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Quando os Adams Saíram de Férias
Original:Let’s Go Play at the Adams’
Ano:2022•País:EUA
Autor:Mendal W. Johnson •Editora: DarkSide Books

Em 1974 a artista Marina Abramovic realizou um experimento/performance artística que muitos acharam extrema e controversa, e os resultados foram, para dizer o mínimo, assustadores. O experimento consistiu no seguinte: a artista ficaria imóvel por seis horas, totalmente exposta ao público. Ao seu lado, foram disponibilizados 72 objetos para que as pessoas utilizassem nela como bem entendessem, dentre eles penas, flores, perfumes, pregos, correntes e até mesmo uma arma carregada. Em um primeiro momento, a interação foi tímida, delicada. Ao perceberem que Marina continuava imóvel e à mercê da vontade alheia, as coisas foram mudando. Rasgaram suas roupas, e mesmo assim a artista continuou ali, deixando. Rabiscaram seu corpo, prenderam correntes em seu pescoço, cortaram sua carne. Cada vez mais as violências que praticavam aumentavam, o público sentia-se livre para expor suas piores perversões apenas porque podiam, não se importavam que era outro ser humano ali. Marina sofreu diversas torturas, chegando até mesmo a ser estuprada e ter a arma apontada para seu rosto, prestes a ser disparada (coisa que só não aconteceu graças a um dos galeristas que interferiu e retirou a arma do local). Ao final do experimento, a mulher levantou-se sangrando, nua e machucada. A reação das pessoas quando ela enfim se mexeu? Saíram correndo com medo de um confronto, medo de que suas ações fossem recriminadas. Enquanto Marina estava imóvel, ninguém se importou com isso, pelo contrário. Os absurdos que fizeram com a moça foram escalonando simplesmente por terem o poder para tal. Esse mesmo conceito está por trás da obra Quando os Adams Saíram de Férias, publicado pela editora Darkside Books em parceria com a Macabra TV.

Bárbara, uma universitária na casa dos vinte anos, é contratada para cuidar dos filhos dos Adams enquanto o casal viaja para a Europa. O mais velho, Bobby, tem 13 anos, enquanto sua irmã, Cindy, tem apenas 10. São crianças aparentemente tranquilas e obedientes, e Bárbara curte suas férias de verão cuidando das crianças, levando-as para a escola dominical aos domingos, ao lago para brincar com os amigos à tarde, e tudo corre perfeitamente bem. Um certo dia, a babá acorda amarrada e amordaçada e se desespera, até perceber que os culpados são a dupla de irmãos, uma espécie de brincadeira de mau gosto. Irritada, acredita que é apenas uma questão de tempo para que se cansem disso. Bárbara não contava que as coisas poderiam sair do controle de um modo tão amedrontador e irreversível, especialmente quando os amigos mais velhos de Bobby e Cindy, John, Paul e Diane, se envolvem nesse jogo macabro e violento.

Bárbara é passiva em diversas ocasiões, deixando passar momentos nos quais poderia se posicionar antes das coisas desandarem completamente. No papel de vítima subjugada, a moça ainda se agarra ao fato de que são apenas crianças, ficarão com pena e entediados e vão acabar com a “brincadeira” logo, e acaba agindo de forma doce e prestativa – muitas vezes chegando a justificar os atos hediondos que cometem – ao invés de ser incisiva. Mesmo quando sofre os mais diferentes tipos de violência e abusos, vai contra o instinto de sobrevivência humano e simplesmente torce para que não aconteça novamente. Quando enfim resolve tomar uma atitude mais firme, não dá tudo de si e acaba apenas piorando sua situação. A passividade de Bárbara e sua fé na bondade das pessoas é comovente, mas também extremamente revoltante (quem assistiu Speak No Evil vai entender perfeitamente o sentimento).

Quanto às crianças, sendo que duas delas – John e Diane – já são praticamente adultas, seus atos vão ficando cada vez mais cruéis quando percebem que a babá está indefesa e eles estão no controle. Tratam-na como uma boneca preciosa de início, para logo depois submetê-la a inúmeras humilhações para ver até onde ela aguenta, por curiosidade, para ver o que acontece, para se sentirem no controle. Assim como aconteceu no experimento de Marina Abramovic.

