4.8
(6)

O Solar das Almas Perdidas
Original:The Uninvited
Ano:1944•País:EUA
Direção:Lewis Allen
Roteiro:Dodie Smith, Frank Partos, Dorothy Macardle
Produção:Charles Brackett
Elenco:Ray Milland, Ruth Hussey, Donald Crisp, Cornelia Otis Skinner, Dorothy Stickney, Barbara Everest, Alan Napier, Gail Russell, David Clyde

“Elas eram chamadas de costas assombradas, estas extensões de Devonshire e Cornwall, que se elevam contra o oceano. Aqui se concentram brumas, a névoa do mar e histórias fantasmagóricas. Não porque ali a concentração de fantasmas seja maior, mas é que quem vive ali perto está estranhamente consciente deles. Dia e noite, entra ano, sai ano, ouvimos a batida e o movimento das ondas. Há vida e morte nesse som incessante. E eternidade também. Se ouvi-lo por bastante tempo, seus sentidos se aguçam e desenvolve raros instintos: é capaz de reconhecer o frio incomum, que é o primeiro aviso. Frio que não é mera questão de temperatura, mas um escoadouro do calor dos centros vitais dos vivos. Os moradores já me disseram que sentiram isto, mesmo com a porta trancada. Nós, não. Eles não entendiam nós não sabermos o porquê de nosso cão não querer subir aqueles degraus. Parece que os animais veem coisas malditas!”

O Solar das Almas Perdidas (The Uninvited, 1944) é considerado o primeiro filme “sério” a abordar uma casa assombrada na História do Cinema de Horror. Não foi a primeira ambientação maldita do gênero, uma vez que o terror mudo O Gato e o Canário (The Cat and the Canary, 1927), de Paul Leni, já trazia uma família se sentindo ameaçada por uma figura obscura em uma mansão em Nova York. Mas tanto este quanto A Casa Sinistra (The Old Dark House, 1932), de James Whale, com Boris Karloff, são produções mais leves, com tons intensos de humor. Há também menção ao clássico Rebecca, a Mulher Inesquecível (Rebecca, 1940), de Alfred Hitchcock, mas poderia figurar ao lado de produções góticas ou de outros romances com toques sobrenaturais, e não precisamente como indicação de uma casa realmente assombrada. Assim, esse solar amaldiçoado, que aterrorizou Ray Milland e Ruth Hussey, é basicamente o pioneiro no estilo, ainda que não seja necessariamente sério.

Vem de uma safra de produções sobrenaturais lançadas durante e após a Segunda Guerra Mundial, quando a realidade parecia pedir filmes mais frios e havia questionamentos sobre “o outro lado” como uma forma de abrandar as perdas. Dois no Céu (A Guy Named Joe, 1943), Neste Mundo e no Outro (A Matter of Life and Death, 1946) e O Fantasma Apaixonado (The Ghost and Mrs. Muir, 1947) fazem parte do ciclo, incluindo o longa de Lewis Allen e a antologia Na Solidão da Noite (Dead of Night, 1945).

As filmagens aconteceram a partir de 16 de abril de 1943, e foram marcadas por problemas envolvendo a atriz Gail Russell, considerada muito ruim tecnicamente. No documentário que acompanha o DVD da Versátil, há críticas sobre o seu desempenho, o atraso na finalização de takes, dificuldade para decorar suas falas e conflitos com outros nomes, como Donald Crisp. Ray Milland foi quem teve mais paciência com a atriz, sempre envolvida em choros constantes nos sets e reclamações sobre sua falta de profissionalismo. Devido a esses conflitos internos, Russell começou a beber antes das gravações, uma prática comum para aliviar a tensão na época. O produtor associado Charles Brackett chegou a solicitar um aumento dos dias de gravação de 42 para 50, porém não teve sucesso, e as filmagens se concluíram em 15 de junho.

Apesar de ser considerado um filme sério sobre casas assombradas, o tom ainda é leve e bem-humorado. Na sequência inicial, após a narração tétrica do começo, na voz de Ray Milland, o cãozinho dos irmãos persegue um esquilo para dentro da casa onde acontecerão as manifestações. O longa é ambientado em 1937, quando o crítico musical e compositor Roderick “Rick” Fitzgerald (Milland) e sua irmã Pamela (Hussey) visitam a mansão Windward, localizada numa colina – sempre um problema – à beira-mar, e ela se apaixona pelo ambiente abandonado há anos, contrariando o irmão, que a considera distante e provavelmente cara.

Um local com vista belíssima para o mar, telhado rebaixado nos quartos e um cômodo trancado dependeria de um valor bastante acessível, talvez. O valor oferecido, 12 mil libras, interessa ao proprietário, o Comendador Beech (Crisp), mas não a sua neta, Stella Meredith (Russell), que entende o valor sentimental de uma moradia que pertencia a sua falecida mãe, vítima de uma queda do penhasco similar ao da fita amaldiçoada de Samara. O avô tenta impedir a aproximação de Stella com os irmãos, mas Rick se apaixona por ela, recebendo-a em visitas constantes.

Tudo caminha bem até que o tal cômodo fechado, um estúdio, é aberto, liberando uma onda de frio inexplicável. É a primeira das manifestações, com outras sensíveis, como o de escutar o choro de uma mulher na madrugada, o incômodo notado pela governanta Lizzie Flynn (Barbara Everest), o gato que se recusa a subir as escadas, e o cachorro que desaparece. Com o apoio do médico de Biddlecombe, Dr. Scott (Alan Napier), os irmãos ficam sabendo sobre o pintor, pai de Stella, que traiu a esposa Mary, a chorona, com uma cigana espanhola de nome Carmel. O episódio levou a uma briga à beira do penhasco com consequências trágicas.

Além dos fenômenos experimentados, Stella por vezes fica possuída pela assombração, ameaçando, inclusive, a se jogar do penhasco. A garota é mandada ao sanatório da Sra. Holloway (Cornelia Otis Skinner), confidente de Mary, e descobrem o que aconteceu com a cigana, com teor de vingança. Dúvidas virão à mente do espectador até então: será que existem dois fantasmas na mansão Windward, Mary e Carmel? Será que Carmel é uma assombração vingativa ou Mary está tentando passar alguma mensagem aos novos residentes?

A fotografia em preto e branco, assim como os bons efeitos especiais nas aparições fantasmagóricas, ajudam a tornar O Solar das Almas Perdidas um bom exemplar do subgênero das casas assombradas. O enredo, de Dodie Smith, Frank Partos e Dorothy Macardle, sugere algumas boas possibilidades e, mesmo não sendo tão ousado quanto poderia ser, constrói uma trama envolta em calafrios. A atmosfera e a ambientação contribuem de maneira significativa para a força gótica da narrativa, apoiada na intrigante atuação de Ray Milland, assim como a frieza de Donald Crisp.

Gail Russell realmente não se mostra muito à vontade no papel, porém está longe de ser canastrona como alguns críticos apontam. A atriz teve uma filmografia curta, com 28 produções, falecendo por problemas hepáticos precocemente aos 37 anos. Talvez o papel exigisse uma interpretação mais sólida, como nos casos em que alterna possessão e ingenuidade, com alguns graus de romance.

O Solar das Almas Perdidas é um bom começo para quem quer visitar as primeiras casas assombradas do gênero. Mesmo não sendo um filme assustador, tem sua importância para o formato, como uma ótima inspiração a pesadelos dos mais novos. Quem teve a oportunidade de vê-lo em tenra idade provavelmente deve ter sentido alguns arrepios com as vozes cadavéricas, os choros perturbados e as aparições indevidas. Um ótimo filme!

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