A Múmia (1932)

5
(3)

A Múmia
Original:The Mummy
Ano:1932•País:EUA
Direção:Karl Freund
Roteiro:John L. Balderston, Richard Schayer, Nina Wilcox Putnam
Produção:Carl Laemmle Jr.
Elenco:Boris Karloff, Zita Johann, David Manners, Arthur Byron, Edward Van Sloan, Bramwell Fletcher, Noble Johnson, Kathryn Byron, Leonard Mudie, James Crane, Henry Victor, Arnold Gray, Florence Britton, Jack Deery, Bill Elliott, Leyland Hodgson, Eddie Kane

“Morte, punição eterna para aquele que abrir esta caixa.”

A descoberta da tumba de Tutancâmon em 1922 foi o chamariz para a realização do clássico A Múmia, de 1932. Escavadores, liderados por Howard Carter, encontraram a câmara mortuária no Vale dos Reis em 4 de novembro, e tal fato é considerado até hoje o maior da história da egiptologia, e também o mais assombroso. Além de mais de 5000 artefatos descobertos e que contribuíram para estudos e ampliaram o conhecimento do período, o túmulo alimentou supersticiosos sobre maldições que envolveram sua abertura em 29 de novembro. Das 58 pessoas presentes, 8 morreram em circunstâncias misteriosas, com destaque para George Herbert, 5º Conde de Carnarvon, o financiador da expedição de Carter. Em 19 de março de 1923, ele foi picado por um mosquito no rosto, sofrendo uma infecção ao ser barbear. O escritor Sir Arthur Conan Doyle, criador do Sherlock Holmes, por sua crença espiritualista, disse na época que ele morrera por seres elementais que guardavam a tumba de Tutancâmon, desenvolvendo assim a chamada “maldição do faraó“.

Como Drácula e a Criatura de Frankenstein haviam feito sucesso em suas produções lançadas em 1931, o produtor Carl Laemmle Jr. contratou Richard Schayer para escrever uma história com tema egípcio, fazendo uso da tal maldição. Ele se uniu a Nina Wilcox Putnam e desenvolveu um roteiro de apenas nove páginas intitulado Cagliostro, sobre um mágico com mais de 3000 anos que sobrevivera injetando nitratos. Carl gostou da ideia e passou-a para John L. Balderston, que havia feito a cobertura da descoberta da tumba de Tutancâmon para o New York World. O autor fez alterações no conceito, mudando ambientação, personagem principal e acrescentou o Pergaminho de Thoth, uma divindade que é considerada a responsável pelo Livro dos Mortos. Curiosamente Thoth foi também explorado no conto de Arthur Conan DoyleO Anel de Thoth“.

Com a trama em mãos e a contratação do lendário Boris Karloff (que havia feito a Criatura de Frankenstein no clássico, lançado no ano anterior), assim se desenvolveu a maldita múmia Imhotep (nome em referência ao reconhecido arquiteto egípcio), envolta em trapos, vingança e romance, e consequentemente um dos monstros das clássicas histórias de horror. Apesar das referências e os nomes envolvidos e algumas boas críticas, o longa não fez o sucesso imaginado nas bilheterias, muito devido a problemas em seu roteiro simples e estrutural, mas inspirou continuações e reinvenções, e permitiu que sua força narrativa ocupasse um bom lugar na galeria monocromática dos Monstros da Universal Pictures.

“Meu amor é mais eterno que os templos de nossos deuses. Nenhum homem jamais sofreu o que sofri por você.”

A trama se passa em 1921, quando o arqueólogo Sir Joseph Whemple (Arthur Byron) encontrou o sarcófago do sacerdote Imhotep. Em conversa com o Dr. Muller (Edward Van Sloan), ele revela detalhes da descoberta, como o fato dele ter sido enterrado vivo e uma caixa que anuncia uma maldição aos que tentarem profaná-la. O assistente, Ralph Norton (Bramwell Fletcher), aproveita a saída dos dois para abrir a caixa e encontrar o Pergaminho de Thoth, traduzindo parte de seus informes para ocasionar o despertar de Imhotep, levando-o à loucura, através de risadas insanas que o acompanharam até sua morte. Infelizmente, o rastejar da múmia em seus trapos foi pouco explorado na produção, evidenciando apenas suas mãos e seu rastro, sem a caracterização que depois viria a ser a clássica para o monstro.

Dez anos após o incidente que culminou no sumiço da múmia, Imhotep agora está vivendo em sociedade, assumindo a identidade de Ardeth Bey. Ele convence o filho de Joseph, Frank (David Manners), além do professor Pearson (Leonard Mudie), a continuar as explorações, mostrando o local exato onde estaria o túmulo de Ankh-esen-amun. A descoberta é entregue ao Museu do Cairo, onde Imhotep/Ardeth tem pretensões de despertar sua alma, usando o corpo da egípcia Helen Grosvenor (Zita Johann), bastante semelhante à sua amada, além, claro, do Pergaminho. Contudo, terá que enfrentar o interesse amoroso de Frank e o professor, precisando, para isso, usar seus poderes de hipnotismo para convocar um escravo núbio (Noble Johnson).

