Beau Tem Medo (2023)

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Beau tem Medo
Original:Beau is Afraid
Ano:2023•País:EUA, UK, Finlândia, Canadá
Direção:Ari Aster
Roteiro:Ari Aster
Produção:Jorge Canada Escorihuela, Lars Knudsen, Ari Aster
Elenco:Joaquin Phoenix, Patti LuPone, Amy Ryan, Nathan Lane, Kylie Rogers, Denis Ménochet, Parker Posey, Zoe Lister-Jones, Armen Nahapetian, Julia Antonelli, Stephen McKinley Henderson, Richard Kind, Hayley Squires, Julian Richings, Bill Hader, Alicia Rosario, James Cvetkovski, Catherine Bérubé

Assim que assumiu a direção de longas-metragens, Ari Aster mostrou que gosta de contar histórias pouco convencionais e lidar com perdas e reflexões. Foi assim com o terror Hereditário (2018), com o tom religioso abordado em Midsommar: O Mal Não Espera a Noite (2019) e com este filme Beau tem Medo (Beau is Afraid, 2023), inspirado em um curta de sua autoria, Beau, realizado em 2011. Cada filme foi além de um único gênero, apostando em simbologias e linguagem subliminar, sem desviar de uma narrativa sólida e profunda. No caso de Beau tem Medo, o cineasta optou por abrir as portas da mente de uma pessoa complexada, envolta em medos e falta de confiança, dando espaço para uma odisseia de amadurecimento e liberdade pessoal. Mas será que ele alcançou seu objetivo?

O protagonista, Beau Wasserman (o excepcional Joaquin Phoenix), tem uma missão aparentemente simples: ir ao funeral de sua mãe. Seria fácil se a pessoa não possuísse uma gama de problemas psicológicos, uma mente perturbada por um passado mal estruturado e uma dificuldade de aceitação. Assim, abre-se ao espectador seu universo de receios, simbolizados graficamente desde seu nascimento, pela passagem pelo terapeuta (Stephen McKinley Henderson), que lhe receita um novo remédio a ser tomado COM ÁGUA – uma recomendação complicada aos neuróticos -, até as ruas movimentadas de uma distopia urbana insana: vendedores ambulantes vendendo de tudo, inclusive uma sub-metralhadora, skatistas, mãe dando bronca em criança, um rapaz ameaçando se jogar de um edifício, cadáver, gente dançando ou parada olhando para o nada, brigas, um homem pelado com uma faca e um cheio de tatuagens e piercings, que obriga Beau a correr em direção a seu condomínio, seu porto seguro, com livros espalhados pelos corredores e pichações com mensagens estranhas como “mata criança” e “mija aí“.

Saindo de um elevador que mal abre as portas, passando por um alerta sobre uma aranha-violinista à solta – vista em seu apartamento -, Beau chega a sua moradia de poucos móveis, alimentação de micro-ondas e um retrato de seu pai, colocando exatamente esse mesmo quadro na parede. Prepara uma pequena surpresa para a mãe, com a pretensão de visitá-la tardiamente, na data que lembraria a morte do pai. É atormentado por inúmeros bilhetes do vizinho que pede que abaixe o volume do som de sua casa, sendo que ele nem música está ouvindo. Esse inferno pessoal se amplia a cada situação enfrentada pelo protagonista, como seus pesadelos recorrentes em que vê um irmão gêmeo sendo mantido em sótão, ou quando tem seus pertences e a chave de casa roubada, quando voltou ao apartamento para buscar o fio dental. Tenta explicar a mãe sobre a provável perda do avião, para posteriormente ser avisado por um motorista de UPS que ela morreu decapitada pela queda de um lustre.

Todo esse excesso de informações são transmitidas ao espectador nos primeiros vinte minutos, de uma produção de três horas de duração. A primeira parte é uma tragicomédia ou comédia de erros, colocando Beau em situações divertidas como a saga para comprar água, com o temor de que seu apartamento seja invadido pelas pessoas da rua, o que realmente acontece na visão hiperbólica de uma mente psicologicamente frágil. Antes de iniciar sua jornada, ele ainda terá um confronto em sua banheira, será esfaqueado pelo homem nu e atropelado pelo food truck do casal Grace (Amy Ryan) e Roger (Nathan Lane), pais da adolescente Toni (Kylie Rogers) e cuidadores do veterano perturbado Jeevers (Denis Ménochet). Cuidado como criança, em uma casa com monitoramento através de câmeras que filmam também o futuro, Beau é atormentado pela garota que tenta fazê-lo beber tinta. mas quem o faz é ela. Sem alternativas, perseguido por Jeeves, ele foge para a floresta onde começa o segundo ato.

