4.8
(25)

Dagon
Original:Dagon
Ano:2001•País:Espanha
Direção:Stuart Gordon
Roteiro:Dennis Paoli, H.P. Lovecraft
Produção:Brian Yuzna
Elenco:Ezra Godden, Francisco Rabal, Raquel Meroño, Macarena Gómez, Brendan Price, Birgit Bofarull, Alfredo Villa, José Lifante, Javier Sandoval, Diego Herberg

Paul Marsh: O que acontece com todas as pessoas nesta cidade?
Ezequiel: Eles estão mudando. Mudando para ir para o mar.

Toda a etimologia que envolve o termo “Dagon” é tão fascinante que mereceria um estudo à parte. Entre traduções errôneas e usos adaptados, sabe-se que é uma referência a um deus adorado na antiga Síria e também no leste da Mesopotâmia e que sua passagem pela Bíblia e por literaturas universais fazem associação a um “deus-peixe“, o que permitiu a imaginação de um autor, deslumbrado pelos inimagináveis alcances marítimos e pela dificuldade de exploração, criar um mito apavorante no conto homônimo. H.P. Lovecraft escreveu “Dagon” em julho de 1917, como parte de sua escrita adulta, e teve a primeira publicação dois anos depois no periódico “The Vagrant“, para depois, em 1923, surgir nas páginas da “Weird Tales” já com algumas diferenças em sua edição.

Uma adaptação fiel à literatura seria improvável. A história é curta, tem apenas um personagem imerso em um pesadelo marítimo como oficial durante a Primeira Guerra Mundial. Quando sua embarcação é invadida por alemães, ele foge de bote ficando à deriva, entre devaneios, durante um tempo, até acordar encalhado sobre um lodo escuro, talvez oriundo de atividades vulcânicas próximas. Caminhando pela superfície, entre planícies e montes, depois de dias ele encontra um grande objeto sólido, uma espécie de monólito, em que hieróglifos aparecem talhados com referências a animais marinhos e homens, com características písceas, adorando uma entidade. E é ela que surge grandiosa da água, comparada a Polifemo (filho caolho de Poseidon), com longos braços escamosos, e vai em direção a ele, obrigando-o a uma fuga imediata até retornar à sua embarcação, concluindo seus relatos suicidas na cama de um hospital de São Francisco, onde expõe seu temor ao destino da humanidade, antes que alguma coisa abra a porta. “Deus, essa mão! A janela! A janela!

Assim, o roteiro de Dennis Paoli para o longa Dagon, de 2001, dirigido por Stuart Gordon, fez uso de uma outra história de Lovecraft, “The Shadow Over Innsmouth“, escrita em 1931, publicada como livro e fazendo parte dos Mitos de Cthulhu. Faz sentido, principalmente porque o enredo abriga algumas características que poderiam ser uma extensão de “Dagon“, como uma cidade costeira, próxima a Innsmouth, envolta em tradições e com um povo-peixe, com olhos que não piscam, guelras no pescoço e mãos palmadas. Sua fuga do local é bem parecida com a que acontece no filme, assim como algumas de suas descobertas nas páginas finais. E o melhor dessa mescla entre as duas histórias é o sentimento de repulsa diante de seres grotescos, relacionados ao mar – um dos ambientes comuns no inferno pessoal de Lovecraft.

O longa tem início em águas gélidas, com o pesadelo do protagonista Paul Marsh (Ezra Godden), que, durante uma exploração submersa, se depara com um estranho símbolo e uma sereia (Macarena Gómez, de As Bruxas de Zugarramurdi e Ninho de Musaranho), com um belo rosto e dentes afiados. Ele acorda na companhia da namorada Barbara (Raquel Meroño, de Mistério no Lago) e com o casal de amigos Vicki (Birgit Bofarull) e Howard (Brendan Price, de 11-11-11), durante um passeio de barco por uma região na costa da Espanha. Depois que a garota joga no mar o notebook de negócios do namorado, que exprime uma excelente condição financeira, uma tempestade atinge a embarcação, levando-a em direção a rochas. Com a inundação em processo, tendo Vicki a perna presa no acidente, Paul e Barbara vão de bote até uma cidade costeira, com estrutura de vilarejo rústico.

Inicialmente não encontram ninguém, apenas o som de um coro ao fundo. Caminhando pelas ruelas chegam a uma igreja, no instante em que a cantoria se encerra, e conversam com um padre (Ferran Lahoz), que sugere que um dos dois fique para buscar um telefone para ligar para a polícia e o outro vá com pescadores resgatar o casal de amigos na embarcação. Barbara vai até o hotel da cidade, apenas para ser recebida com frieza pelo atendente (José Lifante) e depois capturada. Sem encontrar Vicki e Howard, Paul retorna à cidade, já notando movimentações estranhas nas ruas e janelas sendo fechadas por moradores. Essa sequência até o momento em que se hospeda e é perseguido pelos cidadãos, com aparência de peixe, é bem parecido com o conto “The Shadow Over Innsmouth“.

Paul terá que se esconder em diversos ambientes, contando com a ajuda apenas do ex-padre Ezequiel (Javier Sandoval, falecido antes do lançamento), enquanto busca sinais de sua namorada e conhecidos, além de uma maneira de sair dali. Sensações perturbadoras de claustrofobia irão acompanhar o infernauta nessa jornada por uma comunidade que se entregou à entidade Dagon para prosperar na pesca e economia local. A tal sereia também voltará a aparecer, enxergando em Paul uma relação com uma profecia e conexão com o passado, mas uma perspectiva pessimista será inevitável.

Stuart Gordon faz um ótimo trabalho como diretor, contando com o bom roteiro de Dennis Paoli, com atenção ao já conhecido universo de Lovecraft. Faz parte daqueles filmes que envolvem cidades pequenas, com suas esquisitices religiosas e devoção a seres bizarros, a partir de suas próprias lendas. É claro que alguns efeitos especiais, principalmente na revelação do monstrengo principal, deixam a desejar, porém os efeitos de maquiagem são interessantes, com respeito às descrições do autor. Também vale menção a construção do personagem de Ezra Godden, que, com uma camiseta da faculdade Miskatonic, também revela uma aparência que remete a Herbert West, além de contar com sua boa atuação.

Mesmo após mais de vinte anos, Dagon se mostra um ótimo exemplar da filmografia inspirada em Lovecraft. Infelizmente é uma das poucas referências após o novo milênio à escrita lovecraftiana, sendo que grande maioria não soube fazer jus ao mestre do horror literário.

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4 Comentários

  1. É de longe a melhor adaptação de Lovecraft, apesar de achar os diálogos bem ruins.

    1. tipo the Void é otimo, e in mounth of a madness também e muito bom, vou procurar esse dagon para ver em algum lugar.

  2. Esse filme foi uma das inspirações para o jogo Resident Evil 4.

    1. O filme tem muita vibe de Resident Evil 4, até as vozes que os monstros fazem lembra os Ganados, gostei muito do que vi, Stuart Gordon deixa saudades.

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