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Mr. Mercedes
Original:Mr. Mercedes
Ano:2014•País:EUA
Autor:Stephen King•Editora: Suma de Letras

Um personagem recorrente nos thrillers de mistério é o policial amargurado pela dificuldade em solucionar um crime. Mesmo que o currículo seja invejoso pelos êxitos conquistados durante sua jornada exemplar, é exatamente aquele que não foi resolvido que o acompanhará por toda a vida, e poderá levá-lo à morte. Zodíaco, de David Fincher, exemplifica bem a dor da ausência de uma resposta satisfatória, como se, no âmago, os investigadores torcessem para que o assassino continue a agir para que finalmente seja identificado. Seria realmente um problema se o vilão, de repente, já se sinta saciado pelo ato perfeito realizado, e não queira mais fazer vítimas e nem ser capturado. De acordo com pesquisas realizadas com serial killers em presídios americanos, grande parte continua a agir porque quer ser interrompido, para finalmente adquirir o reconhecimento por sua obra.

É exatamente esse personagem-clichê o protagonista do livro Mr. Mercedes, de Stephen King, o primeiro da trilogia Bill Hodges. Aposentado, sustentando uma barriga vantajosa e sem interesse algum em passeios pela cidade, Hodges possui duas companhias constantes: a TV sempre ligada em programas de debates e sua arma, aguardando o momento de ser utilizada contra sua têmpora para finalmente calar a dor de um crime não solucionado. Uma pessoa não identificada pela polícia utilizou um Mercedes Benz para atropelar dezenas de desempregados que aguardavam para entrar em um feirão de empregos, incluindo mulheres e um bebê. Detalhe: ela usava uma máscara de palhaço bastante similar a de Pennywise, da minissérie It – Uma Obra-Prima do Medo, baseada na obra A Coisa, de Stephen King.

A energia que resta para Hodges desistir da ideia de usar a arma surge de uma carta escrita pelo assassino. Ele provoca o detetive para um diálogo através de uma rede social chamada Blue Umbrella, onde já existe até mesmo um perfil criado para ele. Hodges entre em contato com seu ex-parceiro Pete para saber se existe alguma novidade, e começa a investigar por conta própria o velho crime, voltando a conversar com pessoas envolvidas, como a irmã da dona do carro que fora roubado e usado no crime. Por alguma razão que o “ex-policial gordo” ainda não sabe, a motorista do Mercedes parece não ter suportado a pressão pelo envolvimento indireto com o crime e deu fim à própria vida. Com a ajuda dela e do quebra-galho experiente em informática e podar o jardim, Jerome, Hodges passa a buscar pistas e também a provocar o criminoso na troca de mensagens.

O inimigo, já apresentado nas primeiras páginas, Brad Hartfield participa do jogo com o policial, enquanto planeja outras maneiras de ferir o detetive e até mesmo causar outra tragédia numerosa. King mais uma vez abusa de clichês ao apresentá-lo com sérios problemas de relacionamento, com uma relação incestuosa com a mãe, ao passo que disfarça sua identidade como um experiente funcionário de uma empresa de tecnologia e também um pacato vendedor de sorvetes. O leitor já traça mais um paralelo com Pennywise ao trocar seus balões pelas “delícias geladas“, uma maneira também bastante satisfatória para atrair crianças e esconder seu lado perverso. No entanto, ao contrariar a regra dos assassinos jamais identificados, Brad comete o erro de querer continuar, embora deixe claro logo no começo que não era essa a pretensão.

Se Mr. Mercedes tem aquela tradicional e divertida narrativa do autor, por outro lado perde pontos pela obviedade da obra e pelas consequências que facilitam o caminho do enredo. São detalhes que ajudam o herói na conquista de seu objetivo, e, ao mesmo tempo, apresentam um vilão atrapalhado e que nunca se torna tão ameaçador. Também levanta questões sobre as ações de Hodges na época do crime – ora, por que ele não investigou melhor a ideia da “chave inteligente” usada no veículo como um possível recurso para o roubo do carro? Por que o computador da dona do Mercedes nunca foi verificado com atenção, se o assassino poderia muito bem ter se aproveitado de sua fragilidade para planejar o que iria fazer?

Também é de se estranhar o excesso de confiança em si de Hodges, descartando a ajuda de seus parceiros policiais em prol de duas pessoas inexperientes e que poderiam comprometer sua investigação solitária. E pode incluir na lista dos questionamentos o modo bobo como Brad resolve atacar Hodges, tendo a mão tantas possibilidades mais fáceis e eficientes, não necessitando de um processo tão arriscado. As mensagens tornam o jogo divertido, assim como a descrição dos bastidores de uma apresentação musical para adolescentes e o relacionamento tardio do protagonista, mas são peças tão comumente vistas em suas obras que já não impressionam mais.

Mesmo com seus defeitos impossíveis de serem ignorados, Mr.Mercedes é uma leitura instigante, como um duelo de bang-bang entre dois personagens tão diferentes um do outro, mas já conhecidos do leitor. E deve ganhar uma adaptação ainda este ano para a TV em uma minissérie conduzida por David E. Kelley, tendo no papel principal o experiente Brendan Gleeson.

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