Jogos Mortais 2 e a perpetuação de uma franquia

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Não demorou muito para que uma nova armadilha fosse preparada. Na verdade, um ano. A partir desta primeira continuação, a franquia Jogos Mortais entrou para o calendário anual de eventos cinematográficos, e o público, preso à estrutura, viu-se quase obrigado a continuar acompanhando as ações de um vilão inteligente e a proposta de plot twists de seus realizadores. Com o sucesso no primeiro fim de semana de estreia de Jogos Mortais, o estúdio deu luz verde para um segundo filme, embora James Wan e Leigh Whannell já estivessem envolvidos na produção de Gritos Mortais (Dead Silence, 2007). Assim, coube ao diretor de videoclipes – nada mais justo – Darren Lynn Bousman assumir as rédeas da próxima investida de Jigsaw.

Ele foi preso à franquia quando tentava vender seu primeiro roteiro, de um longa intitulado The Desperate. Conseguiu o interesse de um estúdio alemão, disposto a pagar US$1 milhão pela produção, o que Bousman achou justo, iniciando a procura de um diretor de fotografia. David A. Armstrong leu o roteiro e mostrou a Gregg Hoffman, que notou semelhanças com a trama de Jogos Mortais, convidando-o a mesclar os roteiros e dirigir. Apesar de ter ficado inicialmente chateado pela comparação, entendeu que o seu argumento seria um interessante avanço para a franquia.

Whannell deixou o roteiro mais adequado ao universo Jogos Mortais, mantendo a estrutura e armadilhas de Bousman, que acreditava que seu The Desperate tinha vida própria: tratava-se de um longa cru, agressivo, pessimista, ou, como o próprio definia, “um filme violento e pornográfico“. Até mesmo para a realização solo, ele tinha consciência que muito ali seria alterado pois não era um produto comercial, vendável. Entrar para as armadilhas de John Kramer (Tobin Bell) era o melhor caminho, pois ainda lhe daria a possibilidade de adquirir ganhos para seus projetos particulares.

Com o argumento desenvolvido, Jogos Mortais 2 permitiu que seu elenco improvisasse a maior parte dos diálogos. Donnie Wahlberg, por exemplo, fez alterações que achava que poderia aumentar a relação entre ele e Erik Knudsen, assim como também houve mudanças em outras sequências para dar mais veracidade aos acontecimentos. Foram filmados vários finais alternativos para evitar que as surpresas fossem reveladas, surpreendendo até os envolvidos com o filme, que não imaginavam os caminhos do roteiro. Ao final, fez-se um trabalho digno em comparação ao primeiro, mesmo que inferior, ampliando a mitologia e desenvolvendo um universo próprio para continuações.

O filme começa exatamente onde o anterior terminou, com a saída do Dr. Lawrence Gordon (Cary Elwes), após serrar o próprio pé, e o despertar de John, para a incredulidade de Adam (Whannell). Uma nova armadilha é mostrada: Michael (Noam Jenkins), um informante da polícia, tem uma máscara de espinhos presa ao pescoço e tem sessenta segundos para soltá-la com a chave que se encontra em seu olho. Morto, seu corpo é encontrado pela detetive Kerry (Dina Meyer), que, inclusive, nota uma mensagem para seu parceiro Eric (Wahlberg).

Ao investigar a empresa que fez a fechadura da armadilha de Michael, Eric, Kerry, Rigg (Lyriq Bent) e uma equipe da SWAT chegam a uma fábrica perigosa, mas conseguem prender Jigsaw. Ele indica monitores que estariam mostrando uma casa com um grupo de pessoas, incluindo o filho de Eric, Daniel (Knudsen). Para revelar o paradeiro dos prisioneiros, John pede que Eric participe de um jogo que consiste em apenas conversar com ele. Os jogadores foram envenenados e estão em uma casa, repleta de desafios e antídotos, incluindo Amanda (Shawnee Smith), sobrevivente do primeiro filme em um novo teste.

Além dela e Daniel, estão participando o agressivo Xavier (Franky G), Jonas (Glenn Plummer), Laura (Beverley Mitchell), Addison (Emmanuelle Vaugier), Obi (Timothy Burd) e Gus (Tony Nappo). Jigsaw espalha gravadores e instruções, dá dicas sobre seguir as regras e pistas que revelam que todos ali tiveram problemas com a polícia e foram capturados ou prejudicados por Eric. O detetive precisa encontrar o paradeiro antes que o veneno mate seu filho ou que os demais descubram a identidade do garoto e resolvam se vingar.