A narrativa não demora a encontrar caminhos sinistros, descrevendo atos repulsivos, deixando-nos incrédulos com a maldade contida naquelas crianças. A falta de empatia e a frieza com que arquitetam tudo é repugnante. O ódio por adultos e regras, o medo de serem pegos, a sensação de poder, a excitação de fazerem algo proibido, tudo isso é despejado em Bárbara, a representação da adulta perfeita que está acima das crianças (mesmo sendo poucos anos mais velha do que John e Diane) e merece sofrer, segundo a visão deles.

O autor, Mendal W. Johnson, escreveu o livro baseado no caso de Sylvia Likens. No caso real, Sylvia sofreu inúmeros abusos por parte de sua guardiã e também de seus filhos e conhecidos. A garota foi privada de comida, foi violentada, amarrada e até mesmo queimada. O livro A Garota da Casa Ao Lado, de Jack Ketchum, também usou esse aterrador acontecimento real como base para sua narrativa visceral (tanto que a trama é basicamente o que de fato ocorreu, apenas com algumas alterações), portanto, uma comparação entre as duas obras acaba sendo inevitável.

Diferente de A Garota da Casa ao Lado, Quando os Adams Saíram de Férias não desenvolve o relacionamento da babá com as crianças de forma a construir uma tensão sobre o que está por vir, aquela atmosfera de expectativa não existe aqui, já que logo nas primeiras páginas Bárbara é imobilizada e, levando em conta a capa do livro, já fica claro que nada de bom virá disso. De modo geral, não há uma construção dos personagens, de modo que o leitor dificilmente sentirá alguma conexão com qualquer um deles, mesmo com a vítima. É chocante e violento, sim, porém muito mais simples, digamos assim, do que a obra de Ketchum. A psique perturbada dos personagens é exposta em várias nuances, entretanto, não é trabalhada tão a fundo, a criação deles não é comentada para existir ao menos uma justificativa para o que fazem. Um deles simplesmente é um psicopata declarado e dá todos os sinais disso e ninguém – nem a irmã, nem os pais – parece ligar, outro apenas odeia que mandem nele e por isso resolve cometer atrocidades. Os mais novos são os que mais aparentam se importar com tudo que acontece (apesar de serem os culpados por colocar a babá nessa situação) e sabem que é errado, mas, ainda assim, não fazem nada para impedir. Simplesmente resolveram que seria legal tratar alguém como um objeto e descartar quando for conveniente. A Garota da Casa ao Lado tem muito mais êxito ao descrever como cada um chegou a fazer o que fez e em deixar o leitor aterrorizado e sufocado com os horrores cometidos. Mendal parece ter como objetivo muito mais chocar do que desenvolver os pormenores da história.

Quando os Adams Saíram de Férias é, sim, uma obra violenta, impactante e perturbadora, mas peca em não construir uma narrativa mais envolvente e crível.  O desenvolvimento lento após a captura, em conjunto com a passividade descabida da vítima e a repetição de acontecimentos faz com que a leitura fique, por vezes, enfadonha, até que enfim chegue ao seu clímax, onde as coisas pioram rapidamente. Apesar disso, a linha de raciocínio seguida pelos captores e suas ações brutais cometidas apenas por sentirem o gosto do poder e existir a possibilidade de saírem impunes é chocante, nos levando novamente ao experimento citado no começo do texto. Quais crueldades as pessoas cometeriam se tivessem a oportunidade de fazer o que quisessem? Até onde iriam?  A maldade desmedida de crianças, que são consideradas puras e cheias de inocência, é o que deixa tudo ainda mais assustador. Você vai pensar duas vezes antes de ficar sozinho com crianças depois dessa leitura, especialmente por causa do desfecho que, apesar de previsível, não deixa de ser repugnante por várias razões.

O livro possui doses de violência gráfica e psicológica, além de cenas de estupro. Não é recomendável para leitores sensíveis ou com gatilhos.

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