Uma Noite Alucinante 3 (1992)

4.6
(10)

Uma Noite Alucinante 3
Original:Army of Darkness
Ano:1992•País:EUA
Direção:Sam Raimi
Roteiro:Sam Raimi, Ivan Raimi
Produção:Rob Tapert
Elenco:Bruce Campbell, Embeth Davidtz, Marcus Gilbert, Ian Abercrombie, Richard Grove, Timothy Patrick Quill, Michael Earl Reid, Bridget Fonda, Patricia Tallman, Ted Raimi, Deke Anderson, Bruce Thomas, Billy Bryan, Nadine Grycan, Bill Moseley, Micheal Kenney

Uma produção bastante ambiciosa, mas que já fazia parte dos planos iniciais de Sam Raimi. Na verdade, ele queria que Ash (Bruce Campbell) já estivesse na Idade Média na segunda metade de Evil Dead 2, mas ainda não tinha dinheiro para isso, tendo que se concentrar no terror claustrofóbico na cabana, deixando apenas um epílogo provocativo. Foi graças à boa recepção do segundo filme que o cineasta começou a conceitualizar uma aventura do herói na Idade das Trevas, uma ambientação mais do que bem-vinda para a mitologia dos demônios kandarianos. Contudo, todas as expectativas se mostravam falhas pelos valores necessários para a produção, tendo até o rascunho de um roteiro que levaria novamente o protagonista ao inferno da cabana isolada.

Todos nós conhecemos aquela cabana, é hora de seguir em frente. Nós três decidimos mantê-lo em 1300, porque é mais interessante“, afirmou Bruce Campbell sobre a proposta para o roteiro, que viria a ser escrito por Sam e Ivan Raimi. Scott Spiegel chegou a ser cogitado para ajudar a desenvolver a história, como fizera na parte 2, mas estava ocupado com os argumentos de Rookie: Um Profissional do Perigo, de Clint Eastwood. Assim, os irmãos Raimi, na mesma época em que Sam se dedicava a Darkman – Vingança sem Rosto, sentaram-se à mesa de reuniões para elaborar a trama de um novo Evil Dead. Queriam enchê-lo de demônios, assombrações e humor pastelão, com referências a Simbad e a Princesa (1958), Jasão e o Velo de Ouro (1963), Conan, o Bárbaro (1982), com boas doses de A Viagem de Gulliver, de Jonathan Swift, e Um Ianque Na Corte Do Rei Artur, de Mark Twain, além, é claro, de Os Três Patetas.

O produto final exigia valores que os realizadores não dispunham. Satisfeito com o sucesso de Evil Dead 2 e Darkman, Dino De Laurentiis fez um contrato com a Universal que bancou metade dos requeridos U$12 milhões. Ainda assim, Sam Raimi, Bruce Campbell e Robert Tapert tiveram que dispor de U$1 milhão de seus salários para a a idealização dos efeitos especiais, o que incluía a gravação de um novo final após os primeiros testes de exibição. Com as filmagens ocorrendo em 1991, com duração de 100 dias, depois da construção de um castelo e a montagem das cenas de estúdio, Army of Darkness foi lançado oficialmente nos cinemas em 19 de fevereiro de 1993, ocupando 1.387 salas de cinema nos EUA.

Não foi exatamente o sucesso que todos esperavam. O filme tinha custado U$11 milhões (menos que a pretensão), e acabou arrecadando U$11,5 nos EUA. O lucro basicamente foi obtido pelas estreias pelo mundo, totalizando pouco mais de U$21 milhões. Boa parte dos críticos da época não curtiu o resultado, não enxergando as referências como homenagens. O Entertainment Weekly, por exemplo, pontuou: “No momento em que Army of Darkness se transforma em uma recauchutagem de Jasão e o Velo de Ouro, apresentando um exército de esqueletos de combate, o filme caiu em uma vala entre a paródia e o espetáculo.“. Muitas delas apontaram problemas no exagero humorístico, no pastelão, que inclui dancinhas de um Ash possuído e a luta contra as mãos dos esqueletos vindas da terra no cemitério, ainda que enalteçam os bons efeitos especiais.