Com poucos cenários como o filme anterior, a sequência propõe um desafio claustrofóbico, tenso e repleto de armadilhas para todos os envolvidos, incluindo o espectador. Até mesmo os mais atentos a produções dinâmicas e finais surpreendentes dificilmente conseguirão decifrar a proposta, pressionando os dentes diante de embates violentos, enquanto os personagens da casa passam a sofrer as consequências do veneno, vertendo sangue e sentindo-se fracos. Diante da trama de Bousman e Whannell, seguindo a fórmula iniciada no primeiro filme (a presença do boneco, a voz tétrica de Jigsaw, a edição acelerada, os mini-gravadores…), o longa se mostra mais uma vez eficiente em suas ideias ousadas.

Claro que a proposta permite muitas falhas, principalmente pela necessidade que o jogo se desenvolva como John Kramer quer, mas diverte pela intensidade e violência, com criatividade e tensão. Está bem distante do primeiro, mais eficaz e surpreendente, porém traz mais detalhes do passado do vilão, além de armadilhas mais sangrentas e agressivas. Não tem como não sentir aflição com a “piscina de seringas” ou com a primeira armadilha, envolvendo o corte no olho, situações que promovem um leve desconforto no espectador, acompanhando com angústia o avançar do relógio.

Jogos Mortais 2 foi o filme mais rentável da franquia Saw, conquistando um total mundial de U$148 milhões de dólares. Se o público curtiu as novas bugigangas de Jigsaw, as críticas mesclaram opiniões positivas e negativas. Houve quem o considerasse mais completo que o primeiro, assim como os que não viram nada que agradasse além de seu espetáculo de tortura e morte. Mesmo assim, sua força popular incentivou uma nova continuação, restando saber se a narrativa teria força suficiente para as novas armadilhas.

As Continuações de uma Franquia de Sucesso

Com a indicação a prêmios e os ganhos conquistados, no ano seguinte um novo Jogos Mortais chegaria aos cinemas. Novamente Darren Lynn Bousman assumiu o comando, propondo novas armadilhas e surpresas, desta vez com Amanda já considerada uma parceira de Jigsaw. Para quem não se lembra, o final do segundo filme colocaria o detetive Eric preso no banheiro do primeiro filme, sem saber que seu filho Daniel esteve a todo momento próximo a ele, bastando apenas “seguir as regras“. Jogos Mortais 3 é um dos mais violentos da franquia, desde a sequência de abertura, quando Eric quebra o próprio pé para soltá-lo das correntes e perseguir Amanda, ou quando Troy (J. LaRose) precisa arrancar correntes de seu corpo (desafio cenobita) antes que uma bomba exploda.

Jogos Mortais 3 (2006)
Um bom filme, mas pelo amor de John Doe, deixem Jigsaw descansar!

Assim que a polícia chega ao local, com Kerry e Rigg, logo se nota que a armadilha não segue o modo de ação de Jigsaw, pois não permite que a vítima sobreviva. Nem tem tempo para analisar um possível copycat, pois a garota se vê presa a uma estrutura que não a deixará sair ilesa. Mas o jogo principal ainda está para começar e envolve a Dra. Lynn Denlon (Bahar Soomekh) obrigada a manter John Kramer vivo para não ter a cabeça explodida, e Jeff (Angus Macfadyen), que terá a oportunidade de se vingar dos responsáveis pelo atropelamento de seu filho. O pior deles é o de Timothy (Mpho Koaho), preso a uma armadilha que irá torcer e quebrar seus ossos – “a minha armadilha favorita“, diz Jigsaw.

Ao final, a surpresa envolve a relação entre a médica e Jeff, enquanto o encamado John Kramer é visto preparando algo que irá engolir e desenvolverá os mistérios do quarto filme. Jogos Mortais 3 apresenta levemente Jill (Betsy Russell), a ex-esposa de Jigsaw, e o detetive Hoffman (Costas Mandylor), personagens que serão importantes nas continuações. Exagerado na violência, o longa não teve o mesmo fôlego dos dois primeiros, mas as próximas armadilhas já estavam preparadas.

