4.8
(45)

Nosferatu
Original:Nosferatu
Ano:2024•País:EUA, Hungria, UK
Direção:Robert Eggers
Roteiro:Robert Eggers, Henrik Galeen, Bram Stoker
Produção:Chris Columbus, Eleanor Columbus, Robert Eggers, John Graham, Jeff Robinov
Elenco:Lily-Rose Depp, Nicholas Hoult, Bill Skarsgård, Aaron Taylor-Johnson, Willem Dafoe, Emma Corrin, Ralph Ineson, Simon McBurney, Stacy Thunes, Claudiu Trandafir, Jordan Haj

Enquanto a família do colono inglês William se refugiava nas proximidades de uma floresta densa, o co-irmão de Drácula aguardava silenciosamente sua oportunidade de deixar os Montes Cárpatos para se estabelecer em Wisborg, na Alemanha. Na verdade, A Bruxa (The Witch, 2015) é ambientado pouco mais de duzentos anos antes, em 1630, mas seu idealizador já anunciava aos quatro ventos que planejava desenvolver uma refilmagem do absoluto clássico de F.W. Murnau, embora se sentisse despreparado para a responsabilidade: “É feio, blasfemo, egomaníaco e nojento para um cineasta no meu lugar fazer Nosferatu em seguida.“, afirmou Robert Eggers em um podcast gravado em novembro de 2016. Assim, o senhor dos ratos se manteve ativo nas reuniões de estúdio, ao passo que o cineasta desenvolvia ensaios de observação de fotografia sombria (O Farol, 2019) e explorava conteúdo que flertava com o histórico (O Homem do Norte, 2022) até se dedicar amplamente a sua provável obra máxima.

Até o início das filmagens, em fevereiro de 2023, Eggers ainda acertava os detalhes técnicos, afinando os desenhos de produção no desenvolvimento de uma atmosfera aterrorizante e alterando significativamente o roteiro original para deixar sua própria assinatura. Fez um trabalho de linguagem, com o uso da extinta língua dácia na fala do Conde Orlok, e deixou rastros de suas inspirações em Andrzej Żuławski e Victor Sjöström. Todos os pormenores foram desenvolvidos para a criação de um pesadelo cinematográfico, envolto em sombras e degradação psicológica. Nosferatu, por fim, já estava pronto para finalmente conquistar uma sobrevida na Sétima Arte.

Ele é um visitante assíduo dos sonhos da recém-casada Ellen Hutter (Lily-Rose Depp). Residente na cidade de Wisborg, na Alemanha, com o marido Thomas (Nicholas Hoult, de Jurado nº2), corretor imobiliário, e que busca uma tranquilidade financeira através de uma grande venda, no caso a decrépita mansão Schloss Grünewald. Seu chefe, Herr Knock (Simon McBurney), instrui-o a fechar negócio com o recluso Conde Orlok (Bill Skarsgård), atualmente morador da Transilvânia. Mesmo com os receios de sua esposa, no relato de seus pesadelos na união com a Morte, sob a testemunha de cadáveres, e na satisfação sentida pelo ato, Thomas parte para a expedição, deixando Ellen sob os cuidados do amigo Friedrich Harding (Aaron Taylor-Johnson) e de sua esposa Anna (Emma Corrin).

Mesmo testemunhando sinais macabros de que ele talvez não retorne com vida, como ciganos cravando uma estaca em um vampiro, e alertando-o dos riscos – a sequência em que ele desperta no vilarejo adormecido é um dos elementos aterrorizantes da fotografia excepcional de Jarin Blaschke -, Thomas chega ao ambiente soturno, do anfitrião vampiro, numa imponência vocal e ameaçadoramente física de Skarsgård, construindo um horror claustrofóbico e angustiante. Não demora para o rapaz perceber seu erro, e sentir que está nas garras de um demônio voraz, principalmente ao ser cortar e deixar um flerte de sangue à mostra. Consciente do poderio de seu monstro, Eggers o mantém obscuro ainda que onipresente, explorando a escuridão e uma discreta sonoridade, ampliada nos momentos certos.

O horror acompanha a partida de Orlok ao encontro de Ellen, espalhando corpos sem sangue e doenças advindas da proliferação de ratos pela pacata Wisborg. São esses malefícios que atraem o interesse do excêntrico cientista Albin Eberhart Von Franz (Willem Dafoe), expurgado da Suíça por suas associações com o oculto. É um Van Helsing nos mesmos trejeitos, mas sem o mesmo conhecimento da ameaça. A presença do professor e a loucura de Knock, no alimento de pequenas criaturas e perspectiva de que algo se aproxima, como o fiel Renfield, resgatam a sensação de deja vu nos espectadores que desconhecem a concepção de Nosferatu: nasceu como um irmão bastardo de Drácula, por questões contratuais de direitos que impediram Murnau de adaptar fielmente a obra de Bram Stoker. Assim, nos moldes do “copia, mas faz diferente“, foi apresentada uma versão bestial, com aparência de um homem-rato e a interpretação magnífica de Max Schreck. Em 79, seria feita uma nova versão, por Werner Herzog, com mais laços com o texto original.

Eggers tinha consciência da atmosfera que deveria explorar em Nosferatu, e acrescentou elementos de possessão, que remetem A Bruxa, e alguns toques oníricos de fantasia, que só anteriormente eu havia sentido em Drácula de Bram Stoker (1992), de Coppola. Um horror plástico, explorando cores frias e um intenso pessimismo, Nosferatu se desenvolveu bem em diversos aspectos, incluindo a imposição cênica de um Bill Skarsgård irreconhecível, nas maquiagens e no semblante. Confesso que me senti incomodado com o bigode, na aparência do vilão, e que pareceu forçadamente uma intenção de mudar o visual para algo próprio do diretor.

Porém, deve-se ressaltar algumas ideias interessantes como a forma de se alimentar do vampiro, realmente sugando a vítima, com um diálogo sexual entre os corpos. E também a capacidade psíquica de Ellen para justificar seus anseios pelo visitante noturno nas três tentativas de convencê-la a aceitá-lo. A interpretação física de Lily-Rose Depp, filha de Johnny Depp, é bem condizente com o seu papel, sem vestígios de uma moça indefesa como eram características de Mina e Lucy em Drácula. A escolha da atriz no lugar de Anya Taylor-Joy, considerada até o final de 2022, foi um dos grandes acertos da produção.

Esculpido com ousadia e arte, Nosferatu é uma releitura intensa de uma das principais obras do Expressionismo Alemão. Uma versão com personalidade, visualmente espetacular, de um horror gótico que encontrou sua concepção no improvável. De mãos dadas com as mãos certas, é um dos grandes filmes de horror da atualidade e deve ser apreciado como fora concebido: uma obra artisticamente tenebrosa e essencial!

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