Livide
Original:Livide / Livid
Ano:2011•País:França Direção:Alexandre Bustillo, Julien Maury Roteiro:Alexandre Bustillo, Julien Maury Produção:Vérane Frédiani, Franck Ribière Elenco:Chloé Coulloud, Félix Moati, Jérémy Kapone, Catherine Jacob, Béatrice Dalle, Chloé Marcq, Marie-Claude Pietragalla, Loïc Berthézène, Joël Cudennec. Sabine Londault, Serge Cabon |
Quando Abigail mostrou suas presas para um grupo de sequestradores, houve quem enaltecesse a criatividade na apresentação de uma vampira dançarina. Mesclando passos de balé com seus ataques sangrentos, a antagonista do filme homônimo entrou para uma galeria distinta de novos monstros femininos do gênero ao lado de Megan e Annabelle. Mas engana-se quem pensa que essa associação entre balé e vampirismo, arte e horror, é inovadora. Sem a necessidade de relembrar as bruxas de Suspiria, de Dario Argento, em 2011 duas vampiras dançarinas de balé foram apresentadas: uma foi vista brevemente entre as opções monstruosas de O Segredo da Cabana (The Cabin in the Woods, 2011) e a outra se destacou nesta produção dos reconhecidos Alexandre Bustillo e Julien Maury.
Os responsáveis pelo visceral A Invasora (Inside, 2007), Aux yeux des vivants (2014), Massacre no Texas (Leatherface, 2017), A Casa Profunda (The Deep House, 2021) e do recente The Soul Eater, também estão por trás desse conto de fadas vampírico, ambientado em um casarão aterrorizante. Distante dos exageros gráficos, trata-se de um bom exemplar arthouse, com elementos de fantasia, poesia e horror claustrofóbico. E tem uma premissa que possivelmente inspirou Fede Alvarez a compor o antagonista de O Homem nas Trevas (Don’t Breathe, 2016), partindo da velha expressão: “mais fácil do que roubar doce de criança.”
No dia 31 de outubro, a estagiária em enfermagem domiciliar Lucie Klavel (Chloé Coulloud) está acompanhando a experiente Catherine Wilson (Catherine Jacob) numa jornada entre lares que abrigam idosos que necessitam de medicações especiais. Após aplicar uma injeção no senhor André Marchal (Joël Cudennec) e visitar Maddy (Sabine Londault), as duas chegam à entrada de uma mansão que faria a Família Addams consultar o preço do aluguel. O local é comumente citado entre os jovens com desafios de aproximação e coragem, alimentando o imaginário popular sobre as assombrações que ali habitam. Embora tenha pedido para Lucie esperar no carro, a curiosidade de uma jovem promissora na profissão a faz adentrar a tal residência pertencente à ex-instrutora de dança Deborah Jessel (Marie-Claude Pietragalla).
Encontrada imóvel na cama no quarto localizado no andar mais alto, usando um respirador – que provavelmente será herdado por Immortan Joe em um futuro pós-apocalíptico – e se alimentando de um soro avermelhado, Deborah está inerte há tempos, sem nenhum outro membro familiar vivo ou manicure. Catherine diz que ela teve uma filha surda como o professor de música Glenn Holland (Richard Dreyfuss) no filme Adorável Professor (Mr. Holland’s Opus, 1995), mas a garota é considerada morta, e também que a mansão, entre animais empalhados e vasos aparentemente caros e antigos, esconde um tesouro, algo talvez relacionado à chave que a idosa possui no pescoço.
Com o término do expediente, Lucie irá revelar ao namorado, William Kerrien (Félix Moati), e este chamará seu irmão Ben (Jérémy Kapone) para uma aventura de exploração naquela mesma noite. Inicialmente, a garota será relutante à invasão, mas a vontade de melhorar de vida e ajudar o pai provavelmente irão diminuir as visões aterrorizantes de sua mãe enforcada no banheiro. É claro que o tal tesouro não são ouros ou diamantes, Deborah esconde um passado grotesco de disciplina nas aulas de balé e o desejo dela e da filha por sangue humano.
Livide é mais do que uma produção de invasão domiciliar a uma residência onde há monstros. Bustillo e Maury aprofundam o enredo numa trama em várias camadas, como a heterocromia da protagonista, sua capacidade de “capturar” fogos-fátuos – detalhes que terão importância para a compreensão dos últimos acordes -, a serial killer de crianças como uma espécie de Renfield, e a mesa de café infantil com bonecas, com rostos de animais reais e que se movimentam fantasmagoricamente. Tais itens compõem o cenário macabro, assim como também podem incomodar pelos excessos atmosféricos, indo além da mansão gótica e sua anfitriã morta-viva.
Esses exageros de estilo também se destacam nos vários “easter eggs” presentes no filme, com referência ao clássico Um Lobisomem Americano em Londres (An American Werewolf in London, 1981), Drácula de Bram Stoker (1992), e até Halloween III: A Noite das Bruxas (Halloween III: Season of the Witch, 1982), com a presença dos garotos fantasiados e o personagem que canta a melodia do jingle da Silver Shamrock na canção “London Bridge is Falling Down“.
Contando com boas atuações e momentos sangrentos, como o que acontece no estúdio de Deborah, no balé das dançarinas assassinas, Livide se conclui poeticamente, a partir da belíssima fotografia de Laurent Bares na construção de um quadro silencioso e sensível. Bem distante do tom grotesco e perturbador de A Invasora, e menos conhecido do que se imagina entre os fãs do gênero, o filme ainda assim guarda um lugar especial entre os pesadelos franceses das vertentes do exploitation, com a denominação “New French Extremity“. Um convite ao balé mórbido de Deborah Jessel é sempre bem-vindo!