O quarto filme estreou em outubro de 2007, já expondo na capa a morte de John Kramer. Durante a autópsia, uma fita é encontrada em seu estômago, intrigando Hoffman, enquanto novos jogos são apresentados. O primeiro coloca dois homens, Trevor (Kevin Rushton) e Art (Louis Ferreira), presos a uma estrutura em um mausoléu, sendo que um tem a boca costurada e o outro os olhos. Precisam entrar num consenso para encontrar uma saída de lá, mesmo que um tenha que eliminar o outro. Nesse segundo filme, os agentes do FBI Strahm (Scott Patterson) e Perez (Athena Karkanis) sentem que Amanda possa ter um outro ajudante, e começam a desconfiar de Rigg, tendo que participar de desafios para encontrar Eric, ainda vivo, e possivelmente sua mulher.

Eric e Hoffman estão presos, sob a observação de um possível comparsa de Jigsaw. Na verdade, trata-se de mais um que é recrutado para não morrer, no caso o sobrevivente Art, que foi advogado de Jill. Interrogada pela polícia, o seu passado como parte de um instituto que ajuda dependentes químicos ao lado de John Kramer é mostrado. Ela estava grávida, mas perdeu o filho Gideon pela ação violenta de um dos rapazes que “não quiseram ser ajudados“. Nesse filme também se vê uma pontinha de Addison (Vaugier), antes de entrar na casa em Jogos Mortais 2.

A surpresa do quarto filme envolve a parceria de Hoffman com Jigsaw, além de toda a sequência acontecer ao mesmo tempo que o terceiro filme. Isto é, a cena inicial, da autópsia, é, na verdade, o epílogo, quando o vilão deixa claro que o detetive ainda será testado. Isso acontecerá em Jogos Mortais 5, iniciado com uma bela referência a Edgar Allan Poe e seu poço e o pêndulo, com Seth Baxter (Joris Jarsky) precisando destruir as próprias mãos para tentar escapar. Hoffman prende o agente Strahm em um aquário, sem possibilidade de escapatória, mas o agente faz uma traqueostomia em si e se safa.

Com a polícia em seu encalço, o detetive tenta convencer a todos que Strahm é o ajudante de Jigsaw, enquanto coloca em um esgoto os participantes de uma nova armadilha: Ashley (Laura Gordon), Brit (Julie Benz), Charles (Carlo Rota), Luba (Meagan Good) e Mallick (Greg Bryk) estão presos a coleiras e precisam chegar à chave que os liberta antes que o tempo acabe. Tanto essa quanto outras armadilhas deixam evidente que o trabalho em conjunto poderia permitir que todos escapassem e isso faz sentido no sangrento final, quando precisam alimentar uma estrutura com sangue – por que não usaram o corpo anterior para tal?

A proposta do quinto filme, dirigido por David Hackl e com roteiro de Patrick Melton e Marcus Dunstan, é o combate entre Hoffman e Strahm, sendo que o primeiro se sai bem ao entrar em um caixão de vidro, deixando seu colega ser esmagado pelas paredes móveis. O mesmo irá acontecer no sexto filme, desta vez entre Hoffman e Jill, quando se descobre o conteúdo da caixa que ela recebera de herança de seu ex-marido e que contém a “armadilha de urso invertida“, além de envelopes sobre os próximos a serem testados, à exceção de Hoffman. Este terá que escapar da armadilha, rasgando seu rosto no final de Jogos Mortais VI.

Com direção de Kevin Greutert, o sexto também é bastante sangrento. Em sua abertura, coloca Eddie (Marty Moreau) e Simone (Tanedra Howard) cortando partes de seu corpo para colocar numa balança a fim de eliminar seu oponente. Sem gordura como Eddie, Simone corta o próprio braço para escapar da armadilha. O jogo principal tem como protagonista o executivo William Easton (Peter Outerbridge) e seus associados, numa empresa de seguros que negou apoio a John Kramer. As ações são observadas por Tara (Shauna MacDonald) e seu filho adolescente Brent (Devon Bostick), além da jornalista Pamela Jenkins (Samantha Lemole). O roteiro tenta enganar o espectador fazendo-o acreditar que Tara é esposa de William, mas na verdade a família foi também vítima dele e terá a oportunidade de se vingar.