Como se percebe, o enredo é bem simples. Muitos dos diálogos e sequências foram copiadas do clássico Drácula (1931), roteirizado também por John L. Balderston. Traz um triângulo amoroso e os poderes de uma Múmia em busca de ressuscitar sua amada, contando com a interpretação sempre impressionante de Karloff, que teve que enfrentar mais de seis horas de maquiagem do experiente Jack Pierce, que estudou múmias para criar o monstro, construído com gomas de mascar e argila, além de linho, embora sua formação monstruosa seja vista pouco em cena, apenas basicamente na abertura, uma vez que logo seu personagem passaria a ser o tal Ardeth, de pele enrugada e frieza no semblante. Seu olhar semicerrado, com a iluminação de seus olhos nos momentos de hipnotismo (“Seus olhos eram como espelhos despedaçados. Seja qual for a dor, era profunda e fazia parte integral de sua alma“, disse a atriz Zita Johann ao comentar sobre a interpretação de Boris Karloff), já mostram o carisma e imposição cênica do ator.

A boa direção de Karl Freund também deve ser reconhecida. O cineasta alemão trabalhou como diretor de segunda unidade e da Fotografia de diversas produções, como o absoluto Metrópolis, além de algumas produções de direção não creditadas ou de curtas-metragens. A Múmia foi realmente sua estreia como diretor, embora tenha desenvolvido muito pouco até 1935, dedicando-se mais à Fotografia. De qualquer modo, ele capta a essência do que poderia ser um filme envolvendo a maldição do faraó, beneficiado pela ótima fotografia e direção de arte, com a construção do período antigo através de sequências em flashback. Sem ser tão ameaçador quanto a Criatura de Frankenstein, e há poucas mortes e ataques da múmia, foi preciso apresentar um vilão consciente de suas intenções, distante da insanidade do monstro concebido por Mary Shelley do outro clássico.

Apesar do sucesso discreto, A Múmia também desenvolveria uma franquia, tanto pela Universal Pictures quanto pela Hammer. Depois viriam A Mão da Múmia (The Mummy’s Hand, 1940), com Tom Tyler interpretando a criatura; A Tumba da Múmia (The Mummy’s Tomb, 1942), A Sombra da Múmia (The Mummy’s Ghost, 1944) e A Praga da Múmia (The Mummy’s Curse, 1944), todos com Lon Chaney Jr. no papel; além da comédia-pastelão Caçando Múmias no Egito (Abbott and Costello Meet the Mummy, 1955). Pela Hammer, viria A Múmia (The Mummy, 1959), na interpretação de Christopher Lee; e A Maldição da Múmia (The Curse of the Mummy’s Tomb, 1964), com Dickie Owen; O Sarcófago Maldito / A Mortalha da Múmia (The Mummy’s Shroud, 1967), com Eddie Powell; e Sangue no Sarcófago da Múmia (Blood from the Mummy’s Tomb, 1971), com Valerie Leon.

O ótimo DVD da coleção Monstros da Universal traz, além do filme, pôsteres e fotos, trailer de cinema, comentários do historiador de cinema Paul Jensen e o interessante documentário “Mummy Dearest“, que você pode encontrar legendado no Youtube. Apresentado por Rudy Behlmer, o material tem trinta minutos de curiosidades sobre o processo de desenvolvimento do filme e suas futuras influências, com vários depoimentos e informações, como o interesse da atriz Zita Johann pelo ocultismo, além de sua postura nos bastidores. É um material muito bem apresentado e agrega bastante valor à produção para quem quer ir além do clássico para saber mais sobre múmias e seu processo de criação.

O que você achou disso?

Clique nas estrelas

Média da classificação 5 / 5. Número de votos: 3

Nenhum voto até agora! Seja o primeiro a avaliar este post.

Avatar photo

Marcelo Milici

Professor e crítico de cinema há vinte anos, fundou o site Boca do Inferno, uma das principais referências do gênero fantástico no Brasil. Foi colunista do site Omelete, articulista da revista Amazing e jurado dos festivais Cinefantasy, Espantomania, SP Terror e do sarau da Casa das Rosas. Possui publicações em diversas antologias como “Terra Morta”, Arquivos do Mal”, “Galáxias Ocultas”, “A Hora Morta” e “Insanidade”, além de composições poéticas no livro “A Sociedade dos Poetas Vivos”. É um dos autores da enciclopédia “Medo de Palhaço”, lançado pela editora Évora.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *