O Império das Formigas
Original:Empire of the Ants
Ano:1977•País:EUA Direção:Bert I. Gordon Roteiro:Bert I. Gordon, Jack Turley, H.G. Wells Produção:Bert I. Gordon Elenco:Joan Collins, Robert Lansing, John David Carson, Albert Salmi, Jacqueline Scott, Pamela Susan Shoop, Robert Pine, Edward Power, Tom Fadden, Irene Tedrow |
“Quando só restou o oco de silêncio e sombra, a voz da minha prima me fisgou e me trouxe para a superfície. Abri os olhos com esforço. Ela estava sentada na beira da minha cama, de pijama e completamente estrábica.
– Elas voltaram.
– Quem?
– As formigas. Só atacam de noite, antes da madrugada. Estão todas aí de novo.” (Trecho do conto “As formigas”, de Lygia Fagundes Telles)
O mundo em perigo. As formigas podem um dia se tornar a forma de vida dominante do planeta. Organizadas, comunicativas, fortes e numerosas, elas incomodam muito mais do que a simples aflição de vê-las por todos os cômodos e móveis da casa, com o mito sobre a obrigatoriedade de mudança. Dependendo da espécie e quantidade, elas são representadas em algumas culturas como mensageiros dos deuses, primeiros habitantes do mundo e até símbolo da agressividade e vingança. Com esse currículo de dar inveja a qualquer outro inseto, não é à toa que elas foram as pioneiras da fase Big Bug do cinema fantástico, com o clássico de 1954, dirigido por Gordon Douglas.
A partir da expressão de medo da garotinha, uma das imagens mais conhecidas da produção, diversas outras criaturas tiveram o seu reinado, destruindo civilizações, alcançando vales e ampliando a imaginação do público a respeito dos efeitos de uma guerra nuclear ou liberação de produtos tóxicos. Elas retornariam mais vezes, mais organizadas, em outros exemplares incríveis como Phase IV (1974), O Ataque das Formigas / Formigas Assassinas (It Happened at Lakewood Manor, 1977) e o popular O Império das Formigas (Empire of the Ants), também de 1977, dirigido por Bert I. Gordon, que já havia tocado no tema com A Maldição da Aranha (Earth vs the Spider, 1958) e com A Fúria das Feras Atômicas (The Food of the Gods, 1976).
Inspirado apenas pelo título em um conto de H.G. Wells, publicado pela primeira vez na The Strand Magazine, em 1905, que se passa na América do Sul e envolve formigas inteligentes, o filme O Império das Formigas foi desenvolvido a partir de um roteiro de Jack Turley e do próprio Gordon, resultando num argumento simples, dividido em duas partes, uma mais claustrofóbica do subgênero “homem vs natureza“, e outra com contexto político e conspirador, apresentando as formigas como uma verdadeira ameaça à humanidade.
E é exatamente essa segunda e surpreendente parte que traz os poucos méritos da produção, quando o filme deixa de ser apenas uma luta pela sobrevivência na natureza para uma possibilidade catastrófica. A simples imaginação de toda a capacidade agressiva de um exército de criaturas inteligentes e dominadoras já é suficientemente assustador, o que evidencia a fragilidade humana diante dos poderes da natureza. Contudo, a expectativa pode não ser boa em uma reavaliação, quando a artificialidade dos efeitos especiais, realizados a partir de transposição de imagens, não permite que o público se impressione, despertando até risadas involuntárias.
O Império das Formigas se passa na década de 70, distante da fase Big Bug, quando o gênero fantástico demonstrava mais afeição pela violência real, pelos exageros gráficos. Fazem parte desse período filmes como Aniversário Macabro (The Last House on the Left, 1972), Amargo Pesadelo (Deliverance, 1972), O Massacre da Serra Elétrica (The Texas Chainsaw Massacre, 1974), Snuff (1976), Quadrilha de Sádicos (The Hills Have Eyes, 1977), entre outros, como parte da herança violenta de Herschell Gordon Lewis (Banquete de Sangue, 1963, The Wizard of Gore, 1970, The Gore Gore Girls, 1972). Era a época da proliferação das seitas religiosas e da desconstrução da família americana, fazendo com que produções envolvendo ataques de aranhas, formigas e ratos gigantes ficassem à margem do gênero, mesmo quando você recorda que muitos desses filmes não deixam de ser frutos do período atômico, como os canibais do filme de Wes Craven.
Dentro desse contexto, o longa de Bert I. Gordon parece ingênuo, embora apresente resquícios religiosos e/ou alienígenas nas ações dos “infectados“, algo que também seria visto em Os Invasores de Corpos (Invasion of the Body Snatchers), de 1978, refilmagem de Vampiros de Almas (1956). Mesmo que não seja revolucionário ou inovador, O Império das Formigas funciona como cinema-pipoca, remetendo às sessões em drive-ins, com o público conferindo os filmes de dentro dos carros, e as grindhouses, em exibições duplas. Além disso, diferente dos filmes atuais, repleto de adolescentes em atitudes estúpidas, o longa só tem personagens adultos, num pesadelo real e mais próximo de ser assustador – principalmente para quem sofre de mirmecofobia (ou formicofobia).
O filme começa com a narração gutural de Marvin Miller, com imagens alternadas de diversos tipos de formigas. “Esta é a formiga. Trate-as com respeito, pois elas podem ser a próxima vida dominante do nosso planeta. Parece inacreditável? Impossível?” E o locutor apresenta em seus argumentos o hábil sistema de comunicação das criaturas, com mensagens transmitidas entre elas pela substância química conhecida como feromônio. Logo após esse início em formato documentário, já é possível entender o que fará as formigas se desenvolverem: barris contendo lixo tóxico são despejados no oceano, e um deles aparece numa praia, em Florida Keys, próximo a um formigueiro.
Marilyn Fryser (a veterana Joan Collins) é uma corretora de imóveis que está conduzindo uma viagem até a ilha com a intenção de vender terrenos no que virá a ser Dreamland Shores, um sonho para quem busca ótimas praias e sossego num ambiente afrodisíaco, mas que não se importa com insetos. Entre os curiosos e os que apenas querem aproveitar uma viagem gratuita se destacam o herói Joe (John David Carson, de Uma Linda Mulher, 1990), a loira histérica Coreen (Pamela Shoop, de Halloween 2 – O Pesadelo Continua!, 1981), o capitão Dan (Robert Lansing) e Margaret (Jacqueline Scott, de Encurralado, 1971).
Alguns momentos discretos, discussões, interesses românticos e traições, até que o grupo é surpreendido pelas formigas gigantes, em ataques sempre mortais, acompanhados de um som levemente incômodo. Ficam evidentes as dificuldades técnicas na exposição de insetos com imagens que mostram erroneamente o apoio deles no ar e com pouca interação com as pessoas. Logo os sobreviventes fogem pela mata e até atravessam por um rio, tentando evitar encontrar as espertas criaturas. O que parece ser apenas uma luta pela sobrevivência na floresta transforma-se em algo maior do que as formigas imensas, quando eles são aparentemente salvos pela polícia e levados à cidade, coincidentemente próxima a uma refinaria de açúcar. Os estranhos moradores agem sem emoção, hipnotizados pelas ações de uma rainha, recebendo-os numa fila até o momento da contaminação.
Mesmo com essa segunda parte mais ousada, que até se afasta do que é comum no subgênero, O Império das Formigas não foi bem aceito pela crítica, seja pelos efeitos precários ou pelos exageros nas atuações do elenco. Alguns apostavam que o filme deveria partir para um lado mais satírico do que uma crítica política ao Presidente eleito Jimmy Carter. De toda forma, há algumas boas ideias ali, revolucionárias e ousadas, sem a necessidade de atribuir uma referência ao escritor H.G.Wells ou até a tentativa gimmick com as mini-fazendas construídas nos cinemas em exibição.
Depois que King Kong havia aparecido num longa satisfatório no ano anterior, insetos gigantes pareciam não ter mais vez, abrindo definitivamente as portas para os slashers. Com o tempo, as formigas se organizariam para mais ataques em filmes isolados ou pequenas aparições como em Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal (Indiana Jones and the Kingdom of the Crystal Skull, 2008) ou com ações heroicas com o filme Homem-Formiga (Ant-Man, 2015). Muito pouco para criaturas tão ameaçadoras e incríveis!