Jogos Mortais VII veio com a ideia de ser o capítulo final. Feito em 3D, aproveitando a onda da época, e novamente dirigido por Kevin Greutert, ele começa com uma ideia insana ao mostrar o desafio de Jigsaw em um ambiente público, onde dois homens, Brad (Sebastian Pigott) e Ryan (Jon Cor), devem se enfrentar com serras, tendo acima deles Dina (Anne Lee Greene), a namorada e a amante de cada um. O longa também resgata o Dr. Gordon depois que este sobreviveu à armadilha do primeiro filme, participando de um grupo de sobreviventes de armadilhas de Jigsaw – é ver para crer!

E há também o desespero de uma indefesa Jill tentando se safar de Hoffman, enquanto o desafio oficial tem Bobby (Sean Patrick Flanery), um rapaz que lucrou inventando que sobreviveu a uma armadilha de Jigsaw, vendendo livros e dando entrevistas para a TV. Ele verá seus conhecidos, que ajudaram a vender a ideia, tendo que enfrentar desafios, até encontrar o seu próprio ao final, não sendo suficiente para salvar Joyce (Gina Holden) de ser incinerada. O longa se conclui com a vingança de Hoffman mostrando pela primeira vez o resultado da “armadilha de urso invertida“, mas sendo pego pelo Dr. Gordon, que o coloca no banheiro que iniciou a franquia.

Seria um final adequado se, em 2017, não fosse realizado Jogos Mortais: Jigsaw, o oitavo filme da série, com direção dos irmãos Michael e Peter Spierig. Começa diferente, com a perseguição da polícia a Edgar Munsen (Josiah Black), que dá início a um novo jogo, com cinco pessoas – Mitch (Mandela Van Peebles), Anna (Laura Vandervoort), Ryan (Paul Braunstein), Carly (Brittany Allen) – presas em um celeiro com baldes na cabeça, precisando sangrar para liberar a estrutura. Concomitante a essa luta pela sobrevivência – não se engane com a linha temporal -, os detetives Brad Halloran (Callum Keith Rennie) e Keith Hunt (Clé Bennett) começam a desconfiar que o falecido John Kramer está por trás das mortes, com a ajuda dos patologistas Logan Nelson (Matt Passmore) e Eleanor Bonneville (Hannah Emily Anderson).

Eleanor se mostra uma fã de Jigsaw, tendo em sua morada exemplares das principais armadilhas dele. Quando se descobre que realmente Jigsaw está por trás das armadilhas, logo se percebe que as ações estão mostrando cenas do passado, misturadas com as do presente, e há mais uma vingança, desta vez contra aqueles que erraram no diagnóstico do câncer de John Kramer. Ao final, Logan se revela como o primeiro aprendiz do vilão, e que também pretende se vingar pela morte de sua esposa. Apesar de interessante, é a narrativa mais confusa da franquia, forçando um final surpresa sem o mesmo impacto de outros filmes.

E também não foi o último. Espiral – O Legado de Jogos Mortais apresentou um spinoff da franquia, dentro de um mesmo universo. Sem Tobin Bell, o filme tem no elenco nomes conhecidos como Chris Rock e Samuel L. Jackson, em aparição rápida, tendo apenas a ideia de armadilhas, máscara de porco, gravador e o espiral como conexão com o universo Saw, além, claro, do final surpreendente, quando alguém se revela como o verdadeiro vilão.

Desinteressante, o filme foi uma afronta às realizações de John Kramer, tanto que o X que traz uma pista no banheiro veio na composição do décimo filme, que chegará aos cinemas em outubro, com a promessa de que seu conteúdo empolgará os fãs e talvez possa ser 0 ponto de partida para mais uma série de filmes, mesmo com as armadilhas já enferrujadas ou com mau funcionamento há anos.

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Marcelo Milici

Professor e crítico de cinema há vinte anos, fundou o site Boca do Inferno, uma das principais referências do gênero fantástico no Brasil. Foi colunista do site Omelete, articulista da revista Amazing e jurado dos festivais Cinefantasy, Espantomania, SP Terror e do sarau da Casa das Rosas. Possui publicações em diversas antologias como “Terra Morta”, Arquivos do Mal”, “Galáxias Ocultas”, “A Hora Morta” e “Insanidade”, além de composições poéticas no livro “A Sociedade dos Poetas Vivos”. É um dos autores da enciclopédia “Medo de Palhaço”, lançado pela editora Évora.

One thought on “Jogos Mortais 2 e a perpetuação de uma franquia

  • 01/07/2023 em 18:56
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    Só gosto mesmo dos três primeiros,o resto até dá pra assistir,mas deixa a desejar 😏

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