Helio Guimarães disse em sua crítica a Folha de S.Paulo, no dia estreia brasileira, em 18 de março de 1994, que o filme tinha pastelão de Mel Brooks, movimentos de câmera e edição nervosa, típica dos irmãos Coen, em Arizona Nunca Mais, além de uma atmosfera macabra, com um exército de esqueletos sanguinários atacando o herói. E é bem isso mesmo. Talvez os fãs de The Evil Dead, que já tinham torcido o nariz para algumas cenas risíveis do segundo filme, devem ter se lamentado com as gags produzidas por Sam Raimi e imaginavam uma produção com um tom mais apocalíptico de tensão e possessão, tendo a ambientação sombria do século XIV. Army of Darkness é uma paródia dentro de sua própria mitologia, mas isso não quer dizer que não seja suficientemente divertido e aterrorizante.

Começa com a narração de Ash contando sua jornada desde o momento que conheceu Linda (interpretada desta vez por Bridget Fonda) enquanto trabalhava no S-Mart, e a levou para uma cabana isolada numa montanha, onde um arqueólogo fazia traduções do livro Necronomicon Ex Mortis, conhecido como O Livro dos Mortos. “Encadernado em carne humana e escrito com sangue, esse antigo texto sumério continha bizarros rituais de enterro, encantamento de funerais e passagens de ressurreições de demônios.” Ele diz que o livro despertou algo obscuro no bosque, possuiu Linda e também sua mão, obrigando-o a cortá-la no pulso. Abriu-se um vórtice que o dragou juntamente com seu veículo para a Idade Média. Apesar da cena da queda do Oldsmobile Delta 88 e de Ash terem sido as mesmas vistas em Evil Dead 2, o restante foi regravado, sem demônio voador e a exaltação dos soldados pela chegada do herói.

Confundido com soldados do Duque Henry (Richard Grove), Ash é preso pelo Lorde Arthur (Marcus Gilbert) e levado como prisioneiro até o castelo, sob a testemunha de uma multidão enfurecida, incluindo Sheila (Embeth Davidtz, de Millennium: Os Homens que Não Amavam as Mulheres), que acabara de descobrir que o irmão fora morto no último confronto. Ele é levado, juntamente com o próprio duque, para o acesso a um poço, onde há “o mal desperto nas entranhas da terra“. Um dos presos é jogado lá, somente para que um gêiser de sangue salte para espanto de todos. Sheila atira uma pedra em Ash, fazendo-o perder o equilíbrio e cair no local maldito. E é lá que o herói terá o seu primeiro desafio, enfrentando na porrada uma mulher demônio, ágil na acrobacia de combate, além de outro, deformado, contando com a ajuda de um mago do reinado (Ian Abercrombie), que irá lhe entregar a motosserra. Ash salta na direção dela, encaixando-a no ar em seu braço, para depois exterminar a criatura e voltar à superfície.

“Então, mandachuva, tenho notícias para você, camarada: você está liderando duas coisas agora, Jack e a merda. E Jack foi embora.”

Com o olhar temeroso de todos, Ash diz algo similar à fala de Aquiles em Troia (2004), perguntando quem seria o próximo a enfrentá-lo. Ele liberta o duque e seus soldados, e, com sua espingarda calibre 12 – descrita como item de mercado que pode ser encontrado no corredor de artigos esportivos -, intimida a todos, eliminando o segundo demônio que havia subido do poço. Tratado como um herói, ele é informado que o único meio de ele voltar para seu tempo seria com o Necronomicon. Após enfrentar mais uma bruxa no local, com aquela caracterização sempre interessante que envolve olhos brancos e o vento sobre os cabelos, ele parte em sua jornada, não sem antes ter relações com Sheila e se preparar, com a câmera em closes acelerados, remetendo a Rambo, como já havia sido explorado no segundo filme da franquia.

Ash é avisado pelo mago sobre o cemitério estar em um ambiente amaldiçoado e a necessidade de se pronunciar dadas palavras mágicas – Klaatu Barada Niktu -, para retirar o livro de seu berço, sem consequências desastrosas. Antes de chegar ao cemitério, ele é perseguido pelo demônio da floresta, com aquela movimentação que também se tornou tradicional desde o primeiro filme. Ash corre pela mata, entre tropeços, e busca abrigo em um velho moinho, local onde será atormentado pela insanidade, vendo a si mesmo em uma versão maléfica no espelho. Ao quebrá-lo em pedaços, terá que enfrentar mini-Ashes demoníacos, como Gulliver, em ótimos efeitos especiais, culminando em um deles dentro de seu corpo.