Este já é menos divertido, no encontro com um grupo de teatro itinerante chamado “Os Órfãos da Floresta“, que na apresentação o faz ver uma realidade alternativa em que ele é pai de três jovens, com relação direta ao seu próprio pai, morto no orgasmo que o fez nascer. Beau tem lembrança de quando era criança, em um cruzeiro com a mãe Mona (Zoe Lister-Jones) e seu contato com a pequena Elaine (Julia Antonelli), com a promessa de que devem se guardar um para o outro. Beau tem Medo apresenta em sua terceira parte a chegada do protagonista ao velório, uma surpresa em relação às expectativas, culminando em um julgamento onde suas ações são avaliadas em uma arena, enquanto ele acompanha em uma lancha.

Ao final, deixa a conclusão de que Beau não é o herói de sua aventura e nem chega a ser um anti-herói. O próprio não consegue superar suas fraquezas e imperfeições, sendo culpado e vítima ao mesmo tempo. Permite comparações à base narrativa de uma Jornada do Herói, mas um que dificilmente terá sucesso em decorrência de suas limitações. A profundidade proposta por Ari Aster é vista em várias camadas, em caminhos diversos, dependendo do modo como o espectador irá interpretá-lo. Diferente, por exemplo, de Hereditário e Midsommar, com simbologias que apontam para a mesma intenção. A briga do personagem com um pênis gigante no sótão, em um combate que ele deve ter enfrentado pelos seus desejos e receios, deixa evidente algumas dessas possibilidades: estaria ele enfrentando seu principal medo, tendo como lembrança o que poderia ter acontecido com o seu pai?

Como outras produções da A24, Beau tem Medo não é facilmente digerível, tanto que o filme não foi tão bem como se esperava nas bilheterias. Até recebeu boas críticas e duas indicações ao Globo de Ouro, mas não conquistou prêmio algum. Guardo um certo apreço pela produção por tê-la visto somente no dia em que minha mãe faleceu, no último 24 de dezembro. Muitas das reflexões propostas, arrependimentos e culpa, rondaram entre meus pensamentos, como um julgamento de uma arena interna, permitindo uma maior empatia pela viagem de Beau. Visualmente magnífico, com um desenho de produção maravilhoso, e contando com a ótima interpretação de Joaquin Phoenix – não consigo imaginar outro ator nesse papel -, Beau tem Medo pode tocá-lo de diversas formas, dependendo do seu estado de espírito.

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Marcelo Milici

Professor e crítico de cinema há vinte anos, fundou o site Boca do Inferno, uma das principais referências do gênero fantástico no Brasil. Foi colunista do site Omelete, articulista da revista Amazing e jurado dos festivais Cinefantasy, Espantomania, SP Terror e do sarau da Casa das Rosas. Possui publicações em diversas antologias como “Terra Morta”, Arquivos do Mal”, “Galáxias Ocultas”, “A Hora Morta” e “Insanidade”, além de composições poéticas no livro “A Sociedade dos Poetas Vivos”. É um dos autores da enciclopédia “Medo de Palhaço”, lançado pela editora Évora.

4 thoughts on “Beau Tem Medo (2023)

  • 14/02/2024 em 12:12
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    Longo, lento e EXTREMAMENTE PEDANTE.

    Resposta
  • 14/01/2024 em 19:23
    Permalink

    Eu adorei essa jornada insana volta e meia penso nesse filme e não quantidade de reflexoes simbologias e camadas

    Ps: Sinto MT pela sua perda

    Resposta
  • 14/01/2024 em 11:23
    Permalink

    Queria muito ter gostado desse filme.
    Esperei ansiosamente e me decepcionei muito. A atuação do Joaquin Phoenix é irrepreensível e me fez rir bastante – de nervoso, inclusive – na primeira metade do longa. Só que…
    Mesmo fazendo muito esforço para tentar gostar do filme, achei que o diretor se perdeu numa espécie de “egotrip de diretor”, criando algo que me pareceu extremamente pretensioso, da metade pro final. E o final… muito, muito ruim.
    Infelizmente. Mas ao mesmo tempo também entendo quem curtiu mais do que eu.

    Resposta

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