe, dessa vez na Direção de Arte voltada para a decoração dos ambientes interiores.

Por outro lado, de forma desfavorável em relação ao filme inglês, faltou mais ousadia no roteiro dessa versão de 1944, principalmente na decisão de não mostrar o assassinato de Alice Alquist (que é a premissa básica para toda a história), e pela opção de escolher um final convencional demais e bem menos dramático que no filme anterior.

Para a satisfação dos colecionadores, a “Warner Brothers” lançou no mercado brasileiro de DVD ambos os filmes num único disco, com o “lado A” trazendo a versão mais famosa (1944) e no “lado B” a versão inglesa de 1940, num esquema similar que também foi feito com as versões de 1932 e 41 de O Médico e o Monstro, e com as versões de 1933 e 53 de Museu de Cera.

O DVD com as duas versões de À Meia Luz traz materiais extras apenas referentes ao filme de 1944: um documentário legendado de 13 minutos intitulado “Reflexões sobre À Meia Luz” (Reflections on Gaslight), apresentado por Pia Lindstrom, filha de Ingrid Bergman; um trecho também legendado da cerimônia de premiação do “Oscar” de 1944, destacando o melhor ator (Bing Crosby, recebendo a estatueta das mãos de Gary Cooper), a melhor atriz (Ingrid Bergman, recebendo de Jennifer Jones) e a melhor atriz infantil (Margaret O’Brien, recebendo do diretor Mervin Leroy), com a narração de John B. Kennedy; e finalizando com um trailer promocional de dois minutos de duração e sem legendas em português.

(Escrito originalmente em 09/2006 e revisado em 02/2024)

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Juvenatrix

Uma criatura da noite tão antiga quanto seu próprio poder sombrio. As palavras são suas servas e sua paixão pelo Horror é a sua motivação nesse Inferno Digital.

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