A criaturinha irá se desenvolver, surgindo inicialmente como um olho em seu ombro, até crescer como um irmão siamês, em sequências hilárias que dão o tom Três Patetas, mas também lembram o filme The Manster (1959). Após lutar consigo mesmo e eliminar sua versão demoníaca, Ash o enterra, como fizera com a namorada, colocando até mesmo uma cruz. No cemitério, Ash irá encontrar três livros Necronomicon, sendo dois falsos, e que trarão mais situações divertidas como a que estica seu queixo ou morde sua mão. Como era de se imaginar, Ash não dirá as palavras certas, e o Mal absoluto será desperto, na representação de um exército de esqueletos liderados pelo Ash-demônio (interpretado pelo próprio Bruce Campbell).

Sheila também será raptada, e estará ao lado do Ash vilão para liderar um confronto no castelo, com os inimigos em busca do famigerado Necronomicon. Embora somente quisesse voltar para casa, Ash é convencido a liderar os soldados do Lorde Arthur, usando tecnologia, um providencial livro de química que estava no porta-malas do carro, e técnicas de combate. Com movimentação em stop-motion e uso de bonecos, a luta envolve coreografias e exageros, homenagens e momentos engraçados até mesmo nas falas dos esqueletos, que adquirem características próprias. Caberá a Ash mais uma vez salvar o dia, desta vez em um castelo na Idade Média, com falas de efeito e heroísmo.

É óbvio que as cenas de humor iriam incomodar os fãs da franquia. Se no segundo filme já havia algumas gags, este terceiro, consciente de seu conteúdo exagerado, assume de vez o tom de paródia. Bruce Campbell está mais canastrão do que nunca, com expressões faciais exageradas, e atuando como um valentão machista, diferente daquele tímido covarde e apaixonado de The Evil Dead. A evolução do personagem se fez necessária, e foi intensificada durante a realização da série Ash Vs The Evil Dead, na construção de um anti-herói envolto em carisma. No entanto, há também boas doses de horror, seja na caracterização dos demônios, nas cenas de perseguição na floresta e na atmosfera do cemitério macabro. É, sim, a terceira parte de uma trilogia criativa e repleta de ousadia.

Com a baixa aceitação do final pessimista proposto, um novo foi realizado, com Ash sendo visto em seu mercado, tendo que combater um cliente-demônio. O original não fazia realmente jus ao personagem, e nem encerraria a produção no mesmo tom divertido que foi todo o filme, mas vale como curiosidade, assim como outras edições do longa (há quatro versões de Army of Darkness, com cenas que podem ser vistas no Youtube). Mesmo pendendo para a comédia, Army of Darkness completa de maneira satisfatória a jornada cinematográfica de Ash, da cabana à Idade das Trevas, sempre no combate a forças sobrenaturais que querem na persistência devorar sua alma.

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Marcelo Milici

Professor e crítico de cinema há vinte anos, fundou o site Boca do Inferno, uma das principais referências do gênero fantástico no Brasil. Foi colunista do site Omelete, articulista da revista Amazing e jurado dos festivais Cinefantasy, Espantomania, SP Terror e do sarau da Casa das Rosas. Possui publicações em diversas antologias como “Terra Morta”, Arquivos do Mal”, “Galáxias Ocultas”, “A Hora Morta” e “Insanidade”, além de composições poéticas no livro “A Sociedade dos Poetas Vivos”. É um dos autores da enciclopédia “Medo de Palhaço”, lançado pela editora Évora.

5 thoughts on “Uma Noite Alucinante 3 (1992)

  • 15/06/2023 em 17:26
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    Mês passado vi UNA 1 pela primeira vez e achei um completo lixo, não acredito que as pessoas gostam e recomendam essa porcaria kkkkkkkkkkkkkkkkkkk

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  • 29/09/2022 em 04:24
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    Só uma pequena correção: Bill Moseley não interpretou o Evil Ash, e sim o capitão do exército dos mortos. Ele próprio esclareceu isso no Twitter em 2016!

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  • 29/09/2022 em 03:20
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    Também foi o primeiro que assisti. Não lembro se na TV aberta ou nos bons VHS da Carlitos Vídeos. Mas lembro que foi o final pessimsta.

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  • 28/09/2022 em 14:11
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    Este foi o primeiro filme da franquia que assisti e gostei bastante na infância. Apesar da galhofa as cenas de terror funcionam bem e criam uma boa atmosfera e Ash tem um carisma nato kkkkk
    Vale a conferida, principalmente com os amigos.

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